quando eu nasci a minha avó (paterna) tinha 42 anos, a idade que eu tenho agora.
era uma avó jovem, com os três filhos já adultos, dois deles já casados na ocasião.
depois de eu nascer ela foi e fez tantas coisas, que quando a vejo agora, frágil, enrugada, reconheço o palimpsesto que foi sempre a sua vida, com mudanças e desafios a todo o momento.
lembro-me quando tirou a carta de condução, e como enfrentava o preconceito; lembro-me de a ver sempre activa, sempre a pensar, a antecipar e a resolver problemas.
lembro-me de ir apanhar figos e nozes e maçãs e ameixas e cerejas e azeitonas com ela; de ir apanhar musgo para o presépio, bugalhos e azevinho.
lembro-me das viagens de comboio, de passar na ponte D. Maria Pia, no Porto, e de olharmos lá para baixo e sentirmos tudo a tremer.
lembro-me das noites de sueca, whisky e tabaco; da garrafa de aguardente; da fruteira com maçãs, do galheteiro e dos dentes de alho, dos peixinhos de escabeche, do coelho guisado, da marmelada e do leite creme.
e lembro-me de a ouvir falar de antes, do tempo em que eu ainda não a conhecia, das suas ambições, vontades, sonhos. do que fez, do que não conseguiu fazer, do que nunca sonhou conseguir e fez.
e ao lembrar-me percebo a quantidade de vidas que cabe na vida de uma pessoa, que nada nunca é estático, que nos compete aprender e crescer com as mudanças, mesmo que nem sempre sejam as desejadas.
tenho hoje a idade que a minha avó tinha quando eu nasci.
tantas vidas, desafios, mudanças ainda me esperam.