sexta-feira, outubro 30, 2009

quinta-feira, outubro 29, 2009

A aula

"Púchkov disse:
- A mulher é uma máquina do amor.
E apanhou logo com um murro nas ventas.
- Para que foi isso? - perguntou Púchkov.
Mas como não obteve resposta, continuou:
- O que eu penso é o seguinte: a mulher deve ser abordada por baixo. Efectivamente, as mulheres gostam disso e apenas fingem não gostar.
Nesse momento Púchkov levou outra vez nas ventas.
- Mas o que é isto, camaradas? Se continuam assim, eu interrompo já a aula - declarou Púchkov.
Porém, após uma pausa de uns quinze segundos, prosseguiu:
-A mulher é feita de tal maneira que é muito suave e húmida.
Neste momento Púchkov levou outra vez nas ventas.
Tentou fingir que não tinha reparado e continuou:
- Basta cheirarmos uma mulher...
Mas neste momento Púchkov apanhou tremenda murraça nas ventas que levou a mão à cara e declarou:
- Camaradas, é absolutamente impossível dar uma aula nestas condições. Se voltar a acontecer, suspendo-a.
Púchkov aguardou uns segundos e prosseguiu:
- Ora, onde íamos nós? Ah, pois. Temos portanto que a mulher gosta de se olhar. Senta-se diante do espelho toda nua...
Àquela palavra, Púchkov levou mais um murro nas ventas.
- Toda nua! - repetiu Púchkov.
Trás! Apanha ele nas ventas.
- Toda nua! - gritou Púchkov.
Trás! Leva ele nas ventas.
- Nua! Nua! Uma mulher nua! Uma gaja toda nua! - pôs-se Púchkov aos gritos.
Trás! Trás! Trás! Apanha ele nas ventas.
- Uma gaja toda nua com um tacho na mão!
Trás! Trás! choviam as pancadas em cima de Púchkov.
- O olho do cu de uma gaja! - gritava Púchkov, desviando-se da pancada. - Uma freira nua!
Mas neste momento Púchkov levou com tanta violência que perdeu os sentidos e caiu por terra, como que abatido.


12 de Outubro de 1940

Daniil Kharms, "Três horas esquerdas"
(Marionet 2001)

segunda-feira, outubro 26, 2009

sexta-feira, outubro 23, 2009

A Velhice do Padre Eterno

«Jehovah, por alcunha antiga o Padre Eterno
Deus muitissimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Poz-se a esgaravatar co-o dedo no nariz,
Tirou d'esse nariz o que um nariz encerra,
Deitou depois isso cá baixo, e fez a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapeu,
Pol-o em cima da terra, e zás, formou o céo.
Mas o chapéu azul do Padre Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis ahi porque o céo ficou todo estrellado.
Depois o Creador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
Mundo serrafaçal, globo de fancaria,
Que nem um aprendiz de Deus assignaria,
E furioso escarrou no mundo sublumar,
E a saliva ao cahir na terra fez o mar.
Depois, para que a Egreja arranjasse entre os povos
Com bulas da cruzada alguns cruzados novos,
E Tartufo podesse inda d'essa maneira
Jejuar, sem comer de carne á sexta feira,
Jehovah fez então para a crença devota
A enguia, o bacalhau e a pescada marmota.
Em seguida metteu a mão pelo sovaco,
Mais profundo e maior que a caverna de Caco,
E arrancando de lá parasitas extranhos,
De toda a qualidade e todos os tamanhos
Lançou sobre a terra, e d'este modo insonte
Fez elle o megatheiro e fez o mastodonte.
Depois, para provar em summa quanto póde
Um Creador, tirou dois pellos do bigode,
Cortou-os em milhões e milhões de bocados,
(Obra em que elle estragou quatrocentos machados)
Dispersou-os no globo, e foi d'esta maneira
Que nasceu o carvalho o platano e a palmeira.

