segunda-feira, dezembro 31, 2012

quinta-feira, dezembro 27, 2012

again


Cindy Sherman

segunda-feira, dezembro 24, 2012

quinta-feira, dezembro 20, 2012

véu


Herb Ritts


domingo, dezembro 16, 2012

quinta-feira, dezembro 13, 2012

hoje

deitei fora "todos os sonhos do mundo"

todos?
não.
há sempre uma pequena aldeia gaulesa dentro de nós que resiste.

depois da capitulação, que sonhos ainda resistem?
de mãos vazias, espero.
não bebi a poção mágica nem caí no caldeirão.
o que há a fazer?

"agora sou pequenina e estou com a minha mãe no "castelo negro", bebo um trinaranjus de laranja e como um rissol enquanto esperamos o almoço. bebo rápido de mais o sumo, a boca doce a pedir mais.
ela desenha "damas antigas" no bloco e eu copio. sou pequenina e sei desenhar bem e quero ser bonita como a minha mãe.
o "castelo negro" parece saído de um quadro do Hopper, com o balcão comprido e as mesas coladas à parede como nos filmes americanos. o empregado é moreno e simpático, sou pequenina e acho-o bonito."

"agora tenho 15 anos e estou à espera da minha mãe, ou tenho 40 e penso que sou a minha mãe quando eu tinha 15 anos. estacionei o carro e acho incrível saber conduzir. sempre quis aprender a guiar mas herdei inseguranças, o gene da ansiedade social e alguma distracção - "olha para o chão" dizia a minha mãe e eu na lua a ir de encontro às coisas.
páro nos semáforos, a rua a subir e acho incrível saber conduzir e volto a ser a minha mãe noutra rua a subir, tenho 15 anos e ela demora a estacionar entre dois carros, às vezes desiste, procura um lugar mais longe. como eu às vezes faço. não pela dificuldade em si, mas porque não suporto ser olhada e é nesse momento que falho. como ela.
penso nas mulheres da minha família a conduzir, a minha tia no rally, a minha avó a conduzir uma carrinha enorme, a minha mãe a mudar pneus. penso nos homens daquela tasca de beira da estrada que só de verem passar um carro conduzido por mulheres atiravam bocas e insultos grosseiros. porque tanto ódio, meu deus? canso-me de tanta ignorância."

"estou no largo da estação e acabei de perder o autocarro para casa. meti umas moedas e telefonei, a minha mãe vem-me buscar. está a chover e eu, para castigar quem? resolvo ficar à chuva debaixo das tílias e plátanos em vez de ir para dentro da estação. tenho um impermeável fino com carapuço e sinto as gotas da chuva escorrerem cara abaixo. tenho 12 anos e estou triste. dentro do impermeável o corpo aquece, deixo de sentir a chuva, entro num sítio qualquer dentro de mim onde tudo se apaga e deixo de pensar.
não sei disso na ocasião mas entrei num estado meditativo, hipnótico que me vai servir muitas vezes."

"agora não sei que idade tenho, a minha mãe ainda não tem 40 e está feliz. estamos no início do verão, o calor ainda se suporta, está um dia azul, a minha mãe abre a janela do carro, põe as mãos de fora, e grita, como se dissesse "estou viva" para toda a gente saber, e nós a achar estranho, meios envergonhados.
tolos. a felicidade é para ser gritada e tenho pena de não ter aberto também a janela e gritado com a minha mãe naquele momento. é tão raro deixarmos que o corpo e a mente sejam livres, totalmente livres para gritar  a felicidade "estamos vivos" pela janela do carro, mesmo se temos quase 40 anos e três filhos no banco de trás. não sei que idade tenho mas quero ser feliz e divertida como a minha mãe."

"com quem me quero parecer agora? ainda há desenhos de "damas antigas" que eu possa imitar?
não imitei os caminhos da minha mãe, não me espera nada igual, não tenho filhos no banco de trás nem uma casa nem marido. fugimos de um estereótipo para cair noutro. se deixássemos de pensar "em ir ao encontro" ou "em fugir" do que é esperado talvez pudéssemos realmente encontrar-nos."

"tenho 22 anos e mergulho numa praia quase vazia, o mar esmeralda, o céu muito azul, está calor mas sopra uma brisa. ponho-me a boiar. podia ficar ali para sempre. sinto-me igual à água, ao vento, ao sol e sou toda terra e fogo. como naquela janela de autocarro, o sol a bater-me na face, o corpo quente a pedir vida, eu meia adormecida a derreter na paisagem beirã quando viajo de fim de semana.
sou mais velha e estou deitada no chão perto da janela da minha primeira casa, a sala vazia, o sol a entrar dentro de mim.
estou livre, bonita e sensual pela primeira vez, mas ninguém vê.
vou demorar anos a apresentar-me ao mundo: este é o meu corpo. venero-o. venerem-no. sou uma mulher."

