segunda-feira, julho 09, 2007

lingerie

o homem da retrosaria, dedos finos, já enrrugados, abre com calma a caixa, afasta o papel vegetal que envolve a delicada peça de lingerie, que agora segura entre os dedos, para melhor a mostrar à cliente. a cliente olha os dedos do homem, na transparência da lingerie. o homem olha os seus próprios dedos, na transparência da lingerie. os dedos do homem. a lingerie. a pele. o corpo dela. por segundos, tudo uma só coisa. na imaginação. lá fora, os ruídos da tarde que corre, automóveis, risos de crianças, zangas de velhas. lá dentro o cheiro de um tempo que já não existe. a cliente acaricia com as mãos a madeira polida do balcão. o homem: então? e ela: vou levar. e antes de sair para a luz da tarde, ela volta-se, olha o homem da retrosaria. ele acaricia a madeira polida do balcão. ela sorri.

2 comentários:

Anónimo disse...

Lembro-me de uma vez, há muitos anos, um empregado de retrosaria assim ter dito à minha mãe, a propósito do sutiã que lhe mostrava, «este veste muito bem».

Na altura eu sabia tão pouco dos sutiãs, deduzira fragilmente que serviriam para suster as mamas das mulheres, não sabendo se de todas ou só das mamalhudas; de modo que o novo dado, o senhor da retrosaria usar um - se não, como saberia ele do seu bom vestir? -, deixou-me deveras confuso.

natalie disse...

obrigda pelo comentário e pela visita!