quinta-feira, fevereiro 23, 2006

confidência

Estava a acabar o jantar no Macdonalds, pronta para molhar o último nugget no molho de caril, quando vejo entrar uma cara que me pareceu conhecida.
Não identifiquei logo, podia ser qualquer pessoa, daquelas que vemos tantas vezes na rua, nas lojas ou nos serviços, no trabalho, em todos os sítios que frequentamos, e depois, fora do contexto, não sabemos muito bem que grau de intimidade temos com elas... (já dei por mim a cumprimentar pessoas que só conhecia de vista das cantinas da universidade, ou dos correios).

Minutos depois, veio ter comigo, cumprimentou-me e dois segundos depois reconheci-a, embora tenha demorado mais 4 ou 5 segundos para me lembrar do seu nome. Afinal era uma utente que já não via há cerca de um ano. Sentou-se à minha frente, contou-me como a sua vida tinha estabilizado, apesar das dificuldades que todos sentimos, (a falta de dinheiro, a família, um bairro problemático, um filho adolescente, a solidão).
Admirei-a, pela coragem, paciência, determinação.
Quando perguntou por mim, apeteceu-me quebrar as regras (já tinham sido quebradas com a conversa informal num local informal) e dizer-lhe, em vez do "está tudo bem, obrigada", que me sentia cansada, que tive um acidente e perdi temporariamente o meu carro, que estou desmotivada com o trabalho e todos os dias faço um esforço para ouvir o que outras mulheres como ela têm para me dizer, e que se todas tivessem a coragem e determinação dela, tudo seria muito mais fácil, e sim, que compreendo a solidão que sente, porque duma forma ou doutra, andamos todos sozinhos por aqui, sem tempo nem espaço para nos revelarmos inteiros a quem entra nas nossas vidas.
Despedimo-nos, desejamos mutuamente felicidades, e um dia, eu sei, voltaremos a encontrarmo-nos, a trocar palavras sobre a vida dela, e nenhumas sobre a minha, porque é assim que tem de ser.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet.

But I, being poor, have only my dreams.
I have spread my dreams under your feet,
Tread softly because you tread on my dreams."

W.B.Yeats

As melhores vidas são as que se inventam...

Um beijo,
Artur

natalie disse...

o poema é tão bonito que vou "postá-lo"! obrigada!
tenhamos sempre coragem para (re)inventar a vida!

Beijos muitos,
Baby