"agora estou num café a fazer tempo enquanto não entro no cinema e escrevo quase sem pensar, sem ver. estou nua frente a um espelho, que são os outros, mas ainda não sei que imagem me devolverá. tenho 40 anos mas podia ter 20. a vida repete-se? a minha é um palimpsesto, camadas que se misturam e das quais reconheço apenas pedaços soltos.
mas reconheço a força de contrariar as evidências, sair do ciclo, procurar a aldeia gaulesa que resiste, mesmo sem poção mágica, num qualquer país dentro de mim."

estou aqui.
de mãos vazias.
(não sou nada)
deitada na vida, a boiar nos elementos da natureza.
(não posso querer ser nada)
à espera
de "todos os sonhos do mundo"



namaskar.



quinta-feira, novembro 29, 2012

whatever





(há um veleiro turístico em lisboa chamado "whatever". quando vi a reportagem achei o nome delicioso: entrar a bordo dum barco chamado "whatever" e ir por aí fora pareceu-me logo uma boa ideia.)

quarta-feira, novembro 21, 2012

emoções

pequeno desabafo: 

durante todo o tempo em que aprendi e fiz teatro não consegui nunca usar a "memória das emoções", e agora que elas vêm em catadupa e sem pré-aviso não tenho como as usar criativamente.

enfim... 
sempre este meu desencontro com tudo...

por acaso nunca fui muito forçada a fazer o processo de reviver as emoções passadas, o método era deixar que as emoções viessem como um reflexo das acções.
e sempre que se falava em ir procurar emoções antigas para usar na personagem eu achava que o passado estava no passado e não concebia, nem conseguia ir lá buscar nada. 

achava que estava resolvido.
não estava.
estou a resolver agora.




terça-feira, novembro 20, 2012

vermelho


La belle Rafaela, 1927 
Tamara de Lempika

sábado, novembro 17, 2012

alegria

“Gente triste nem é Cristão nem é Escuteiro nem é coisa nenhuma. Gente triste anda no mundo pensando em entristecer os outros. Quaisquer que sejam as nossas dificuldades, os nossos problemas e as nossas agruras, a nossa obrigação é tratar disso de noite, enquanto dormimos e enquanto os outros dormem, e todas as manhãs aparecer tendo lançado fora todos os problemas que nos podem afligir, para chegarmos aos outros e lhes dar a maior esmola e o maior amparo que efectivamente podemos dar, que é o amparo da nossa própria alegria e do nosso entusiasmo ao ver aquele dia que rompe”.

 Agostinho da Silva, "Baden-Powell, Pedagogia e Personalidade", 1961



era bom ser sempre alegre, saber deixar a noite e o descanso fazerem o seu trabalho, e acordar com essa energia e entusiasmo "do dia que rompe".

era bom saber aprender com a tristeza, a depressão é normalmente um sinal de que estamos demasiado instalados em alguma ideia ou situação, e um sinal para mudar alguma coisa.

era bom conseguir aproveitar o mistério que é o inesperado de cada dia, e aceitar o que ele nos dá.

era bom sermos menos complicados, mais abertos à luminosidade que há mesmo no escuro mais denso.

era bom sermos.

ao contrário do que possa parecer, para os sábios também não é fácil, como para nós não é, manter esse estado de permanente alegria, entusiasmo, ou melhor, de presença.

só que eles perseveram. nós não.

podemos, no entanto, perceber que caminhos seguiram e para onde apontam, não necessariamente para lhes seguir a direcção, mas para perceber que é possível e, dentro das nossas capacidades, ir ao encontro do que queremos para nós.

apesar dos céus negros, apesar dos tempos inquietos em que vivemos, apesar das pequenas e grandes desilusões do quotidiano, apesar dos erros e das quedas e dos fracassos e das lágrimas, apesar do sentimento de impotência, apesar do constante reformular de expectativas, do constante desafio ao pensamento e às emoções, apesar de tudo,

há dias em que acordamos.

acordamos verdadeiramente "acordados" para o dia, o momento, o agora.
podemos não estar radiantes de alegria e entusiasmo
mas estamos vivos.
e isso basta.






quinta-feira, novembro 15, 2012

terça-feira, novembro 06, 2012

era a cereja





Livra-me das tentações
de fugir ao fisco
e que em Fevereiro pague sempre
os meus impostos.
Afasta-me do supérfluo e
da vaidade e recorda-me que
um dia hei-de ter hemorróidas.
E não me deixes cair no pecado
da ideologia
para que não leve com o proletariado nas trombas.
Guia-me pelos caminhos do amor
até um centro comercial
onde o amado me acompanhará
a experimentar um a um cada vestido.
E, por último, faz com que
todo o iogurte que coma seja
 — foda-se! —
de morango.


