sábado, maio 26, 2012

InterRail



Cartier Bresson


"A realidade é absurda, e mais rápida que a própria sombra.

 Duas pessoas de olhos fechados e mãos em movimento desencadeiam cem milhões de imagens em cada cabeça. Eu a morder-te a boca, o queixo, o pescoço, a puxar-te o cabelo e a barba, a camisa, vejo as silhuetas do tipo-atlético e do tipo-magro, e depois o tipo-gordo que era o meu fantasma, a compota ao lume na cozinha da minha avó, o comboio do primeiro InterRail, os olhos do então namorado, a cor da fórmica há pouco, e só passaram cinco segundos. E tu, com a língua dentro da minha boca, com as mãos nas minhas nádegas, andas onde? Depois do pânico, da ansiedade, da paralisia, fechamos os olhos num beijo como se mergulhássemos, e o filme que isso é quando é. A arqueologia. Saímos outros.

 Então abrimos os olhos e só passaram dois minutos. Ainda seremos outros ou voltámos a nós?"


Alexandra Lucas Coelho
"e a noite roda"
Tinta da China

segunda-feira, maio 21, 2012

sábado, maio 19, 2012

jardim constantino

Jardim Constantino, Lisboa




E de repente, ao tomar uma cerveja no quiosque do Jardim Constantino em Lisboa, lembrei-me da "minha" Barcelona, e de um jardim parecido onde tomámos "cañas".
Lembrei-me que, em 2010, Barcelona me fez lembrar Lisboa: as andorinhas, as varandas floridas, o manjerico na mesa da sala, os barcos (o Mediterrâneo não é o Tejo, mas todas as cidades portuárias se parecem) e até uma certa nostalgia nas pessoas que conheci.
E agora, em Lisboa, regressa uma parte dessa Barcelona, neste fim de tarde ameno no jardim, os velhos na conversa, um grupo de jovens músicos a descansar, um grupo de imigrantes numa mesa, um transsexual brasileiro, um ou dois sem abrigo a deambular, os carros sempre a passar.
Depois, as mercearias abertas até tarde, com os expositores de frutas na rua, e incenso a perfumar o início de noite; empregados de café em conversa com clientes, uma loja com uma mulher a passar a ferro; na rua casais de velhotes, rapazes a passear os cães, adolescentes a comer gelados, empregados de loja atentos.
As mesmas árvores e a mesma estranha calma. Aliás, Lisboa pareceu-me, desta vez, estranhamente calma e as pessoas estranhamente delicadas.
Em muitas das pessoas com quem cruzei o olhar, ou que vi de passagem, senti algo de pungente, de trágico e ao mesmo tempo belo.
Como se se tornasse visível a imensa teia onde estamos todos entrelaçados, e os impossíveis equilíbrios que temos de experimentar para nos mantermos à tona num mundo que se afunda.
Apeteceu-me conhece-las, ou pelo menos conseguir fotografá-las naquele preciso instante em que toda a sua história se revela num olhar, num movimento, num gesto, num pensamento perceptível apenas aos mais atentos.


sexta-feira, maio 11, 2012

esperar

Ralph Gibson



(num espectáculo de teatro que vi recentemente, uma personagem grávida reclamava uma indemnização no tribunal e o juiz dizia-lhe qualquer coisa assim: "está com esperanças? mantenha-as." 

pois. 
à minha volta vejo quase toda a gente a perder a esperança.  
nas pessoas, no amor, no trabalho, no país, em si próprios.
eu, famosa pelo meu pessimismo crónico, tento não me contagiar por este ambiente geral.
é difícil. e confesso alguma desmotivação e cansaço.
mas respiro fundo e espero o melhor.

hoje recebi a visita de uma amiga grávida, e deve ter sido a pessoa mais feliz  e esperançosa que vi ultimamente.
dei por mim a pensar que para manter a esperança é preciso estar prenhe. 
metaforicamente prenhe:  de vida, de ideias, de vontades.
estar prenhe é acreditar que algo melhor vai nascer e que nós, não só vamos fazer parte desse futuro, como somos nós que o criamos e empurramos para a vida.

viver é criar.
é preciso criar para manter a vida.
mesmo que seja a partir do nada, do vazio, da espera.

a ânsia de criar, de agir, tem criado em mim alguma ansiedade e impaciência.
mas há momentos assim, de espera, incubação.

é preciso paciência.
a lagarta será borboleta quando o for.

talvez seja este um tempo de "não-acção", uma espécie de espera activa
tempo de abrir perspectivas, olhar para dentro e para o vazio, acreditar que, apesar de não parecer, há uma imensidão de possibilidades, de cenários, de acções, de vidas por viver.

é difícil.
mas respiro fundo e espero o melhor.)








quarta-feira, maio 09, 2012

quarta-feira, maio 02, 2012

noite


Ernst Haas