Por fim com barro vil, assombro da olaria!
O que é que imaginaes que o Creador faria?
Um pote? não; um bicho, um bipede com rabo,
A que uns chamam Adão e outros Simão. Ao cabo
O pobre Creador sentindo-se já fraco.
(Coitado, tinha feito o universo e um macaco
Em seis dias!) pensou: — Deixem-nos de asneiras.
Trago já uma dôr horrivel nas cadeiras,
Fastio... Isto dá cabo até d'uma pessoa...
Nada, toca a dormir uma sonata boa!
Descalçou-se, tirou os oc'los e chinó,
Pitadeou com delicia alguns trovões em pó,
Abriu, para cahir n'um somno repentino,
O alfarrabio chamado o livro do Destino.
E enflanelando bem a carcassa caduca,
Com o barrete azul celeste até á nuca,
Fez ortodoxamente o seu signal da cruz
Como qualquer de nós, tossiu, soprou á luz,
E de pança p'ro ar, n'um repoiso bemdicto,
Espojou-se, estirou-se ao longe do infinito
N'um immenso enxergão de nevoa e luz doirada.
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.»


Guerra Junqueiro




(também não conhecia. ;-) )

quinta-feira, outubro 22, 2009

guerreiro





mais fundo, para dentro, para o fundo.


não te mexas. fica quieta
quando tudo se agita.


no vazio escolhe.


procura a espada,
o arco e a flecha.


vê-te na postura
do guerreiro.


é aí que estás.



(9-9-09)

quarta-feira, outubro 21, 2009

às voltas com a vida

Artur Vaz Oliveira


(...)
Presa à liberdade

Encontramos a Susana a ensaiar o seu número, suspensa num cabo e bem próxima do topo do chapitô. O aparato é uma estrutura metálica em forma de lágrima onde se fazem algumas exibições de contorcionismo.

Apesar de trabalhar nas alturas com as fitas e a corda, Susana mostra algum receio. Não tem muita prática neste número e o aparato, construído para uma pessoa de maior estatura, traz-lhe alguma insegurança. Esforça-se por ensaiar uma coreografia onde se sinta mais à vontade. "Mais logo, com a casa cheia, tudo será mais fácil, é o público que nos faz... e o trabalho... claro...!" É aplicada e exigente. O filho, Aníbal, com 4 anos, observa, atento, e pede-lhe que não caia.


A Susana é o Circo. São 34 anos de entrega a um amor seguro e, ainda que a razão, por instantes, a tenha empurrado por outros caminhos, confessa que é no palco “onde me sinto em casa. Mesmo com 40 graus de febre estou lá a picar o ponto, preciso das pessoas, dos aplausos. O Circo será sempre a minha vida”.

Perfeccionista, sente falta das pequenas "multas" aplicadas pela direcção do circo há uns anos atrás: "não se deve entrar em palco de uma forma descuidada... é imperdoável que alguém se apresente com uma meia rota ou um fato sujo!" (...)


Texto: Artur Vaz Oliveira/Natália Cardoso; Fotos: Artur Vaz Oliveira


ler o texto completo aqui.



(Nota: Quando "entrei" neste projecto já o Artur tinha feito um belo trabalho de campo do qual resultaram as fotos e as descrições do que viu e conversou com os artistas. A minha contribuição cingiu-se a alguns aspectos históricos sobre o circo.)

pub

domingo, outubro 18, 2009

sábado, outubro 17, 2009

eram as estrelas, caminhante,
o mapa que não soubeste decifrar
mas vais continuar e continuar
perdido para sempre.


José Luís Peixoto, A criança em ruínas

quinta-feira, outubro 15, 2009


Jackson Pollock

domingo, outubro 11, 2009

and now, for something completly different (10)


marge simpson na playboy de novembro: não percam isto, rapazes! :)

sexta-feira, outubro 09, 2009

decisões

"Não são as ideias nem as decisões que importam - interessam, mas não importam. É a convicção. É o convencimento. Qualquer decisão é mais eficaz do que a inteligência. O pensamento é um luxo e um atraso.

