sábado, janeiro 26, 2008

amargura

"Não há mais palavras bonitas ou poéticas que digam o que sinto neste momento.
Chega.
Por mais que tente mascarar a realidade fria com beleza, não há estética que me tire esta dor.

Chegamos ao fim, ao mais fundo e frio fim.
Palavra alguma descreve o que me fizeste, o abandono que senti quando mais precisava de ti; nada justifica os teus jogos, os teus movimentos, a forma hábil que encontraste para me destruíres.
Ouvi coisas, vi coisas, senti coisas que nunca devia ter sentido, sim, por tua culpa.
Quis desculpar, quis pensar que sofrerias como eu, e que talvez para ti fosse pior…
Como fui capaz? Devia ter terminado tudo naquele momento em que o ódio tomou conta de nós, em que o respeito que nos devemos se volatilizou e transformou em cólera.

É difícil enfrentar a realidade, não é? A vida é suja, áspera, rude; a vida não é o pequeno paraíso em que te imaginas; ninguém mais do que eu sabe como a vida nos revolve as entranhas e nos transforma em bichos.
E os bichos enfrentam o fim com naturalidade: se for preciso matar para sobreviver, não pensam duas vezes. Os bichos não têm moral.

Agora tudo parece mais claro, mas no auge da dor, tudo se confunde; no cume do sofrimento, queremos a toda a força voltar à felicidade perdida; por isso escondemos o que nos pode atrasar o regresso ao momento antes da crise, quando tudo estava bem. E quando nos apercebemos passaram dias, meses, anos sem que nada tenha mudado. Congelamos a dor, mas não a ultrapassamos."

AVISO: este texto não é auto-biográfico; escrevi-o em 2004, provavelmente inspirada pelas várias tragédias familiares que sou obrigada a conhecer.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

sexta-feira, janeiro 18, 2008

quarta-feira, janeiro 16, 2008

deixa cair
verás que não passas do chão
à devida distância
uma queda não passa de percussão

deixa morrer
o gesto que começou mal
ainda vais ter tempo
de reconstruir a tua catedral




Jorge Palma

domingo, janeiro 13, 2008

Arestas

"A vida tem muitas arestas irregulares: arestas que nos atraem como um precipício sobranceiro a um desfiladeiro convidativo; arestas que nos repelem como a tampa dentada de uma lata de metal aberta. Existe uma tensão entreo desejo de querer ver o limite, de senti-lo, de percorre-lo com as nossas mãos, e o desejo de recuar para a segurança, para o conforto. Podemos sentir-nos indecisos, hesitantes. Podemos sentar-nos e ponderar sobre o nosso próximo passo. Podemos desviar o olhar do limite e fingir que ele não se encontra ali. Mas apenas podemos manter-nos assim durante um curto espaço de tempo, na medida em que, mais tarde ou mais cedo, será necessário tomar uma decisão.
(...)
Não são as fronteiras do meu corpo que determinam quem eu sou, o que posso fazer e aonde posso ir. São as arestas de toda a gente e de todas as coisas que esculpem as minhas possibilidades.

Estou a falar como um poeta porque... bem... porque estou a evitar falar da aresta imperfeita da minha vida - no entanto, quero falar-lhe dela. Não me deterei naquilo que lhe vou contar. Não vou demorar interminavelmente na periferia. Não vou estar com rodeios, como os poetas costumam fazer. Vou limitar-me a contar-lhe, de chofre.
(...)

Devo, no entanto, adverti-lo de que isto poderá não ser agradável. Aquilo que estou prestes a contar pode ser difícil de escutar. Poderá pensar que é horrível e grotesco. Se for esse o caso, pode desviar o olhar ou fugir - compreenderei. Por vezes não estamos preparados para nos confrontar com coisas desta natureza.
Bem, estou pronta.
... espero um pouco. Está com ar de quem pensa ir embora. Por favor, não fuja tão depressa. Não é assim tão horrível como possa pensar.
(...)
Talves não seja necessário eu contar-lhe. Posso esconder o problema bastante bem. Vou encobrir as arestas. Já o fiz outras vezes. Podemos fingir que nada está diferente. O que acha? Ainda quer que lhe conte?
Quer? Claro que quer! Queremos sempre espreitar o que se encontra do outro lado - não é verdade?
(...)
Está pronto? Tem a certeza? Vou dizer estas palavras e depois desviar o olhar... porque não quero vê-lo fugir. Não quero vê-lo fugir de mim sem sequer olhar para trás. Espero, sinceramente, que quando deixar de esconder os meus olhos e a minha vergonha, ainda aqui o encontre.
Vou dize-lo agora.

Só tenho duas patas."


"À procura de Firebelly", J.C. Michaels

segunda-feira, janeiro 07, 2008

ramos
















entrançado de ramos
ligações
nós

dentro e fora de mim

(numa árvore seca
crescerão as folhas?)

nem sempre o céu é azul
e brilhante
nem sempre um pássaro
nos ramos

decido
avanço
perco-me
demoro

pouso num ramo da memória

tangerinas
e a srª do mercado (edite, aurora, odete?)

sacos de plástico cheios de fruta
e pão fresco
o cheiro a farinha
papel de embrulho
grosso

o austin vermelho
a estrada de curvas e o nevoeiro

um galão para a professora
ao meio da manhã

a chuva e o vidro da janela rachado.
(um pedra atirada a chamar-nos da preguiça)

os sábados, sempre os sábados.


preciso da primavera.
(e de esperança)

quarta-feira, janeiro 02, 2008

bom ano

do rato!

o meu ano :-)