Ana Paula Inácio


 Não há mais
 mundos
 este chega
 e sobeja
 O fruto proibido
 era a cereja
 O Eden fechou
 para mudança
 de ramo
 Não estás comigo
 no jazigo


Adília Lopes

quinta-feira, novembro 01, 2012

segunda-feira, outubro 29, 2012

sábado, outubro 27, 2012


Richard Gonzales


domingo, outubro 21, 2012

o irreparável



"Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado;
Este é o cadáver.
Se a certa altura eu me tivesse voltado para a esquerda, ao invés que para a direita;
Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim;
Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro;
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também."


Fernando Pessoa





(conheci em tempos um homem mais velho, que tinha sempre muitas namoradas, e que me contou qualquer coisa assim: 

"quando tenho uma namorada nova levo-a ao meu deserto onde lhe mostro primeiro uma flor muito bonita e depois o cacto seco e cheio de picos; depois de ver o cacto pergunto-lhe se ainda quer ficar, porque eu sou as duas coisas e uma não existe sem a outra." 

ultimamente tenho sido um cacto cheio de picos.)










sábado, outubro 20, 2012

o fio de uma espada



"Conduz o teu cavalo sobre o fio de uma espada,
oculta-te como puderes no meio das labaredas."



Herberto Helder


sexta-feira, outubro 19, 2012

continuar


Richard Avedon






"sei que há um céu sob essa chuva e um grito parado no ar."

ou

continuar, mesmo que nos cortem a luz.






quarta-feira, outubro 17, 2012

sexta-feira, outubro 05, 2012

paradoxo


Christ in limbo
 Hieronymus Bosch





(sempre que deixo de controlar e aceito o "caos" tudo parece voltar a ter uma "ordem".)

with the lights out

sexta-feira, setembro 21, 2012

...


Mark Power





(este é o meu sítio. quando regressarei a casa?)

domingo, setembro 16, 2012

o beijo

eu sei que se calhar me exponho de mais aqui mas, como disse há dias, escrever é a única coisa que sobra.

estou triste, cansada, deprimida, vulnerável. 
mais do que isso, não consigo controlar, como sempre consegui.
e a todo o momento, em qualquer lugar, basta uma frase, um "estás bem?" dito por alguém mais atento, uma pequena contrariedade, um olhar sarcástico, uma atitude estúpida, para que me vá abaixo.


ontem.
um dia longo.
deviam ser 5 e tal da manhã, na discoteca com amigos. 
"estás tão séria."
"estou triste."
e a conversa trouxe inevitáveis lágrimas.
de repente, uma mulher que dançava perto de nós aproximou-se, perguntou se podia interromper a conversa.
disse qualquer coisa assim:
" há momentos em que nos apetece dar um beijo. posso dar-te um beijo?"
e deu-me um beijo terno na face.
agradeci o gesto generoso.
sorriu-me e voltou a dançar.
as lágrimas também voltaram mas eram mais felizes.

a vulnerabilidade tem destas coisas.
ficamos mais expostos e por isso mais abertos, verdadeiros, mais próximos do que somos, sem máscaras.
e muitas vezes é nestes momentos que, ao entregar-mo-nos completamente ao que sentimos, atraímos para nós o que precisamos. 
como um beijo na face dado por uma desconhecida numa discoteca.



domingo, setembro 09, 2012

o contrário


Pierre-Paul Prud'hon
The soul breaking the bonds that attach to the earth






"Resist what resists in you and become yourself."

Mahabarata



a vida vem em ondas como mar, principalmente aos sábados.

encosto-me nas almofadas, fecho os olhos, deixo-me divagar, enquanto vejo pedaços do filme Mahabarata e leio pedaços do Padre António Vieira num livro da Inês Pedrosa.

o pensamento torna-se vago, indefinido, como um sonho, e "acordo" quando me parece ver alguma coisa, algo mais à frente, um futuro enevoado.

há dias, estranhamente optimista, vi um laço, daqueles que os cowboys nos filmes atiram ao ar, a agarrar-se e agarrar-me a um futuro bom.

(resistirei mais uma vez ao pessimismo, ao fatalismo, meu e dos outros? 
conseguirei encontrar-me de novo, nos escombros, nas ruínas, nos esgotos, no lixo emocional e superar-me?)

deitada, de olhos fechados mas sem dormir, entro de novo na sonolência criadora de imagens. não sei descrever o que vejo, mas desta vez não é bom. 

estou cansada de tristeza, de desânimo, de indefinições.
estou cansada de esperar que a vida dê outra vez a volta e me coloque no início de qualquer coisa.

quero acreditar que o optimismo, a energia criadora, a alegria da acção, podem ser tão contagiantes como a tristeza e pessimismo em que estamos todos mergulhados. 
mas como?
tão perdidos que estamos não conseguimos ver que o caminho melhor é sempre no sentido contrário: substituir o egocentrismo pela generosidade, o isolamento pela abertura aos outros, ascender ao sonho quando nos empurram para baixo.