Há uma experiência que estão sempre a repetir. Quando se remove o córtex a um bicho qualquer, ele deixa de pensar e de duvidar; de se sentir seguro ou não; de medir as oportunidades. E qual é a consequência? Torna-se imediatamente o chefe dos outros bichos. Os pensadores, no reino animal, são seguidores. Foi o que aconteceu com as pessoas com as piores ideias do século XX: Hitler, Estaline, Mao. Foram as que tiveram mais poder e mais mal fizeram. Porque não hesitavam e o nobre ser humano, hesitante, não resiste a quem não hesita.

Cada vez mais se ouve dizer que qualquer decisão, por muito estúpida ("vou deixar crescer um bigode!"), é mais benéfica do que a dúvida mais inteligente. Na verdade, a pessoa inteligente só decide por instantes. A decisão é emitida como os talões de estacionamento. Pode (e deve) mudar a qualquer momento porque, felizmente, nunca se sabe. Aprende-se a não saber. Aprende-se a viver com isso. Aprende-se a ser enganado, de vez em quando, quando se acerta nalguma coisa.

Recuperamos de ter tido razão, naquela vez sem exemplo. Passa-nos. Esquece-nos. A convicção é convincente, mas é perigosa, por ser o contrário da inteligência e da condição humana, que é não ter bem a certeza de quase nada.

Custa - mas assim é que é bonito."


Miguel Esteves Cardoso
um destes dias, no Público



(não estou a conseguir tomar decisões e a máxima que costumo usar - "quando não sabes o que fazer, não faças nada" - também não está a resultar. e não estou a falar de grandes decisões, neste momento a dificuldade atinge as coisas pequeninas e mesquinhas do dia a dia - talvez tenha havido aqui um contágio, e não conseguir decidir sobre as "coisas grandes" tenha invadido as decisões mais quotidianas: o que vestir, o que comer, o que fazer com o tempo de trabalho e o tempo livre. é um coisa perigosa: se por um lado não tomo decisões erradas, também não tomo as certas, fico só por aqui, à espera.)


quinta-feira, outubro 08, 2009

sos


Enfim S.O.S. - Sérgio Godinho





Triste, é muito triste
é demasiado triste
quando
de tudo o que existe
tudo parece
do triste vermelho do S.O.S.

Mais vale estar só
grito num sufoco
socorro, corri
p'ro teu lábio louco
lábios murmurando "enfim S.O.S."

S.O.S.
parece que só se ouve essa palavra
vem de todos os lugares
vem dos mares, vem dos lares
dos altares, dos bazares
vêm alarmes similares
parece que só se ouve essa sirene
fala perene
dentro da nossa voz

Vou de elevador
rumo ao meu oitavo andar
quem, no gravador
dirá que me quer falar?
"Fale só depois do bip: S.O.S. ..."

Nunca ouvi essa voz
p'lo menos que me lembre
desço até à rua
em busca de um timbre
todos me soam iguais: S.O.S. ...

S.O.S.
parece que só se ouve essa palavra
vem de todos os lugares
vem dos mares, vem dos lares
dos altares, dos bazares
vêm alarmes similares
parece que só se ouve essa sirene
fala perene
dentro da nossa voz

Esse que me parece
ser o destino
faz tanta pirueta
e depois o pino
e lê-se ao contrário também: S.O.S.

S.O.S.
parece que só se ouve essa palavra
vem de todos os lugares
vem dos mares, vem dos lares
dos altares, dos bazares
vêm alarmes similares
parece que só se ouve essa sirene
fala perene
dentro da nossa voz

quarta-feira, outubro 07, 2009

"vender emoções"

A fadista Kátia Guerreiro num anúncio publicitário a um banco "disfarçado" de entrevista, diz, a propósito de ser médica e cantora o seguinte:

"Se vivesse só da música sentiria que estaria a vender as minhas emoções. Quero sempre sentir que sou uma mulher livre e que vou para cima do palco para partilhar."

