quarta-feira, abril 11, 2012

nada nos prende

Herbert Dombrowski  


"Ouve. Vamos fazer de conta, esquecer quem somos, imaginar o impensável, o impossível, sonhar a dois. Sem regras nem cláusulas. Sem memórias. Sem vivências. Num anseio de união. Sussurrando palavras de carinho depuradas de enfeites, livres de medos, nossas, insensíveis ao mundo. Para que assim se torne outra, bem diferente, a linguagem das mãos, dos dedos entrelaçados, libertando devagarinho desejos reprimidos, loucuras, dando forma e brilho ao que se escondeu na sombra.
Nada nos prende. A nós, a ti, de escolher a luz ou o escuro, o sonho ou o despertar."


J. Rentes de Carvalho, Tempo Contado




(Como é difícil ser sem histórias. Deixar para trás o que já morreu, já não é. Na semana passada fui ver o filme "Vergonha". Percebe-se que algo terrível se esconde no passado dos dois irmãos, não é difícil imaginar o quê. Obviamente são personagens no limite. Mostram-nos, de forma crua, a solidão a que parece estarmos todos condenados, ainda que possamos não estar tão "estragados" como eles. Fiquei deprimida. Por mais difícil que seja, sempre acreditei da capacidade de mudança, de dar a volta ao destino, de escapar aos nós do passado, e na capacidade de construir novas narrativas, cenários, possibilidades. Há quem nunca consiga sair desses ciclos, como os irmãos do filme  -"boas pessoas que tiveram um mau começo" - mas a maior parte de nós, por mais frustrações, histórias, complicações acumuladas que tenha, não está nesse sítio. Só que, simplesmente, deixa-se de tentar. Colamos-nos a hábitos ou vícios de pensamento, a que às vezes chamamos "personalidade", mas que, a maior parte dos casos, são apenas isso: hábitos. 
Fiquei deprimida por ter percebido um futuro mais triste e desumano. Se não formos capazes de nos esquecermos de nós, deixamos de ter capacidade de empatia, de entrega ao outro. Se ficarmos presos ao nosso egocentrismo, dificilmente teremos capacidade de "imaginar o impensável", ou seja, um cenário onde eu só sou eu na relação com os outros. Serei ingénua em acreditar que a imaginação, a fantasia, o "como se" mágico do faz de conta, nos pode libertar para um encontro connosco e com os outros mais verdadeiro?)

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