fecho os olhos outra vez, deixo o corpo leve, o coração aberto ao que vier.
e no sono-não-sono sei que preciso esvaziar-me ainda mais, para me abrir ainda mais.

e de respiração em respiração, procuro ser o vaso, que recebe e oferece, que se enche e esvazia, sem se agarrar a nada, sem esperar nada em troca.

procuro o caminho irreversível da liberdade.


sexta-feira, setembro 07, 2012

mar






(em agosto fui à praia. em fevereiro, ouvi o mar.)

sábado, setembro 01, 2012

thunderbird



Mad Girl’s Love Song


 I shut my eyes and all the world drops dead;
 I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)

 The stars go waltzing out in blue and red,
And arbitrary blackness gallops in:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I dreamed that you bewitched me into bed
And sung me moon-struck, kissed me quite insane.
(I think I made you up inside my head.)

God topples from the sky, hell’s fires fade:
Exit seraphim and Satan’s men:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I fancied you’d return the way you said,
But I grow old and I forget your name.
(I think I made you up inside my head.)

 I should have loved a thunderbird instead;
At least when spring comes they roar back again.
I shut my eyes and all the world drops dead.
(I think I made you up inside my head.)

Sylvia Plath
(daqui)

segunda-feira, agosto 27, 2012

aldina








 (a Leonor Baldaque tem uma presença cinematográfica muito intensa.)

segunda-feira, agosto 20, 2012

pensar


(imagem encontrada por acaso, não sei quem é o autor)

domingo, agosto 12, 2012

quinta-feira, agosto 09, 2012

memórias (2)


a memória é uma coisa lixada.

ultimamente as memórias têm-me queimado a cabeça.
memórias antigas e recentes, coisas, espaços, pessoas, situações que se misturam.

enquanto passo pelo jardim botânico, por exemplo, e vejo "o meu canto tropical" para onde ficava sempre a olhar alguns segundos quando passava lá no 1º ano de coimbra e me imaginava lá em baixo, no escuro, por baixo da folhagem, percebendo a luz por entre as folhas largas da vegetação.

ou quando faço a rua dos combatentes a pé e vejo aquela noite em que, em grupo, fomos ao cinema e uma rapariga, que nunca mais vi, fez um pequeno teatrinho nas escadas de uma das casas. tiveram de passar anos até encontrar, no teatro, quem brincasse assim com o espaço e com as situações. até eu própria brincar assim.

ou quando me sento numa esplanada da praça ou no café do teatro, e vejo crescer uma certa angústia que não sei explicar, não pelas memórias que tenho de lá mas também pelas que não tenho, pelo que não fiz, pelo convívio que perdi.

memórias de uma solidão inexplicável.

mas também uma solidão tantas vezes habitada pelos meus intensos pensamentos, pela capacidade que tinha então de me abandonar ao momento presente e ficar feliz apenas por sentir a brisa tocar-me a face ou por perceber o movimento da respiração.

uma solidão onde, de repente e sem pedir ou esperar, apareciam pessoas, que me levavam a fazer coisas, a conhecer outras pessoas, sítios, situações. e eu deixava-me simplesmente ir, ser.
apesar da minha timidez, introspecção e falta de espontaneidade, sempre muito calada, eu ia.

uma solidão que também criou em mim a necessidade de agir. e de repente, só por pensar e estar atenta, coisas aconteciam que me transportavam para outro lugar, outras necessidades, outros lados de mim.

perdi muito, muito, muito nesses anos. mas também ganhei muito, muito, muito.
não vivi o que "era esperado" em alguém da minha idade. vivi outras coisas, muito dentro de mim, mas também a olhar para fora.

(sempre a ir para fora e a mergulhar dentro, sempre neste movimento, como agora ainda.)

sinto, por vezes, que uma parte desse tempo foi como se estivesse numa reclusão religiosa.não fechada num convento, mas fechada dentro de mim a observar, a cuidar do meu jardim interno, a treinar o salto, a ganhar estrutura para o que vinha a seguir.

no fundo, estive a criar-me como sou agora.
e, com todos os defeitos, eu gosto do que sou agora.
não seria a mesma pessoa se não tivesse passado por essas experiências e não-experiências.

não é nada, nada fácil este confronto com memórias do que se podia ter feito e não se fez.
mas não se fez. não aconteceu.
sinto, como nunca senti, necessidade de me reconciliar com esse passado feito de ausências, solidão, e não-acção.

de o aceitar como parte da minha pele.
e de afastar de vez este nó na garganta.





terça-feira, agosto 07, 2012

sábado, agosto 04, 2012

quarta-feira, agosto 01, 2012

generosidade

"To act generously is to awaken a certain kind of freedom: freedom from the stranglehold of self-concern, and, consequently, freedom to choose a level of responsibility beyond the minimal charge most of us have for ourselves. To give unselfishly is at least momentarily to be free of ourselves, free of greed and attachments, resentments and hatreds, habitual and isolating acts of self-protection. This experience is exhilarating because it entails an expansion out beyond the compulsive anxieties of self-protection. In this sense, the practice of generosity is the practice of freedom, and it carries with it all the joy and pleasure that are associated with liberation. Indeed, there may be no greater sense of fulfillment in life than the simultaneous feelings of human interconnection and pure freedom that arise from an authentic act of selfless generosity."


