quinta-feira, junho 29, 2006

vindimas 2005

O mosto, um cheiro que se impregna a tudo.
As mãos sujas, os cachos gordos de sumo, os baldes ora cheios ora vazios, num permanente vai e vem, as conversas, cantigas e brincadeiras.

O calor. A terra tão perto do corpo todo. A terra no corpo todo. A tesoura já é parte da mão. O peso do balde já é parte do meu braço.

O cansaço. Os joelhos, as costas, as pernas, os braços, todo o corpo em acção, movimento, todos os músculos a doer.
Descansar é só abandonar o corpo na terra, numa sombra que se ofereça.

Comer. Compensar o corpo do esforço. Carne, batatas, sopa, feijão, vinho.
A comida numa tigela, a sofreguidão a vencer as regras de boa educação.

O gesto repetido. Cortar, cortar, cortar. Despejar o balde. Começar de novo a cortar.

A conversa repetida, a pequena brincadeira que se repete até ao nojo; o uso de pequenos poderes sobre os imbecis; a pequena intriga, os duplos sentidos.

O trabalho físico e o intelectual.

A colheita. O ar que se renova, a terra que se renova.
Um novelo que se enrola e desenrola, uma malha que se faz e desfaz.
No céu as nuvens passam, o sol a todos aquece, a chuva a todos molha.
Uma voz.
Uma presença, o abraço da natureza.
A presença que se faz promessa.
Na próxima colheita.

2 comentários:

Anónimo disse...

falta a tal explicação sobre o míldio...:-)... um pouco de conversa sobre um fungozinho e (como falámos) a "coisa" muda e ganha nova forma...:-)

muito fixe!

beijo

natalie disse...

como te disse, este tipo de escrita é uma coisa que me acontece, e não algo que eu programo! nunca teria escrito isto, se não tivesse passado dois dias nas vindimas a "trabalhar"; a escrita veio depois, naturalmente. nem sempre isto acontece. e claro, quando fui para as vindimas não o fiz com o objectivo de escrever, mas de participar na experiência do trabalho físico.

nunca o míldio, os fungos, ou os problemas do douro vinhateiro me inspirariam a escrever, apesar de (obviamente) não me serem completamente indiferentes!