quarta-feira, abril 30, 2014

sem repetir



"Há duas afirmações do amor. Primeiro, e logo que o apaixonado encontra o outro, há uma afirmação imediata (psicologicamente: deslumbramento, entusiasmo, exaltação, projecção louca de um futuro pleno: sou devorado pelo desejo, a impulsão de ser feliz): digo que sim a tudo (cegando-me). Segue-se um longo túnel: o meu primeiro sim está atormentado por dúvidas, o valor do amor está permanentemente ameaçado de depreciação: é o momento da paixão triste, a ascensão do ressentimento e da oblação. Deste túnel posso, no entanto, sair; posso "ultrapassar", sem liquidar; posso novamente afirmar o que já afirmei uma vez, sem o repetir, pois agora o que afirmo é a afirmação, não a sua contingência: afirmo o primeiro encontro na sua diferença, quero o seu regresso, não a sua repetição. Digo ao outro (velho ou novo): Recomecemos."




Roland Barthes, Fragmentos de um discurso amoroso

segunda-feira, abril 28, 2014

touch me




 (sexta feira fui dançar a um dos sítios mais feios da cidade,eramos meia dúzia de gatos pingados, mas a música óptima, o dj acedeu a quase todos os nossos pedidos e esta foi uma das músicas que dançamos. 

o bar abriu em 1993 e naquela altura era um piano-bar que só passava jazz e era frequentado por pessoas "mais velhas", mas eu gostava de ir lá conversar e beber um copo. 
depois passou a ser mais um bar-discoteca de música "alternativa" e metal. a música sempre foi boa, mas o ambiente por vezes ficava muito pesado. além disso, com o tempo, e como quase todos os bares para estudantes em Coimbra, passou a ser só uma caixa de fazer dinheiro, sem qualquer tipo de estilo/conceito ou decoração, sem nada que apele a ficar lá muito tempo. mas a música continua boa.)

domingo, abril 27, 2014

blues



Blues da morte de amor 



já ninguém morre de amor, eu uma vez andei lá perto, estive mesmo quase, era um tempo de humores bem sacudidos, depressões sincopadas, bem graves, minha querida, mas afinal não morri, como se vê, ah, não, passava o tempo a ouvir deus e música de jazz, emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes, ah, sim, pela noite dentro, minha querida. 

a gente sopra e não atina, há um aperto no coração, uma tensão no clarinete e tão desgraçado o que senti, mas realmente, mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não, eu nunca tive queda para kamikaze, é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida, saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber, e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim. 

há ritmos na rua que vêm de casa em casa, ao acender das luzes, uma aqui, outra ali. mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha no lusco-fusco da canção parar à minha casa, o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente, minha querida, toda a gente do bairro, e então murmurarei, a ver fugir a escala do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim. 




Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos





(um texto tão bonito. obrigada.) 

domingo, abril 20, 2014

onde nos encontramos



Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos.


 Ary dos Santos, in ‘Liturgia do Sangue’

quarta-feira, abril 16, 2014

sexta-feira, abril 11, 2014

arejar


 Victor Meeussen

quarta-feira, abril 02, 2014

auto estima


Ralph Gibson







(estive a ver fotografias minhas de há dez anos atrás. porra, porque é que ninguém me avisou que era uma "gaja boa"?  :) o tempo não volta atrás, mas a  auto-estima alegra-se por me saber agora mais auto-consciente.)