Dale S. Wright
( ler tudo aqui)

sexta-feira, julho 27, 2012

quinta-feira, julho 26, 2012

sábado, julho 21, 2012

começos




Mais um caderninho preto comprado, linhas e páginas para me reescrever.
Páginas em branco para começar de novo. Sempre.


"Para lá do ego, onde estou?" (2004)

"Alentejo. Tiro com arco. (...) Flores selvagens morrem mal as cortamos." (2006)

"É preciso voltar a todos os sítios onde fomos felizes." (2007)

"Recomeçar. Outra e outra e outra vez. Para ser sempre outra e a mesma" (2009)

"Sou todos os momentos do passado, sou o futuro que crio em imagens." (2010)

"Começar. Começar de novo. (...) A vida continua a não ser muito justa." (2012)






quarta-feira, julho 18, 2012

o gato




No livro o final é menos romântico, mais cru. O gato desaparece e ela também. "Mas um dia, numa tarde domingueira e cheia de sol" ele encontra o gato sentado na janela de uma casa, e espera-se que Holly também tenha encontrado a sua.
Por mais independentes e "free spirit" que sejamos (ou queiramos ser), todos precisamos de encontrar a nossa casa, de pertencer a algo, nem que seja "uma cabana em África".



Breakfast at Tiffany's 
Romance de Truman Capote 
Filme de Blake Edwards, com Audrey Hepburn e George Peppard

segunda-feira, julho 16, 2012

segunda-feira, julho 09, 2012

a ver navios

ou de como capitulei

Kenneth Josephson, Untitled, 1970




(há quem fique a ver navios. 
eu fico a ver a imagem dos navios, o que é ainda mais triste. 

capitulei. 
eles eram muitos e eu só.
dou-te as boas vindas, minha querida.
ganhaste.
toma agora conta do meu corpo,
entrego-to
e da minha alma,
é tua.

nada mais tenho a dizer.
a não ser:
fora de cena o que não é de cena.

e eu não sou de cena.
- ou não serás tu?

recuo para ver melhor
o que ao perto ofusca

não me vou embora.
ainda.
ficarei apenas reclusa dos navios que não passam
"sozinha no cais deserto, a esta manhã de verão".
à espera
de avistar a vida num veleiro que me leve
para a liberdade.)

quinta-feira, julho 05, 2012

napoleão

 Helmut Newton
Roselyne on Napoleons Bed, 1975

segunda-feira, julho 02, 2012

respostas

se nenhuma pergunta te está a ser feita
porque insistes em procurar respostas?

e não há verdadeiramente só uma resposta
para a pergunta fundamental

o tempo dar-te-á a pergunta
a procura indicar-te-á o caminho

por isso espera.

tudo está no seu lugar.




sábado, junho 30, 2012

abrir


Ansel Adams

união

"(22) Jesus viu crianças sendo amamentadas. Ele disse a seus discípulos: "Esses pequeninos que mamam são como aqueles que entram no Reino." Eles lhe disseram: Nós também, como crianças, entraremos no Reino?" Jesus lhes disse: "Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o exterior, o exterior como o interior, o acima como o em baixo e quando fizerdes do macho e da fêmea uma só coisa, de forma que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea, e quando formardes olhos em lugar de um olho, uma mão em lugar de uma mão, um pé em lugar de um pé e uma imagem em lugar de uma imagem, então, entrareis (no Reino)."


 Evangelho Apócrifo de S. Tomás
 (encontrado algures na internet)

quarta-feira, junho 27, 2012

domingo, junho 24, 2012

verão

o verão para mim é como um longo domingo.

gosto do verão
mas fico sempre triste no verão
como fico nos domingos

no café do costume
está uma tarde de sol e eu dentro

lá fora vejo gente a conversar
com a calma das amizades calmas
e dos domingos na esplanada

a música melancólica, o escuro aqui dentro, na sala onde estou, só
a fungar da constipação
e o verão lá fora como uma miragem de felicidade
(a luz e a brisa e as arvores)
devolve-me uma tristeza
que não consigo explicar

no inverno é fácil
a tristeza combina com o tempo
murchamos como as folhas
choramos com a chuva
escurecemos com as nuvens que tapam o sol

mas no verão...
o sol está em todo o lado
e toda a gente em todo lado parece irradiar luz e felicidade
(mesmo que fingida)


"porque não ris, porque não danças, porque não te soltas, porque não vens connosco?"
diz o verão
e a tristeza fica mais funda

já passou a promessa que foi a primavera
e ainda não estamos prontos para as colheitas de setembro

esperamos
que o verão passe
que o domingo passe
que a tristeza passe
como passam as constipações

e entretanto
talvez o verão chegue
aqui dentro
onde estou, só
a fungar
da constipação
e me convide para dançar.






sábado, junho 23, 2012

midsummer night

Anselm Kiefer 
Midsummer night

quinta-feira, junho 21, 2012

freedom


Elliott Erwitt




"Freedom is what you do with what's been done to you".

