quinta-feira, março 29, 2012

quarta-feira, março 28, 2012

gato

William Holman Hunt 
The Awakening Conscience

domingo, março 25, 2012

chuva

(...)
"Ela abriu a porta e ficou a olhar a chuva, súbita e grossa, que parecia uma cortina de aço. Apeteceu-lhe, de repente, correr à chuva. E, num abrir e fechar de olhos, despojou-se das meias, depois do vestido e das roupas interiores. Ele susteve a respiração. Os seios longos e bicudos, animalmente vivos, que vibravam e saltitavam com os  movimentos de Connie. A sua pele era cor de marfim, sob aquela luz esverdeada. Voltou a calçar os sapatos de borracha, lançou-se, com uma gargalhada louca, numa corrida por entre a chuva pesada erguendo os seios, abrindo os braços em movimentos rítmicos de dança que aprendera muitos anos antes em Dresden. Era uma figura estranhamento pálida, levantando-se, baixando-se, curvando-se. A chuva caía e brilhava nas suas ancas fortes, erguendo-se de novo e correndo com o ventre exposto à chuva, depois vergava-se de novo para que apenas o seu torso amplo e as suas nádegas fossem oferecidas ao homem numa espécie de homenagem, repetindo um preito selvagem.

Ele riu de um modo estranho e despiu-se. Era de mais! Com um leve tremor, desatou a correr exibindo a sua branca nudez na chuva que caía a bátegas e obliquamente. Flossie saltou à frente dele, soltando um latido de alegria. Connie, com o cabelo encharcado e colado à cabeça, voltou o rosto corado e viu-o. Os seus olhos azuis brilhavam de excitação ao mesmo tempo que se voltava e começou a correr depressa com um movimento invulgar pela clareira e pelo caminho abaixo, açoitada pelos ramos encharcados. Corria, mas ele não via mais do que a cabeça dela, encharcada, umas costas molhadas inclinadas para a frente, parecia que voava, e as nádegas roliças reluziam. Uma nudez feminina, receosa e bela, em fuga.

Estava quase a chegar à larga pista, para passeios a cavalo, quando ele conseguiu alcançá-la, colocando o seu braço nu em torno da cintura macia e molhada. Ela deu um grito, endireitou-se e a sua carne suave e macia esbarrou contra o corpo dele. Manteve então voluptuosamente todo colado a ele aquele corpo feminino, macio e frio, que ia aquecendo rapidamente, enquanto as mãos do homem o comprimiam. A chuva escorria pelos seus corpos, que fumegavam. Apertou com ambas as mãos o adorável e macio traseiro de Connie, contra si, com frenesim, tremendo, imóvel sob a chuva. Deitou-a num terreno a meio do atalho, no silêncio ruidoso da chuva, possuiu-a num abraço violento e rápido, num ápice, como um animal. Levantou-se quase imediatamente, limpando a chuva dos olhos.
-- Vamos para dentro -- disse.
Ele corria veloz, seguindo em direcção à cabana, não gostava da chuva. Ela avançava mais devagar, enquanto ia apanhando uma molhada de miosótis e campainhas, corria de vez em quando e ficava a vê-lo fugir dela. (...)"



D.H. Lawrence
O Amante de Lady Chatterley
Europa-América

quarta-feira, março 21, 2012

still

Masao Yamamoto

segunda-feira, março 19, 2012

acordar

The Awakening of Spring 
Carl Gutherz

sábado, março 17, 2012

"corpos palpáveis, vivos e limpos"

Gavin Brown




"deus tem de ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos."


Al Berto
Excerto de "notas para o diário"
Horto de Incêndio

sábado, março 10, 2012

Psyché a Eros

tanto tempo casta
tanto tempo apenas
admirada, nunca
amada, agora
presenças transparentes
me atendem
de dia impaciente
conto as horas
que impedem tua chegada

virás como sempre
trajando o manto
do homem invisível
de noite vens velar
o pranto previsível
promessas leves
que a dor é breve
preliminar do amor
que me atravessa

no reverso da lingual
que lambe a mão
e sorve o leite
surde o azeite
que queima o dorso
do corpo ocre
o atirador
rechaça a corda
do arco terso
a flecha
corta.