Acho esta afirmação uma absoluta falta de respeito para com os artistas que vivem do seu trabalho e um profundo desconhecimento do que é ser artista.


Nada contra o facto de acumular as duas profissões, pode até ser uma mais valia para o trabalho criativo, embora acredite que os grandes artistas, os geniais, dificilmente podem, porque não conseguem, fazer outra coisa além do seu trabalho em arte. Aliás, será assim que se conseguem as obras de génio, com essa total dedicação, quantas vezes com sacrifícios inimagináveis. (Há sempre excepções, claro.)

Agora, parece-me que nesta afirmação a fadista considera "desprestigiante" viver apenas da música (ou de qualquer outra arte) porque quem o faz "vende as suas emoções".

Pois vende. Porque as emoções são a matéria prima do artista, são o seu trabalho. E como todo o trabalho deve ser pago.

Além disso, não me parece que a Kátia Guerreiro "partilhe" as suas emoções de graça...

terça-feira, outubro 06, 2009

oxossi







(prenda atrasada para os meus irmãos que fizeram anos sexta feira :) e recordar as intermináveis viagens de férias para o Algarve a ouvir uma cassete onde constava este fantástico cavaleiro de aruanda, a balada do louco e outras tantas canções brasileiras dos anos 60. saravá!)




e já agora, sobre oxossi:

"Oxóssi é o arquétipo daquele que busca ultrapassar seus limites, expandir seu campo de ação, enquanto a caça é uma metáfora para o conhecimento, a expansão maior da vida. Ao atingir o conhecimento, Oxóssi acerta o seu alvo. Por este motivo, é um dos Orixás ligados ao campo do ensino, da cultura, da arte. Nas antigas tribos africanas, cabia ao caçador, que era quem penetrava o mundo "de fora", a mata, trazer tanto a caça quanto as folhas medicinais. Além, eram os caçadores que localizavam os locais para onde a tribo poderia futuramente mudar-se, ou fazer uma roça. Assim, o orixá da caça extensivamente é responsável pela transmissão de conhecimento, pelas descobertas. O caçador descobre o novo local, mas são os outros membros da tribo que instalam a tribo neste mesmo novo local. Assim, Oxóssi representa a busca pelo conhecimento puro: a ciência, a filosofia. Enquanto cabe a Ogum a transformação deste conhecimento em técnica.

Apesar de ser possível fazer preces e oferendas a Oxóssi para os mais diversas facetas da vida, pelas características de expansão e fartura desse orixá, os fiéis costumam solicitar o seu auxílio para solucionar problemas no trabalho e desemprego. Afinal, a busca pelo pão-de-cada dia, a alimentação da tribo costumeiramente cabe aos caçadores.

Por suas ligações com a floresta, pede-se a cura para determinadas doenças e, por seu perfil guerreiro, proteção espiritual e material."

segunda-feira, outubro 05, 2009

cindy sherman

quinta-feira, outubro 01, 2009

outra vida





Despediu-se e chorou.

“Filho, não olhes para mim, que estou a chorar.”

Os olhos grandes do menino procuram os da mãe, confirmam as lágrimas.

“Não olhes para mim.
A mãe tem dói-dói na cara, não é nada, filho.”

Limpou as lágrimas e despediu-se.
Deram-lhe um livro, uma ponte, uma companhia.
Com as mãos ainda húmidas acariciou o livro, sentiu-lhe o peso.
Era preciso compor tudo o que estava estragado.

“Não olhes para mim.
Não fiques aí a olhar, filho.”

A paisagem quieta na janela do comboio. O livro nas mãos, páginas paradas à espera, os olhos que voam, o livro, a janela, a criança.
Lá, onde chegar, terá tempo. Outra vida.


(2004)

super-heroínas




http://www.carminagaleria.com/exposicoes/andrea_inocencio

solitude



"Little do men perceive what solitude is, and how far it extendeth. For a crowd is not company, and faces are but a gallery of pictures, and talk but a tinkling cymbal, where there is no love."


Francis Bacon



( obrigada por me compreenderes tão bem.)