Jean-Paul Sartre

quinta-feira, junho 14, 2012

pedaços


Damian Ortega
Cosmic Thing

sexta-feira, junho 08, 2012

excertos

(S., aqui vão os primeiros excertos. podes ler aqui uma entrevista dele.)




"De facto, é possível que alguém se apaixone mais do que uma vez, e algumas pessoas gabam-se - ou queixam-se - de que apaixonar-se e "desapaixonar-se" é algo que lhes acontece (assim como a outras pessoas que vêm a conhecer nesse processo) de modo muito fácil. (...)
Há bases bastante sólidas para se ver o amor, e em particular a condição de "apaixonado", como - quase que por sua própria natureza - uma condição recorrente, passível de repetição, que inclusivamente nos convida a sucessivas tentativas. (...)

 Afinal,a definição romântica do amor como "até que a morte nos separe" está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás o seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraia o seu vigor e valorização. Mas o desaparecimento desta noção significa, inevitavelmente, a simplificação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de "amor". Não existe um maior número de pessoas a atingir mais vezes os elevados padrões do amor: o que acontece é que esses padrões estão mais baixos. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos através da palavra "amor" expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são descritas por meio da expressão "fazer amor".

A súbita abundância e a evidente disponibilidade das "experiências amorosas" podem alimentar (e de facto alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir e que o domínio dessas habilidades aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e frequentemente acredita-se) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com a acumulação de experiências; que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos a viver actualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.

Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do "amor" como uma série de episódios intensos, curtos e chocantes, desencadeados pela consciência a priori da sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de "terminar rapidamente e começar do início", das quais, segundo Soren Kierkegaard, o Don Giovanni de Mozart era o virtuoso arquetípico.
(...) É tentador afirmar que o efeito desta aparente "aquisição de habilidades" tende a ser, como no caso do Don Giovanni, a desaprendizagem do amor - uma "exercitada incapacidade" de amar."


Zygmunt Bauman
"Amor Líquido"
Relógio d'Água

segunda-feira, junho 04, 2012

sexta-feira, junho 01, 2012

lost cloud


André Kertész, Lost Cloud, New York, 1937



sábado, maio 26, 2012

InterRail



Cartier Bresson


"A realidade é absurda, e mais rápida que a própria sombra.

 Duas pessoas de olhos fechados e mãos em movimento desencadeiam cem milhões de imagens em cada cabeça. Eu a morder-te a boca, o queixo, o pescoço, a puxar-te o cabelo e a barba, a camisa, vejo as silhuetas do tipo-atlético e do tipo-magro, e depois o tipo-gordo que era o meu fantasma, a compota ao lume na cozinha da minha avó, o comboio do primeiro InterRail, os olhos do então namorado, a cor da fórmica há pouco, e só passaram cinco segundos. E tu, com a língua dentro da minha boca, com as mãos nas minhas nádegas, andas onde? Depois do pânico, da ansiedade, da paralisia, fechamos os olhos num beijo como se mergulhássemos, e o filme que isso é quando é. A arqueologia. Saímos outros.

 Então abrimos os olhos e só passaram dois minutos. Ainda seremos outros ou voltámos a nós?"


Alexandra Lucas Coelho
"e a noite roda"
Tinta da China

segunda-feira, maio 21, 2012

sábado, maio 19, 2012

jardim constantino

Jardim Constantino, Lisboa




E de repente, ao tomar uma cerveja no quiosque do Jardim Constantino em Lisboa, lembrei-me da "minha" Barcelona, e de um jardim parecido onde tomámos "cañas".
Lembrei-me que, em 2010, Barcelona me fez lembrar Lisboa: as andorinhas, as varandas floridas, o manjerico na mesa da sala, os barcos (o Mediterrâneo não é o Tejo, mas todas as cidades portuárias se parecem) e até uma certa nostalgia nas pessoas que conheci.
E agora, em Lisboa, regressa uma parte dessa Barcelona, neste fim de tarde ameno no jardim, os velhos na conversa, um grupo de jovens músicos a descansar, um grupo de imigrantes numa mesa, um transsexual brasileiro, um ou dois sem abrigo a deambular, os carros sempre a passar.
Depois, as mercearias abertas até tarde, com os expositores de frutas na rua, e incenso a perfumar o início de noite; empregados de café em conversa com clientes, uma loja com uma mulher a passar a ferro; na rua casais de velhotes, rapazes a passear os cães, adolescentes a comer gelados, empregados de loja atentos.
As mesmas árvores e a mesma estranha calma. Aliás, Lisboa pareceu-me, desta vez, estranhamente calma e as pessoas estranhamente delicadas.
Em muitas das pessoas com quem cruzei o olhar, ou que vi de passagem, senti algo de pungente, de trágico e ao mesmo tempo belo.
Como se se tornasse visível a imensa teia onde estamos todos entrelaçados, e os impossíveis equilíbrios que temos de experimentar para nos mantermos à tona num mundo que se afunda.
Apeteceu-me conhece-las, ou pelo menos conseguir fotografá-las naquele preciso instante em que toda a sua história se revela num olhar, num movimento, num gesto, num pensamento perceptível apenas aos mais atentos.