Margarida Vale de Gato
(poema musicado pela Naifa)

quinta-feira, março 08, 2012

o amor, às vezes

(clicar para aumentar)


"O amor, às vezes, parece ter vida própria, sair de nós e voar sem rumo."
M.A.

quarta-feira, março 07, 2012

domingo, março 04, 2012

de castelos e navios

Corto Maltese, Hugo Pratt




Uma amiga disse-me um dia que tinha ouvido uma frase que resumia as diferenças entre homens e mulheres desta maneira: "enquanto as mulheres sonham com castelos, os homens sonham com navios." 
Ou seja, o velho/novo estereótipo das "mulheres em casa e os homens na rua", só que dito de uma forma mais poética. 

O grande equívoco é sempre reduzir a complexidade do comportamento do ser humano a estas etiquetas.
Podia dizer-se que, hoje em dia, depois da "emancipação da mulher", as mulheres tanto sonham com castelos como com navios.
No entanto, acredito que desde sempre que há mulheres a sonhar com navios e homens a sonhar com castelos. As normas sociais, a política, a religião, a necessidade de conquistar território e poder, a relação entre território, poder político e linhagem (uma descendência pura exige uma mulher domesticada) castraram as verdadeiras vontades e sonhos dos homens e mulheres.
O que a "emancipação da mulher" pode ter feito é ter vindo a libertar as mulheres (e consequentemente os homens) de muitas destas etiquetas, criando condições para que ambos vivam o que sonham e querem e não o que a sociedade impõe, sejam esses sonhos com castelos, navios, ou os dois.

Homens e mulheres sonham e querem coisas diferentes em momentos diferentes das suas vidas. Cada um de nós tem, como os gatos,  7 vidas ou até mais, dependendo do que nos permitimos viver e experimentar. 

Quando era adolescente nunca o meu desejo foi "o castelo": pelo contrário, imaginava-me a correr o mundo, a viajar e conhecer pessoas diferentes, ser uma cidadã do mundo, com a mochila às costas, sempre a partir e a chegar de algum lugar, a acumular histórias e experiências de vida, com amigos em todo o lado e, porque não, um namorado em cada porto.
Nada disso aconteceu, não sou suficientemente "desenrascada" para partir sozinha por aí fora, mas o ímpeto existe ainda num lugar da minha alma e de certa forma dei asas a essa vontade com outros voos, com a imaginação, criatividade, com o sonho.
Por outro lado, apesar de ter um ponto fixo por razões de trabalho, nunca procurei muito pelo castelo, não tenho casa própria, os espaços arrendados onde habito vejo-os sempre como temporários, e só recentemente comecei a dar à minha actual casa um pouco mais de atenção, a torná-la mais "minha".

Partindo do "castelo" e do "navio" como metáforas para partir ou ficar, concluo que, se por um lado parece que fico, por outro lado estou sempre a partir, a experimentar coisas novas, a colocar-me desafios.
Se calhar, castelos e navios não têm de ser antagonistas, nem a escolha de um implica a perda definitiva do outro. Há momentos em que partimos, e deixamos para trás coisas, pessoas, situações, partes de nós que se descolam como a pele de uma cobra, porque é de partir que necessitamos, para crescer, nos transformarmos. Outros momentos exigem recolhimento, casa e lareira, tranquilidade e espera.

Claro que, o que a frase quer dizer, no fundo, é que, homens e mulheres sonham coisas opostas, e por isso dificilmente se entenderão.
O grande desafio, neste caso, é encontrar esse entendimento, as pontes entre os castelos e os navios.
Entendimento que, de facto, pode ser difícil de realizar porque exige um intenso, completo e mútuo mergulho no universo do outro. Um mergulho que exige coragem. Um verdadeiro salto de fé.
Com sorte, muita sorte, há quem sonhe as mesmas coisas ao mesmo tempo, quem arrisque o mergulho na escuridão e luz do outro, e transforme a sua vida num "castelo-navio" sempre em movimento, em permanente transformação.