terça-feira, outubro 31, 2006

chega de saudade






A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.

A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.

O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.

Vinicius de Moraes


não sei com que idade conheci vinicius, mas era ainda uma garota (não a de ipanema, infelizmente!), que ouvia vezes sem conta "o dia da criação" (que o meu pai ouviu ao vivo numa república em coimbra) e sempre ficava deslumbrada e intrigada com o mistério na voz do poeta.
vi no cinema o documentário sobre vinicius e foi impossível não me comover. com a vida intensa, a procura incessante da paixão, as mulheres (os homens bonitos que me perdoem, mas poesia é fundamental! como resistir a vinicius, mesmo velho e alcoólico?), a generosidade, a partilha, a criação, a presença.

preciso aprender com vinicius a não recusar a vida, a emoção, o amor, a dádiva.




http://www.viniciusdemoraes.com.br

sábado, outubro 28, 2006

journey into ourselves




http://www.dankphotos.com/whirling/



dançar como os dervishes foi só uma das coisas que experimentei nos últimos 3 dias de "into the moment: a journey into ourselves", o workshop que Gil Alon nos ofereceu.
demasiado intenso para descrever.

segunda-feira, outubro 23, 2006

taça


















há um mês, última manhã em barcelona, regresso à sagrada família.
chovia (afinal sempre valeu a pena ter levado um impermeável)
e um "paquistanês" anunciava "para aguas" à entrada do metro.

como na primeira manhã
circulei à volta do templo.
mas desta vez não entrei, nem subi à cúpula da catedral.

antes,
encostei-me a uma parede e fiquei ali, só a olhar,
a chuva miudinha a molhar-me a face.
e agradeci.

porque (re)aprendi a receber,
e a abrir-me
como uma taça vazia
que tudo recebe e tudo dá.

domingo, outubro 22, 2006

iris



procurava hermes*
encontrei iris

iris

a deusa do arco-iris, mensageira dos deuses do Olímpo, descrita também como mensageira pessoal da deusa Hera.
filha de Thaumas e de Elektra, sendo a personificação do arco-iris, representa a união entre o céu e a terra.
no mito aparece como uma mensageira errante e é normalmente descrita como uma deusa virgem.
o seu nome tem um duplo significado, podendo ser derivado de iris, o arco-iris, e eiris, a mensageira.


* hermes: deus dos pastores, cavalos, animais selvagens, dos viajantes, comércio, dos ladrões, dos eloquentes e desportistas; guiava as almas dos heróis ao Hades; usa um capacete com asas, calça sandálias aladas e traz na mão seu principal símbolo, o caduceu.


http://www.theoi.com/Pontios/Iris.html

http://www.loggia.com/myth/iris.html

quinta-feira, outubro 19, 2006

peter pan




















"Fomos ver o Peter Pan e os miudos ficaram super contentes. O Y. (2 anos) sonha com as fadas e com a possibilidade de voar, o crocodilo que come o capitão gancho e as lutas com espadas...
A I. (5 anos) não pára de dizer que as fadas existem e que é preciso acreditar, se assim não for a luz da sininho apaga-se... "


L.


também quero sonhar com as fadas
ter pensamentos felizes
e voar, voar, voar!

sim, é preciso acreditar! não deixar nunca que a luz se apague
e deixar que o sonho aconteça, aqui e agora!

terça-feira, outubro 17, 2006

se me pedirem...

Se me pedirem ponho-me de quatro
em duas, em uma
abano a cauda
dou voltas
faço de morta
salto por uma bolacha
lambo-te os pés.

Derreto-me toda quando me fazem festas na barriga.

Sou a cadela mais cadela
que jamais alguém abandonou.



