quarta-feira, maio 08, 2013

A confirmação do "eu"

(...)

 2. Talvez seja verdade que não existimos enquanto não houver quem veja que nós existimos, que não falamos enquanto não houver quem ouça o que estamos a dizer, no fundo, que não estamos completamente vivos enquanto não formos amados.

 3. O que significa "o homem é um ser social"? Apenas que os seres humanos precisam uns dos outros para se definir e conhecer a si próprios, ao contrário dos moluscos ou das minhocas. Não podemos ter uma noção correcta de nós próprios se não existirem outros para nos mostrarem onde nós acabamos e eles principiam. "Um homem pode alcançar tudo na solidão, excepto um carácter", escreveu Stendhal, sugerindo que o carácter tem a sua génese nas reacções dos outros a nós próprios. Como o "eu" não é uma estrutura integrada, a sua fluidez requer os contornos fornecidos pelos outros. Preciso de um outro para me ajudar a carregar com a minha história, alguém que me conheça tão bem como eu me conheço a mim próprio, ou melhor ainda.

 4. Sem amor, perdemos a capacidade de possuir uma identidade própria; com amor, há uma confirmação permanente do eu. Não admira que o olhar de Deus seja tão importante na religião: sermos vistos significa que a existência é reconhecida, e tanto melhor se o observador for Deus ou alguém que nos ama. A nossa presença é legitimada aos olhos de outro ser que para nós é ( e para quem nós somos) o mundo. Cercados por pessoas que não se lembram bem de nós, pessoas a quem contámos as nossas histórias vezes sem fim, e no entanto, nunca sabem se somos casados, quantos filhos temos, e se o nosso nome é Brad ou Bill, Catrina ou Catherine (e nós também não nos lembramos do delas), não é reconfortante saber que podemos refugiar-nos da nossa esquizofrenia nos braços de alguém que tem a nossa identidade bem presente? (...)"



 Alain de Botton, Ensaios sobre o Amor

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