sexta-feira, setembro 30, 2011

quinta-feira, setembro 29, 2011

domingo, setembro 25, 2011

sexta-feira, setembro 23, 2011

vertigem

João - É uma pessoa muito estranha, sabe.

Júlia - Talvez seja, mas você também é. E, vendo bem, tudo é estranho: a vida, os seres humanos, tudo. Tudo é um lixo que cai sobre a superfície da água, até mergulhar, mais fundo, mais fundo. Há um sonho que eu tenho muitas vezes. Eu estou em cima de uma coluna e não sei como descer. Quando olho para baixo sinto tonturas; tenho de descer, mas tenho medo de saltar. Não posso ali estar, sinto que vou cair, mas não caio. Não há uma pausa. Não haverá paz para mim até eu descer e chegar ao chão. Mas ao tocar o chão, eu quero mesmo é ficar debaixo do chão... Alguma vez sentiu isto?



Menina Júlia, Strindberg

19,5

(ou, não há dias perfeitos)

Os exames tinham acabado, era Julho, o tempo estava bom, e cheias daquela energia e felicidade sem ter porquê da juventude, fomos à praia. Caminhámos, dissemos piadas, estendemos as toalhas, tivemos conversas sérias, tomámos banho, rimos como tolas, falámos de rapazes, gozámos o sol, celebrámos o momento. A certa altura, talvez ao fim do dia, começámos a atribuir "notas" àquela tarde despreocupada, de liberdade e juventude. Demos-lhe 19,5 valores. Para o 20, para um dia perfeito, faltavam-nos, naquele momento, os tais rapazes, faltava-nos o amor.

Não há dias perfeitos. Falta-nos sempre, pelo menos, meio valor. A plenitude pode ser alcançada em pequeninas doses, mas logo se vai embora, deixando-nos com vontade de percorrer o mundo para a voltar a alcançar.

Vi uma vez, num filme, um casamento judeu em que, no fim da cerimónia, embrulhavam um copo de vidro num pano e os noivos tinham de o partir com os pés. Alguém dizia que partir o copo naquele momento de felicidade servia para lembrar aos noivos que nem tudo vai ser bom, e que a tristeza, angústia, os problemas também fazem parte da vida.

A vida é cíclica. Complexa e simples ao mesmo tempo. O que chamamos "bom" ou "mau", "bonito" ou "feio", "feliz" ou "infeliz" mistura-se, não existe separado. Há sempre mais do que uma realidade, ou visão das coisas, e, no entanto, tudo se junta numa unidade, onde tudo está "certo".
É difícil aceitar que seja assim, talvez por isso temos necessidade de julgar, separar conceitos, para sabermos de que lado queremos estar.

Se escolhermos estar ao lado de tudo o que faz a vida avançar, ganhamos força, estamos acompanhados, resistimos melhor à tristeza, desalento. Frequentemente sentimo-nos fluir, "na crista da onda". Mas se esquecemos que os "copos se partem" e que a luz implica sempre uma sombra, vamos ser surpreendidos pelas angústias e podemos ter mais dificuldade em reagir.

No entanto, se calhar, nada desta "conversa newage" valerá para explicar os grandes desastres, a guerra, a fome, a doença...

Contaram-me uma vez que um mestre qualquer do oriente disse um dia, aos que o procuravam para aprender a meditar, que não deviam concentrar-se apenas nas coisas "bonitas", como a chama de uma vela, uma flor, um símbolo, uma cor, mas também nas "feias" e "nojentas", como os intestinos ou a própria merda, porque tudo faz parte da vida e que também isso devemos amar, em nós e nos outros.


Somos feitos de tudo isto, de luz e sombra, de beleza e fealdade, de amor e ódio, de perfume e merda, pele e vísceras.
Somos imperfeitos, incompletos e, por isso, também criadores de sonhos.
E é nesses sonhos que procuramos o lugar onde, mesmo que por breves instantes, nos sentimos inteiros, amados, livres.



Agosto, 2011

quarta-feira, setembro 21, 2011

leonard






(devia ter 15 ou 16 anos quando o vi e ouvi pela primeira vez, num concerto/documentário na rtp. foi amor à primeira vista/audição. nunca me perdoei não ter ido a um dos vários concertos que deu em portugal. faz 77 anos hoje e continua a encantar-me.)

quarta-feira, setembro 14, 2011

beleza


Foto: Leni Riefenstahl

quinta-feira, setembro 08, 2011

Quase nada

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.



Eugénio de Andrade

segunda-feira, setembro 05, 2011

não viriam principes

"(...) Voltei a ir à varanda. É verdade, doutor, voltei. E lá estava eu, se é que consegue imaginar tal coisa; foi terça-feira, lembra-se como estava um dia magnífico? Pois foi o dia em que voltei a perder o juízo. Tinha uns sapatos novos, lindíssimos, que comprei num impulso, vítima de um capricho, e que ainda não usara, porque por estes dias não há na minha vida qualquer pretexto que justifique usar uns sapatos daqueles. Vermelhos, doutor, uns sapatos vermelhos. Pois calcei-os e segui para a varanda; esperava príncipes mas apenas passavam autocarros, repletos de velhinhos e de estudantes, deitando fumo; autocarros, que de certa forma são a antítese dos príncipes: previsíveis e regulares, monótonos. Foram passando e eu fui esperando. Como imagina, não esperava nada de especial, a partir de certa altura esperamos apenas por hábito, da mesma forma que respiramos ou sorrimos, apenas por hábito, sabemos que não vai chegar nada, sabemos que atingimos o plafond, e apesar disso insistimos em esperar. Fui esperando, portanto. E sabe o que aconteceu, doutor? Afinal, sempre tenho qualquer coisa nova para lhe contar, porque o que aconteceu foi algo inesperado. Gostava de lhe dizer que o que aconteceu foi cair-me um dos sapatos novos do pé e acertar na cabeça de um moço que na altura fosse a passar, e calhar o moço olhar e surpreender o meu olhar, e ficarmos para ali a olhar, o sapato no chão e um alto a crescer-lhe na cabeça, o tempo a passar, os autocarros também, e de repente, pimba, percebíamos apenas através do olhar que nos amávamos e que iríamos ser felizes para sempre, ou ainda por mais tempo. Gostava de lhe contar uma historieta destas, sabe porquê, doutor, porque gostava mesmo que me acontecesse uma historieta destas. Mas, infelizmente, o sapato não me caiu do pé, azar. O que realmente aconteceu foi menos extraordinário. Sabe o que foi, doutor? Eu conto, como lhe contei tudo o resto. De repente, percebi que não viria príncipe nenhum. Quer dizer, não percebi, que isso já eu tinha percebido há muito tempo. Não, o que aconteceu foi que aceitei que não vinha príncipe nenhum, que apenas continuariam a passar autocarros e nada mais; por muito bonitos que fossem os sapatos, doutor. Não viriam príncipes. E essa consciencialização súbita foi libertadora. Porque o que eu pensei foi isto: não virão príncipes e ainda bem porque eu não preciso de ser salva. (...)"


ler tudo aqui:
http://agavetadopaulo.blogspot.com/2011/08/72-princesas.html