Miriam Reys
Bela Adormecida

segunda-feira, outubro 16, 2006

reminiscências (2)

"Subimos o caminho da montanha em silêncio. Apenas o som dos pés na folhagem, os ramos que cortámos, alguns pássaros. A casa ficava escondida entre árvores e penedos. Eu seguia à frente, abrindo um caminho tantas vezes percorrido por nós, num outro tempo. Abri a porta de madeira velha e um corvo fugiu por uma pequena janela ao sentir luz e movimento. Estava tudo como ela havia deixado. Olhámos, imóveis, sem capacidade para entrar e alterar o cenário com a nossa presença. Foi ele quem finalmente deu o primeiro passo. Ela ainda vivia ali, podíamos sentir o seu cheiro, e vê-la-iamos surgir a qualquer momento, com as suas ervas no avental; lançar-nos-ia o seu olhar astuto e juntando as nossas mãos nas dela, diria, como nos disse tantas vezes, "meus filhos, que pode esta velha fazer por vós?"

domingo, outubro 15, 2006

suzanne






Suzanne takes you down to her place near the river.
You can hear the boats go by,
You can spend the night beside her.
And you know she's half crazy,
But that's why you want to be there.
And she feeds you tea and oranges that come all the way fromChina.
And just when you mean to tell her that you have no love to giveher,
Then she gets you on her wavelength
And she lets the river answer
That you've always been her lover.

And you want to travel with her,
And you want to travel blind,
And you know she will trust you,
For you've touched her perfect body with your mind.

Now Jesus was a sailor, when he walked opon the water
And he spent a long time watching from his lonely wooden tower.
And when he knew for certain, only drownding men could see him,
He said: "All men shall be sailors then, until the sea shall freethem."
But he himself was broken
Long before the skys would open,
Foresaken, almost human,
He sank beneath your wisdom, like a stone

And you want to travel with him
And you want to travel blind
And you think maybe you'll trust him
For he's touched your perfect body with his mind.

Now Suzanne takes your hand and she leads you to the river.
She's wearing rags and feathers from Salvation Army counters.
And the sun pours down like honey on our Lady of the Harbor.
And she shows you where to look, among the garbage and theflowers.
There are heros in the seaweed,
There are children in the morning,
They are leaning out for love,
They will lean that way forever,
While Suzanne holds the mirror.

And you want to travel with her,
And you want to travel blind,
And you know you can trust her
For she's touched your perfect body with her mind.

leonard cohen

quinta-feira, outubro 12, 2006

impossíveis

limitada no acesso à internet nos últimos dias, tempo só para vir aqui dizer isto:




é provável que o impossível aconteça.


(Sócrates?)


para que todas as "gaivotas" possam voar e cumprir todos os sonhos, possíveis e impossíveis!

terça-feira, outubro 10, 2006

contos de fadas



de todos os contos de fadas que li em criança
a pequena sereia era o mais doloroso.
creio que só o li uma vez.
e mesmo agora, adulta, quando o revisitei, foi com esforço que cheguei ao fim.

doía-me a alma saber da (inocente) ingratidão do príncipe,
que não pôde reconhecer a sua salvadora e a confundiu com outra,
que ignorava os esforços que a muda sereia fazia para comunicar,
através das suas danças e gestos,
e que desconhecia os tormentos das facas afiadas espetadas nos pés da sereia que quis ser mulher por amor a um homem.

em criança gostaria de ter dado à pequena sereia um outro final feliz.

não me consolava saber que depois de se desfazer em espuma,
impedida de voltar à sua origem marinha,
seria companheira do vento, irmã dos seres mágicos do ar…

mas a sereiazinha vence os instintos de vingança que a bruxa lhe instiga
e deixa o seu príncipe ir ser feliz com a outra princesa.

é esta atitude de desprendimento em relação ao ser amado
que evita o seu fim absoluto na espuma
e lhe dá as asas para voar ao encontro de si mesma.

(um corpo sacrificial que alcança a redenção?)

continuo a gostar de finais felizes.
e reconheço hoje na pequena sereia, o final feliz possível.
afinal, o único que nos interessa?