sexta-feira, maio 11, 2012

esperar

Ralph Gibson



(num espectáculo de teatro que vi recentemente, uma personagem grávida reclamava uma indemnização no tribunal e o juiz dizia-lhe qualquer coisa assim: "está com esperanças? mantenha-as." 

pois. 
à minha volta vejo quase toda a gente a perder a esperança.  
nas pessoas, no amor, no trabalho, no país, em si próprios.
eu, famosa pelo meu pessimismo crónico, tento não me contagiar por este ambiente geral.
é difícil. e confesso alguma desmotivação e cansaço.
mas respiro fundo e espero o melhor.

hoje recebi a visita de uma amiga grávida, e deve ter sido a pessoa mais feliz  e esperançosa que vi ultimamente.
dei por mim a pensar que para manter a esperança é preciso estar prenhe. 
metaforicamente prenhe:  de vida, de ideias, de vontades.
estar prenhe é acreditar que algo melhor vai nascer e que nós, não só vamos fazer parte desse futuro, como somos nós que o criamos e empurramos para a vida.

viver é criar.
é preciso criar para manter a vida.
mesmo que seja a partir do nada, do vazio, da espera.

a ânsia de criar, de agir, tem criado em mim alguma ansiedade e impaciência.
mas há momentos assim, de espera, incubação.

é preciso paciência.
a lagarta será borboleta quando o for.

talvez seja este um tempo de "não-acção", uma espécie de espera activa
tempo de abrir perspectivas, olhar para dentro e para o vazio, acreditar que, apesar de não parecer, há uma imensidão de possibilidades, de cenários, de acções, de vidas por viver.

é difícil.
mas respiro fundo e espero o melhor.)








quarta-feira, maio 09, 2012

quarta-feira, maio 02, 2012

noite


Ernst Haas

segunda-feira, abril 30, 2012

sexta-feira, abril 27, 2012

empty

Matteo Massagrande

quinta-feira, abril 26, 2012

mantra

não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas

não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas

não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas

não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas não ames a ideia que tens das coisas



(a ver se a gente não se esquece disto...)

domingo, abril 22, 2012

armadura

Armor
Jennifer Hom

quinta-feira, abril 19, 2012

quarta-feira, abril 18, 2012

tabu

tenho de deixar de ir ver filmes bons e tristes.







nas últimas semanas acumulei "Vergonha", "Uma separação" e agora "Tabu" (o melhor, mais bonito, mais poético, mais cinema, dos três.)


se calhar também era bom não ter começado a ler "e a noite roda" da Alexandra Lucas Coelho, que também não me parece que vá acabar muito bem.


o que devia mesmo fazer era sair daqui para fora e ir espreitar isto.

quinta-feira, abril 12, 2012

quarta-feira, abril 11, 2012

nada nos prende

Herbert Dombrowski  


"Ouve. Vamos fazer de conta, esquecer quem somos, imaginar o impensável, o impossível, sonhar a dois. Sem regras nem cláusulas. Sem memórias. Sem vivências. Num anseio de união. Sussurrando palavras de carinho depuradas de enfeites, livres de medos, nossas, insensíveis ao mundo. Para que assim se torne outra, bem diferente, a linguagem das mãos, dos dedos entrelaçados, libertando devagarinho desejos reprimidos, loucuras, dando forma e brilho ao que se escondeu na sombra.
Nada nos prende. A nós, a ti, de escolher a luz ou o escuro, o sonho ou o despertar."


