«Não me beijes por engano não me causes maior dano do que aquele que causaste no dia em que aproximaste os teus lábios do meu peito e num momento perfeito de paz e de assombração tocaste o meu coração»
Sérgio Godinho
(ontem encontrei este coração com borboletas do damian hirst, ainda não o tinha visto inteiro e sem pessoas à frente. é se calhar um bocadinho exagerado, a cor real deve ser mais viva que a da imagem, e chateia-me que ele use borboletas verdadeiras, mas pareceu-me ir bem com os versos do Sérgio Godinho. obrigada! )
Um dia um colega de faculdade atirou “querem ter aulas de inglês no departamento de física?” eu e a Paula em coro “no departamento de física?”, “de graça”, disse ele. Fomos. Depois da última aula da manhã lá íamos nós a correr para o departamento de física, subíamos três lances de escadas e avançávamos por um longo corredor onde porta sim, porta não, havia um símbolo do nuclear. As aulas alternavam entre a conversação, exercícios de gramática e a repetição de frases tipo “milk, butter and cheese are delivered here from the dairy farms”, o que chegava a ser hilariante! Quase todos os alunos tinham muitas dificuldades com o idioma que precisavam saber para ler os manuais. Lembro-me de uma mulher mais velha, não sei se era aluna ou professora de uma engenharia qualquer, nós éramos os únicos "extra-terrestres" de direito, que numa aula de conversação revelou ter ido à China sem falar uma única palavra de inglês. Para mim e para a Paula, o nosso outro colega entretanto desistiu, aquilo era mais divertido que didáctico. Numa dessas aulas em que se conversava fomos parar à literatura. Só eu, a Paula e um outro rapaz, um pouco mais velho do que nós, por quem tive uma “identificação à primeira vista”, e que, por isso, se tornou na principal razão para me manter alguns meses a correr para o departamento de física, é que líamos romances, os outros só manuais técnicos. A atenção acabou, naturalmente, por se centrar em nós, não só porque líamos livros, mas também porque sabíamos inglês suficiente para aguentar uma conversa. Eu tinha acabado de ler “O amor nos tempos da Cólera” do García Marquez, e tinha lido Jorge Amado, Milan Kundera, Lobo Antunes, e outros que agora não me lembro, o que, creio, agradou ao professor perante uma sala onde poucos tinham o gosto pela leitura. No fim da aula o professor, um homem baixo, de barbas, que devia andar nos 50 e tal anos, disse que me ia dar uma coisa. O tal rapaz revelou-nos “é um livro”, sorriu, “ele é escritor”. “Ai, é?”, eu e a Paula surpreendidas. Lá fui com o professor até uma outra sala, num outro andar, e com alguns longos corredores pelo meio, sempre com símbolos do nuclear em algumas portas, onde de uma caixa cheia ele tirou um livro, escreveu uma dedicatória simples, e deu-mo. Ainda frequentei as aulas durante algum tempo, mesmo depois da Paula ter desistido, não tanto para melhorar o inglês, mas na esperança de falar com o tal rapaz. Quem sabe, talvez surgisse a oportunidade de almoçarmos juntos na cantina, ou combinarmos um café, embora eu, na ocasião, fosse tão tímida que jamais tomaria a iniciativa de propor qualquer uma destas coisas a alguém de quem gostasse. Entretanto, também ele deixou de aparecer. Eu comecei a rarear as idas ao inglês, nunca fui de desistir das coisas à primeira, até que resolvi passar a ir almoçar mais cedo com a Paula, não sem continuar, durante algum tempo, a espreitar para o departamento de física sempre que por lá passava.
Quem já passou por essa vida e não viveu pode ser mais, mas sabe menos do que eu Porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu Quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não Não há mal pior do que a descrença, mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair, pra que somar se a gente pode dividir Eu francamente já não quero nem saber de quem não vai porque tem medo de sofrer Ai de quem não rasga o coração esse não vai ter perdão Quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não...
My name is luka I live on the second floor I live upstairs from you Yes I think youve seen me before If you hear something late at night Some kind of trouble. some kind of fight Just dont ask me what it was Just dont ask me what it was Just dont ask me what it was I think its because Im clumsy I try not to talk too loud Maybe its because Im crazy I try not to act too proud They only hit until you cry And after that you dont ask why You just dont argue anymore You just dont argue anymore You just dont argue anymore
Yes I think Im okay I walked into the door again Well, if you ask thats what Ill say And its not your business anyway I guess Id like to be alone With nothing broken, nothing thrown Just dont ask me how I am Just dont ask me how I am Just dont ask me how I am
já houve um tempo em que me lembrava dos sonhos quase todos os dias, eram sempre estranhos, fantásticos, cheios de detalhes impressionantes. de tal forma a minha avó materna se divertia tanto ao ouvi-los que me dizia "escreve-os, para não te esqueceres"!
a noite passada tive um desses sonhos estranhos e cheios de detalhes. passava-se numa sala ampla e vazia, uma espécie de ginásio, onde se encontravam outras pessoas a dormir no chão. eu também estava a dormir e durante o sono comecei a falar, devia ser um pesadelo, e acordei com o som da minha voz. lembro-me de ter olhado em volta e ver um grupo grande de pessoas adormecidas e também de me ter perguntado sobre que palavras teria dito enquanto dormia, se seria algo importante.
