"A vida tem muitas arestas irregulares: arestas que nos atraem como um precipício sobranceiro a um desfiladeiro convidativo; arestas que nos repelem como a tampa dentada de uma lata de metal aberta. Existe uma tensão entreo desejo de querer ver o limite, de senti-lo, de percorre-lo com as nossas mãos, e o desejo de recuar para a segurança, para o conforto. Podemos sentir-nos indecisos, hesitantes. Podemos sentar-nos e ponderar sobre o nosso próximo passo. Podemos desviar o olhar do limite e fingir que ele não se encontra ali. Mas apenas podemos manter-nos assim durante um curto espaço de tempo, na medida em que, mais tarde ou mais cedo, será necessário tomar uma decisão.
(...)
Não são as fronteiras do meu corpo que determinam quem eu sou, o que posso fazer e aonde posso ir. São as arestas de toda a gente e de todas as coisas que esculpem as minhas possibilidades.
Estou a falar como um poeta porque... bem... porque estou a evitar falar da aresta imperfeita da minha vida - no entanto, quero falar-lhe dela. Não me deterei naquilo que lhe vou contar. Não vou demorar interminavelmente na periferia. Não vou estar com rodeios, como os poetas costumam fazer. Vou limitar-me a contar-lhe, de chofre.
(...)
Devo, no entanto, adverti-lo de que isto poderá não ser agradável. Aquilo que estou prestes a contar pode ser difícil de escutar. Poderá pensar que é horrível e grotesco. Se for esse o caso, pode desviar o olhar ou fugir - compreenderei. Por vezes não estamos preparados para nos confrontar com coisas desta natureza.
Bem, estou pronta.
... espero um pouco. Está com ar de quem pensa ir embora. Por favor, não fuja tão depressa. Não é assim tão horrível como possa pensar.
(...)
Talves não seja necessário eu contar-lhe. Posso esconder o problema bastante bem. Vou encobrir as arestas. Já o fiz outras vezes. Podemos fingir que nada está diferente. O que acha? Ainda quer que lhe conte?
Quer? Claro que quer! Queremos sempre espreitar o que se encontra do outro lado - não é verdade?
(...)
Está pronto? Tem a certeza? Vou dizer estas palavras e depois desviar o olhar... porque não quero vê-lo fugir. Não quero vê-lo fugir de mim sem sequer olhar para trás. Espero, sinceramente, que quando deixar de esconder os meus olhos e a minha vergonha, ainda aqui o encontre.
Vou dize-lo agora.
Só tenho duas patas."
"À procura de Firebelly", J.C. Michaels
domingo, janeiro 13, 2008
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7 comentários:
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bj
Bom ano, muitos beijinhos, como sempre saudades, tudo de bom,
Leonor
Curioso. Entre o carro e "o fora do carro" parece só um saltinho... mesmo para quem tem só duas patas. Parece que temos mesmo que dar o salto... bora... se ficarmos para sempre no ar, podemos, pelo menos, dizer que voamos...Acção... fora com os vidros de permeio...
uns mostram a barriga, outros comem cerejas;-)
que porra, as metáforas.
parece fácil subir por elas a cima; come-las, como as cerejas.
mas as árvores, essas, não as subo, não treinei em criança a arte de as trepar.
encosto-me nelas, como quem se encosta a um amigo; colho os frutos que caíram ao chão, ou os que estão à mão.
os de cima, como os sonhos, ficam lá, para os pássaros...
(um dia, quem sabe, voarei. darei o salto de fé em direcção às cerejas).
Muitas vezes são as fronteiras deste mundo e de outros que limitam a nossa existência, que nos impedem de ir mais além...
mas as fronteiras existem... e quanto a mim, existem por uma simples razão: para serem ultrapassadas.
Continuaremos a ultrapassar fronteiras e a quebrar barreiras, para que a nossa existência seja ilimitada...
Beijinho
"Os sonhos", não escassas vezes, também andam cá por baixo... tão baixo que há quem os pise! E por falar em "fé"... como diz a canção aqui em cima:
"Sometimes I believe in fate,
But the chances we create,
Always seem to ring more true."
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