J. Rentes de Carvalho, Tempo Contado




(Como é difícil ser sem histórias. Deixar para trás o que já morreu, já não é. Na semana passada fui ver o filme "Vergonha". Percebe-se que algo terrível se esconde no passado dos dois irmãos, não é difícil imaginar o quê. Obviamente são personagens no limite. Mostram-nos, de forma crua, a solidão a que parece estarmos todos condenados, ainda que possamos não estar tão "estragados" como eles. Fiquei deprimida. Por mais difícil que seja, sempre acreditei da capacidade de mudança, de dar a volta ao destino, de escapar aos nós do passado, e na capacidade de construir novas narrativas, cenários, possibilidades. Há quem nunca consiga sair desses ciclos, como os irmãos do filme  -"boas pessoas que tiveram um mau começo" - mas a maior parte de nós, por mais frustrações, histórias, complicações acumuladas que tenha, não está nesse sítio. Só que, simplesmente, deixa-se de tentar. Colamos-nos a hábitos ou vícios de pensamento, a que às vezes chamamos "personalidade", mas que, a maior parte dos casos, são apenas isso: hábitos. 
Fiquei deprimida por ter percebido um futuro mais triste e desumano. Se não formos capazes de nos esquecermos de nós, deixamos de ter capacidade de empatia, de entrega ao outro. Se ficarmos presos ao nosso egocentrismo, dificilmente teremos capacidade de "imaginar o impensável", ou seja, um cenário onde eu só sou eu na relação com os outros. Serei ingénua em acreditar que a imaginação, a fantasia, o "como se" mágico do faz de conta, nos pode libertar para um encontro connosco e com os outros mais verdadeiro?)

domingo, abril 08, 2012

cherry blossoms

Hokusai
 Eagle and cherry blossoms

quinta-feira, abril 05, 2012

na ocupação do mundo pelas rosas


Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.       
  

Natália Correia
  

quarta-feira, abril 04, 2012

beleza


Mapplethorpe





(preciso, urgentemente, de beleza. se possível, participar nela, criá-la, partilhá-la. estou cansada de me manter firme no meio do caos. e um pouco de beleza, como diz o poeta, é fundamental. é preciso que da lama surja o lotus.)

quinta-feira, março 29, 2012

quarta-feira, março 28, 2012

gato

William Holman Hunt 
The Awakening Conscience

domingo, março 25, 2012

chuva

(...)
"Ela abriu a porta e ficou a olhar a chuva, súbita e grossa, que parecia uma cortina de aço. Apeteceu-lhe, de repente, correr à chuva. E, num abrir e fechar de olhos, despojou-se das meias, depois do vestido e das roupas interiores. Ele susteve a respiração. Os seios longos e bicudos, animalmente vivos, que vibravam e saltitavam com os  movimentos de Connie. A sua pele era cor de marfim, sob aquela luz esverdeada. Voltou a calçar os sapatos de borracha, lançou-se, com uma gargalhada louca, numa corrida por entre a chuva pesada erguendo os seios, abrindo os braços em movimentos rítmicos de dança que aprendera muitos anos antes em Dresden. Era uma figura estranhamento pálida, levantando-se, baixando-se, curvando-se. A chuva caía e brilhava nas suas ancas fortes, erguendo-se de novo e correndo com o ventre exposto à chuva, depois vergava-se de novo para que apenas o seu torso amplo e as suas nádegas fossem oferecidas ao homem numa espécie de homenagem, repetindo um preito selvagem.

Ele riu de um modo estranho e despiu-se. Era de mais! Com um leve tremor, desatou a correr exibindo a sua branca nudez na chuva que caía a bátegas e obliquamente. Flossie saltou à frente dele, soltando um latido de alegria. Connie, com o cabelo encharcado e colado à cabeça, voltou o rosto corado e viu-o. Os seus olhos azuis brilhavam de excitação ao mesmo tempo que se voltava e começou a correr depressa com um movimento invulgar pela clareira e pelo caminho abaixo, açoitada pelos ramos encharcados. Corria, mas ele não via mais do que a cabeça dela, encharcada, umas costas molhadas inclinadas para a frente, parecia que voava, e as nádegas roliças reluziam. Uma nudez feminina, receosa e bela, em fuga.

Estava quase a chegar à larga pista, para passeios a cavalo, quando ele conseguiu alcançá-la, colocando o seu braço nu em torno da cintura macia e molhada. Ela deu um grito, endireitou-se e a sua carne suave e macia esbarrou contra o corpo dele. Manteve então voluptuosamente todo colado a ele aquele corpo feminino, macio e frio, que ia aquecendo rapidamente, enquanto as mãos do homem o comprimiam. A chuva escorria pelos seus corpos, que fumegavam. Apertou com ambas as mãos o adorável e macio traseiro de Connie, contra si, com frenesim, tremendo, imóvel sob a chuva. Deitou-a num terreno a meio do atalho, no silêncio ruidoso da chuva, possuiu-a num abraço violento e rápido, num ápice, como um animal. Levantou-se quase imediatamente, limpando a chuva dos olhos.
-- Vamos para dentro -- disse.
Ele corria veloz, seguindo em direcção à cabana, não gostava da chuva. Ela avançava mais devagar, enquanto ia apanhando uma molhada de miosótis e campainhas, corria de vez em quando e ficava a vê-lo fugir dela. (...)"



D.H. Lawrence
O Amante de Lady Chatterley
Europa-América

quarta-feira, março 21, 2012

still

Masao Yamamoto

segunda-feira, março 19, 2012

acordar

The Awakening of Spring 
Carl Gutherz