quinta-feira, agosto 09, 2012

memórias (2)


a memória é uma coisa lixada.

ultimamente as memórias têm-me queimado a cabeça.
memórias antigas e recentes, coisas, espaços, pessoas, situações que se misturam.

enquanto passo pelo jardim botânico, por exemplo, e vejo "o meu canto tropical" para onde ficava sempre a olhar alguns segundos quando passava lá no 1º ano de coimbra e me imaginava lá em baixo, no escuro, por baixo da folhagem, percebendo a luz por entre as folhas largas da vegetação.

ou quando faço a rua dos combatentes a pé e vejo aquela noite em que, em grupo, fomos ao cinema e uma rapariga, que nunca mais vi, fez um pequeno teatrinho nas escadas de uma das casas. tiveram de passar anos até encontrar, no teatro, quem brincasse assim com o espaço e com as situações. até eu própria brincar assim.

ou quando me sento numa esplanada da praça ou no café do teatro, e vejo crescer uma certa angústia que não sei explicar, não pelas memórias que tenho de lá mas também pelas que não tenho, pelo que não fiz, pelo convívio que perdi.

memórias de uma solidão inexplicável.

mas também uma solidão tantas vezes habitada pelos meus intensos pensamentos, pela capacidade que tinha então de me abandonar ao momento presente e ficar feliz apenas por sentir a brisa tocar-me a face ou por perceber o movimento da respiração.

uma solidão onde, de repente e sem pedir ou esperar, apareciam pessoas, que me levavam a fazer coisas, a conhecer outras pessoas, sítios, situações. e eu deixava-me simplesmente ir, ser.
apesar da minha timidez, introspecção e falta de espontaneidade, sempre muito calada, eu ia.

uma solidão que também criou em mim a necessidade de agir. e de repente, só por pensar e estar atenta, coisas aconteciam que me transportavam para outro lugar, outras necessidades, outros lados de mim.

perdi muito, muito, muito nesses anos. mas também ganhei muito, muito, muito.
não vivi o que "era esperado" em alguém da minha idade. vivi outras coisas, muito dentro de mim, mas também a olhar para fora.

(sempre a ir para fora e a mergulhar dentro, sempre neste movimento, como agora ainda.)

sinto, por vezes, que uma parte desse tempo foi como se estivesse numa reclusão religiosa.não fechada num convento, mas fechada dentro de mim a observar, a cuidar do meu jardim interno, a treinar o salto, a ganhar estrutura para o que vinha a seguir.

no fundo, estive a criar-me como sou agora.
e, com todos os defeitos, eu gosto do que sou agora.
não seria a mesma pessoa se não tivesse passado por essas experiências e não-experiências.

não é nada, nada fácil este confronto com memórias do que se podia ter feito e não se fez.
mas não se fez. não aconteceu.
sinto, como nunca senti, necessidade de me reconciliar com esse passado feito de ausências, solidão, e não-acção.

de o aceitar como parte da minha pele.
e de afastar de vez este nó na garganta.





2 comentários:

Anónimo disse...

eu cá tb curto como tu és agora (só precisavas de curtir uma musiquinha mais pesada e era menino para te namoriscar...:)))
bjs

natalie disse...

:)))
ninguém é perfeito!

bjs