segunda-feira, junho 13, 2011

um pontinho

Enquanto ele falava ela olhava para um pontinho qualquer no espaço, atrás dele, dando a impressão que o olhava e escutava. Uma janela aberta, a esquina de uma telha, uma pessoa que passava, o brilho do sol nas folhas das árvores. De vez em quando olhava para ele e sorria, assentia com a cabeça, dizia "pois", "hum-hum", ria quando ele ria, ficava séria quando ele ficava sério. Por instantes tinha medo de ser apanhada na sua distracção e olhava para alguma coisa no corpo dele, um botão da camisa, a orelha esquerda, o pequeno corte que ficara na face depois de ter feito a barba. Olhou para os sapatos e imaginou os pés dele dentro do couro castanho, da meia de algodão do Egipto. Imaginou as unhas dele lá dentro e teve de evitar uma expressão de nojo. Quando é que tinha começado a ter nojo das unhas dos pés dele? Ou melhor, como é que tinha superado esse nojo, que agora voltava, para lhe lembrar qualquer coisa esquecida?

O brilho da aliança na mão dele chamou-lhe o olhar e, instantaneamente, tocou na sua própria aliança com o polegar, como se confirmasse "sim, está aqui." Olhou para ele e procurou de novo um ponto atrás, um escape, mas pressentiu o perigo de uma pergunta. Levantou-se, disse "desculpa, tenho de ir à casa de banho" e saiu.

Ele olhou para o relógio, tocou-lhe e sentiu o frio do metal. Bebeu mais um gole de uma bebida qualquer, encostou-se para trás. Viu-a passar entre as mesas da esplanada, tinha um vestido verde, justo e alguns homens olharam para ela. Estava bonita.
Houve uma noite, na montanha, a lua cheia, um sino ao longe, um cigarro partilhado, os barulhos da festa e o silêncio entre os dois. Ele disse-lhe "estás tão bonita", ela fingiu não ouvir, sorriu, disse-lhe "vamos dançar".
Há quanto tempo não lhe dizia que estava bonita? Há quanto tempo não iam dançar?

"Vamos?" disse ela, quando voltou da casa de banho. Ele levantou-se, acabou a bebida e pagou.

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