sábado, junho 13, 2009

um coração desassossegado

"Foi numa tarde de Maio, morosa e melacólica, que a cunhada de repente lhe apareceu no Tapado.
- Andas contra o míldio?
- Tem de ser.
Houve um silêncio curto.
- As batatas estão bonitas!
- Assim, assim.
Outra pausa.
- Merendaste?
- Merendei.
- Trazia-te aqui uma pinga...
Desconfiado, fitou-a demoradamente.
- Que estás a olhar?
- Nem sei...
- Olha, olha, a ver se descobres!... Vão sendo horas...
Com a mão crispada na alavanca do pulverizador, o Daniel continuava a observá-la.
- Será possível?! - perguntou por fim.
- E então? Era alguma coisa do outro mundo?
Desabrido, atirou-lhe o nojo à cara:
- Não estás farta, mulher?
- Não.
- Pois bates a má porta. Já não te posso valer.
Duas lágrimas começaram a cair pela cara dela abaixo.
-Não é o que tu cuidas que me falta. Estou velha, também. O tempo dessas alegrias já passou.
- Então não te entendo...
- É o meu coração que não se cala. É ele que sempre gostou de ti e te queria..."




Miguel Torga, Contos da Montanha

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