segunda-feira, novembro 03, 2014

madredeus






 início dos anos 90, faculdade e eu com uma paixoneta adolescente por um rapaz mais velho que mal conhecia e quase nunca via.

e porque nunca via, mais imaginava; estremecia quando passava perto dos locais onde era mais provável vê-lo; ficava atenta aos carros iguais ao dele; relembrava o momento em que nos conhecemos, as vezes em que trocamos algumas palavras.
a cisma era tão grande, que me absorvia toda e comecei a dizer-me que não era possível, que era estúpido ocupar a cabeça com pensamentos destes, que nunca mais o iria ver, que paixões e amores só nos livros e nos filmes. (enquanto, secretamente, boicotava a razão, inventando amores e paixões como nos livros e nos filmes).

tudo tão tolo, tão inocente, tão juvenil, tão idealizado, de um romantismo que não cabe mais...

mas aquele tipo de estremecimento, o aperto no coração, as mãos nervosas, as pernas a tremer, as palavras trocadas, só por estar na presença de uma pessoa, raramente voltei a sentir com a mesma intensidade.

o que veio depois foram quase imitações, comparações; sequelas frágeis de um terramoto que, por ter destruido tanto, pouco deixou para abalar.

a última vez que o vi foi num concerto dos madredeus. uma confusão de gente a sair do local improvisado que arranjaram para o concerto, que teria sido ao ar livre se não estivesse a chover. gente a empurrar-se, a querer sair, pouco espaço e, de repente, olho para trás. lá estava ele, um sorriso enigmático, acompanhado por uma rapariga com um "ar francês", bonita, bem vestida, diferente. cumprimentamo-nos. fiquei em choque. durou horas. no elevador, quando finalmente fiquei sozinha, uma descarga química, como uma droga, fez-me flutuar.

pouco depois esqueci-o, claro.

no filme "Her" de Spike Jonze, Theodore diz "...and sometimes I think I have felt everything I'm ever gonna feel, and from here on out I'm not gonna feel anything new... just... lesser versions of what I've already felt." 

quero acreditar que não. que seremos sempre versões mais amplas do que fomos. com a sabedoria de não querer comparar sentimentos, para que venham sempre novos, vivos, para que os possamos experimentar como uma criança.

e porque no mesmo filme também se diz "The past is just a story we keep telling ourselves",  com que palavras e ideias nos queremos re-construir, sem evitar, obviamente, as partes dolorosas, os erros, as mentiras, as falhas?

que passado queremos re-contar?


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