entretanto, voltei a enroscar-me no chão e tentei adormecer. nesse momento, um rapaz que estava deitado perto do meu lugar na sala, levantou-se, sonâmbulo, e pegou em mim ao colo. lembro-me de o ver de olhos fechados, comigo nos braços, eu agarrada ao seu pescoço para não cair, sem saber o que ele ia fazer, cheia de cuidado para que ele não acordasse, pois sabe-se que não se deve acordar os sonâmbulos. o rapaz, que era leve e ágil como um bailarino ou como um anjo, com um sorriso sereno e um andar seguro, levou-me para o outro lado da sala.
tenho presente a sensação física de ter sido transportada ao colo, de o ver de olhos fechados a passar pelos espaços entre os corpos das pessoas que dormiam no meio da sala, e da sensação de serenidade e leveza do rapaz.
ele pousou-me com todo o cuidado no chão e regressou ao seu lugar onde se deitou e continuou a dormir. eu fiquei sentada no chão ao lado de um homem com um sono pesado mas agitado, que apesar de estar a dormir parecia muito cansado, ou melhor, ocupado, como quem está embrenhado em resolver um daqueles problemas matemáticos muito complexos, ou a tentar perceber como se consegue concertar um mecanismo que se estragou.
fiquei a olhar para ele, como se conseguisse ver a confusão dos seus pensamentos, pareceu-me perturbado, pensei no que aconteceria quando ele acordasse e me visse ali, como reagiria, e cheguei a ter algum receio pois foi isso que me trouxe à realidade quando acordei com a luz da manhã.
Manda-me uma carta em correio azul p'ra afastar estas cinco nuvens negras relembra-me as regras do saber viver repõe-me o sentido nos sentidos olfactos ouvidos à vista de tactos do teu paladar
Manda-me uma carta em correio azul p'ra afastar esses blues de pacotilha renega e perfilha respectivamente a torpe indiferença e o amor ardente amor tão ardente que dos erros meus má fortuna se ausente
Erros meus, má fortuna, amor ardente qual em nós mais frequente qual em nós mais frequente amor ardente cada vez mais frequente
Manda-me uma carta em correio azul que me deixe a face roburizada promete-me a noite fatigada de termos aberto o nosso nexo ao sexo da vida porção destemida da nossa emoção
Erros meus, má fortuna, amor ardente qual em nós mais frequente qual em nós mais frequente amor ardente cada vez mais frequente
Manda-me uma carta em correio azul que branqueie o passado num momento paixão, é no corpo o sentimento que faz da razão montanha russa aguça o encanto mas no entretanto faz estragos mil
Erros meus, má fortuna, amor ardente qual em nós mais frequente qual em nós mais frequente amor ardente cada vez mais frequente
Manda-me uma carta em correio azul para eu guardar no castanho dos armários no meio de testemunhos vários escritos por letras tão distantes murmúrios amantes que a vida me oferece só por muito amar
Erros meus, má fortuna, amor ardente qual em nós mais frequente qual em nós mais frequente amor ardente cada vez mais frequente
"Quando saímos, se está a nevar e tudo se pôs branco, ficamos sós, sentimo-nos sós. Se o sol estiver a brilhar, talvez não. Mas nada garante que aquilo que o outro sente seja equivalente ao que nós próprios sentimos. Quanto à mensagem, não sei... Não há mensagem. A melhor coisa é deixar a intuição e a imaginação agirem. É verdade que eu quero dizer com força qualquer coisa difícil de formular, qualquer coisa de escondido; mas são os espectadores que têm de descobrir, senão tudo seria tosco e grosseiro; são vocês que têm de o descobrir, eu não posso proceder demasiado directamente. Frente a certos valores, é preciso, acima de tudo, sensibilidade."
Pina Bausch
"Se quisermos falar daquilo que o trabalho de Pina Bausch nos comunica, deparamos obrigatoriamente, num primeiro tempo, com o conceito de angústia. A angústia, que podemos considerar um dos principais problemas da nossa época, é um dos topoi mais importantes da obra de Pina Bausch. Trata-se da sua angústia pessoal, e da angústia dos seus personagens, de uma angústia que paralisa ou desencadeia a agressividade, da angústia de quem se descobre e continua a estar completamente nu, sem defesa, exposto às reacções de um parceiro no qual é impossível confiarmos uma vez que ele, igualmente dominado pela angústia, poderá ferir-nos. O desejo intenso de sermos amados esbarra nesta angústia: é desta contradição que nascem os conflitos, mas também a inflexão cómica que parece crescer à medida que a coreografa ganha distância em relação às suas própiras frustrações e obsessões, os seus complexos e os seus sonhos,(...)
(...) Assitimos, então, ao nascimento de um novo tipo de espectáculo; este será, como uma revista, composto de colagens, de imagens que se esbatem como num sonho e de muitas histórias paralelas estruturadas segundo o princípio do conflito estético entre a tensão e o repouso, o forte e o fraco, o claro e o obscuro, o grande e o pequeno, o triste e o alegre. (...) (Pina Bausch) Não quer ver-se, seja de que maneira for, identificada com o movimento feminista, com o teatro feminista. Compromete-se com a emancipação dos seres humanos e não, em especial, com a da mulher. (...) Em seu entender, só é concebível um progresso na condição de os homens e as mulheres se mostrarem capazes de resolver juntos os problemas que resultam das suas relações sociais de dependência recíproca e decorrentes das imposições ditadas pelas convenções e pela vida. De resto, Pina Bausch considera que a emancipação poderá ser mais difícil para os homens, uma vez que aquilo que deles se espera, em termos de papeis sociais, é muito mais pesado." (...)
Jochen Schmidt, "Da Modern dance ao Tanztheater" "Pina Bausch, Falem-me de amor", Ed. Fenda