(final corrigido graças à gaivota)

(imagem: Paula Rego, A Pequena Sereia)

domingo, outubro 08, 2006

passagem das horas

Trago dentro do meu coração
como num cofre que se não pode fechar de cheio,
todos os lugares onde estive,
todos os portos a que cheguei,
todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
ou de tombadilhos, sonhando.
e tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

(...)

Não sei se a vida é pouco ou de mais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
se me falta escrúpulo espiritual, ponto de apoio na inteligência,
consanguinidade com o mistério das coisas, choque
aos contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
ou se há outra significação para isto mais cómoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
a vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger
a dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
e ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
e tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ò vida.

(...)

Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
(...)

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
e fiquei triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda a gente,
mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
e para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o espasmo.

(...)

Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
de dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra,
não sei ser útil mesmo sentindo, ser prático, ser quotidiano, nítido,
ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
uma razão para descansar, uma necessidade para me distrair,
uma coisa vinda directamente da natureza para mim.

(...)

Multipliquei-me, para me sentir
Para me sentir precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
despi-me, entreguei-me,
e há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
(...)

Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
todos os desprezados enconstaram-se um momento ao meu ombro,
atravessaram a rua, ao meu braço, todos os velhos e doentes,
e houve um segredo que me disseram todos os assassinos.
(...)

Viro todos os dias todas as esquinas de todas as ruas,
e sempre que estou pensando numa coisa, estou pensando noutra.
Não me subordino senão por atavismo,
E há sempre razões para emigrar para quem não está de cama.
(...)

Fui educado pela Imaginação,
viajei pela mão dela sempre,
amei, odiei, falei, pensei sempre por isso,
e todos os dias têm essa janela por diante,
e todas as horas parecem minhas dessa maneira.



Excertos de "A Passagem das Horas", Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

fado

dois fados

amália, a diva




mariza, a aprendiz

quinta-feira, outubro 05, 2006

banda sonora

da noite de ontem:


quarta-feira, outubro 04, 2006

what is the word

Samuel Beckett

for Joe Chaikin




folly -
folly for to -
for to -
what is the word -
folly from this -
all this -
folly from all this -
given -
folly given all this -
seeing -
folly seeing all this -
this -
what is the word -
this this -
this this here -
all this this here -
folly given all this -
seeing -
folly seeing all this this here -
for to -
what is the word -
see -
glimpse -
seem to glimpse -
need to seem to glimpse -
folly for to need to seem to glimpse -
what -
what is the word -
and where -
folly for to need to seem to glimpse what where -
where -
what is the word -
there -
over there -
away over there -
afar -
afar away over there -
afaint -
afaint afar away over there what -
what -
what is the word -
seeing all this -
all this this -
all this this here -
folly for to see what -
glimpse -
seem to glimpse -
need to seem to glimpse -
afaint afar away over there what -
folly for to need to seem to glimpse afaint afar away over there what -
what -
what is the word -


what is the word



[from: Grand Street, Vol. 9, No. 2, Winter 1990, pp.17-18, N.Y., ISSN 0734-5496]

http://www.samuel-beckett.net/whatistheword.html



P.S. porque nos últimos dias os meus pensamentos se parecem com um texto de beckett

segunda-feira, outubro 02, 2006

jobim

depois de várias tentativas

primeiro para encontrar o vídeo
(há muito que queria pôr aqui esta música!)

depois para colocar o vídeo online
(impossível: fico com o blog desconfigurado!)

resta-me deixar o link para irem lá ver
e a letra, para apreciar!



http://www.ifilm.com/ifilmdetail/2750898?refsite=7063&ns=1




Eu Não Existo Sem Você


Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Qua nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor
Só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

Assim como o oceano
Só é belo com luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem
Só acontece se chover
Assim como o poeta
Só é grande se sofrer
Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você


by Antonio Carlos Jobim / Vinicius de Moraes