sexta-feira, novembro 06, 2009


"Todos os homens se nutrem, mas poucos sabem distinguir os sabores."

Confúcio




Há coisa de duas semanas tive uma experiência com uma conhecida empresa de produtos alegadamente naturais e nutritivos que servem basicamente para emagrecer. Calma, eu não me acho gorda. Acontece que recebi um convite para o que pensava ser a inauguração de um restaurante e acabei a beber chá e um "batido nutritivo" numa sala de um apartamento, numa roda de pessoas que bebiam chá e batidos e partilhavam a sua experiência ao género dos grupos de auto-ajuda.

Mal entrei e me pediram o nome e número de telefone, desconfiei. Recusei dar a minha data de nascimento e dei o número de telefone do meu emprego, mas não consegui voltar para trás e, confesso, tinha alguma curiosidade em saber como aquilo se passava.
Durante algum tempo eu fui a única pessoa "nova" na sala, os outros já eram clientes habituais e, por isso, as atenções estavam voltadas para mim, para me convencerem das vantagens em passar a almoçar chá e "batidos". E era tudo fantástico! todos eram formidáveis e maravilhosos! todos falavam dos produtos como se de um novo deus! uns tinham emagrecido, outros engordado, outros ainda sentiam-se menos rabujentos e mais satisfeitos consigo próprios! tudo com muitas exclamações, muito americano, muito motivacional, muito "Dale Carnegie".

O chá era bom, o batido, com sabor ligeiramente achocolatado, até se bebia. Passei a tarde a beber água e a correr para a casa de banho e, como me garantiram, senti-me saciada, leve e energética. Se continuasse a fazer o "programa" provavelmente emagreceria por estara a consumir tantos líquidos, o que, apesar de não estar gorda, faria bem à minha auto-estima, nem que fosse por conseguir voltar a caber nas calças de ganga de há dois anos.

Não faço a mínima ideia de que é feito o "batido nutritivo", mas até acredito que seja um bom produto, realmente nutritivo e blá-blá-blá. Mas o grande truque é mesmo a conversa. Apesar da minha desconfiança inicial, tentei manter-me receptiva e dei por mim quase embalada naquela "música". Alguém deprimido, com falta de auto-estima, insatisfeito com o seu corpo, facilmente se deixará levar pelo discurso motivacional que, aliado aos resultados alcançados, transforma o consumo daqueles produtos numa verdadeira "seita". Como todas as "vendas em pirâmide", aliás.
Como não voltei no dia seguinte, telefonaram-me. Delicadamente informei que não estava interessada em continuar. Se tivesse voltado, correria o risco de me tornar "uma delas", passaria a andar com autocolantes no carro e pins na lapela.

Ou não.

Porque, apesar de ser péssima cozinheira, adoro comer. Gosto de ter os alimentos na boca, de os mastigar, de saborear, de engolir, de sentir que, quando os como, começam a fazer parte de mim. Gosto do acto social de nos sentarmos à mesa para partilhar uma refeição cozinhada e preparada para aquele momento. Quando alguém nos oferece uma comida que cozinhou está a dar-nos, também, um pouco de si, do seu tempo, da sua criatividade e sensibilidade, oferece-nos o prazer e a possibilidade de comer.
E é também por isso que não tenho restrições alimentares que só farei se, por motivos de saúde, for obrigada. Como de tudo, carne, peixe, frutas, legumes, chinês, marroquino, indiano, fast-food, feijoada brasileira e cozido à portuguesa.
Já tentei ser vegetariana mas não senti necessidade de continuar a ser só vegetariana, embora tente comer carne com moderação. Cresci no campo, vi matanças de porco, torcer pescoços de galinhas e esfolar coelhos e as razões éticas para não comer animais, que admiro nos meus amigos vegetarianos, não me estão no sangue. Tento ser, como me disse uma amiga, "instintívora", ou seja, comer aquilo que o corpo "nos pede" em cada momento.
Claro que, encontrar o ponto de equilíbrio para comer bem e o que gostamos sem que nos faça muito mal, nomeadamente sem engordar muito, é muitas vezes uma tarefa difícil. E um dia pode ser necessário recorrer a medicamentos, dietas, chás ou "batidos nutritivos", desde que não nos faça mal, nos vicie, ou nos obrigue a uma lavagem ao cérebro.

2 comentários:

Artur disse...

foi um grande equilíbrio. saí do Pax Júlia e "bati-me nutritivamente" com um belo cozido cheio de enchidos. ai aquela cacholeira... tenho a certeza que é altamente nutritiva:-)

ainda não tinha lido isto:-)))

Parabéns pela Viagem;)

natalie disse...

ai, ai, ai! que eu mal pude aproveitar esta fuga ao alentejo para me consolar, de tal forma os nervos me privaram de apetite. :))