sexta-feira, dezembro 30, 2011

salto


Gundega Dege


que o próximo ano seja um salto intenso, divertido, optimista,  aventuroso, no futuro, que é agora, aqui; um salto que começa dentro de nós e acaba fora ou ao contrário; um salto para o qual podemos ser empurrados, ou forçados, mas que depois agradecemos; um salto transformador; um salto para os outros, com os outros; um pequeno voo para voltar à terra; um salto de onde regressamos inteiros, novos, completos, felizes, capazes, verdadeiros.


bom ano.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

segunda-feira, dezembro 26, 2011

só se lembra dos caminhos velhos

"cozinha velha"
 24-12-2011


quem tem saudades da terra.

sábado, dezembro 24, 2011

quarta-feira, dezembro 21, 2011

O efeito devastador da beleza





"Uncle Vanya and his family live a quiet life on their estate. But when the old professor comes with his young wife, Yelena, everything changes. The play is about the devastating effect of beauty. (...)
When Yelena comes to the house, Vanya suddenly becomes aware that he has passions, ambitions. He had not experienced this energy before. It is awakened in him. At forty-seven, he is suddenly filled with the desire to accomplish something. It's a little late. He is shattered by the sudden emergence of this needs he never felt earlier.

This is Checkov, and it isn't easy: beauty makes you aware of your own insignificance, of the wastefulness in your life"


Stella Adler on Ibsen, Strindberg and Chekhov

segunda-feira, dezembro 19, 2011


Do filme: Tree of Life, Terence Malick




O que acontece quando olhamos para cima?

O vento nas árvores, as nuvens, as janelas, o horizonte, o céu.
Tudo vai e vem; o céu permanece.
Intervalos entre as coisas, desvios, espaços.

O que acontece quando olhamos para cima e temos os pés na terra?


Julho, 2011




sábado, dezembro 17, 2011

sexta-feira, dezembro 16, 2011

neve


50 Words For Snow - Kate Bush Ft. Stephen Fry from John Vallis on Vimeo.




(no ano passado no final de novembro calhou ir à covilhã e apanhar o primeiro grande nevão do ano, e por esse motivo fiquei presa na cidade, numa pequena pensão, à espera do dia seguinte. não estava preparada para ficar, passei a noite a ver todas as séries que davam na televisão e a escrever no meu bloco. esta semana voltei à covilhã para fazer o que, por causa da neve, não fiz no ano passado. não nevou mas fiquei lá na mesma. lembrei-me do que pensei e escrevi no ano passado, e quando cheguei a casa procurei o bloco para confirmar. depois de duas páginas de divagações, que são quase premonições, termino com um resumo que é uma lista de "vontades" para semear. ainda bem que escrevi "vontades" e não "desejos", porque a vontade leva à acção e por isso à concretização. e na realidade, por incrível que me possa parecer, todas as vontades que escrevi foram concretizadas, mesmo que algumas ainda só parcialmente. espanta-me sempre o poder mobilizador das palavras e do pensamento.)

sábado, dezembro 10, 2011

Ships


Willem van de Velde, The Younger

quarta-feira, dezembro 07, 2011

abre-se à frente



Edgar, Meu Amor


"Por favor Edgar não me deixes assim, o que se passa entre nós, porque não telefonaste? Eu aqui à espera feita parva, nem ao cabeleireiro fui com medo que ligasses, fumei oito Mores seguidos, tenho a cabeça tonta de cigarros, já perguntei às Avarias se havia algum problema com o meu número e não há, já tentei entreter-me a pintar as unhas dos pés e borrei tudo, até nos calcanhares pus verniz, até na alcatifa, até no braço da cadeira, não foste ao emprego, não foste ao café, não foste ao clube, o que aconteceu Edgar? não é justo, não parece teu, não me deixes assim, dou voltas à cabeça a ver se percebo e não entendo, ainda ontem aqui vieste jantar, ainda ontem me gabaste o ensopado de enguias, ainda ontem, no sofá, lembras-te?
- Gosto de ti fofinha
ainda ontem, no sofá, coisa e tal, eu no princípio do licor e tu a puxares-me os collants
- Sua má sua mazona
e eu a mostrar-te o cálice
- Olha que isto deixa nódoas na almofada Edgar a almofada é nova
tu de joelhos, tu despenteado, de gravata torta, tu tal e coisa
- Quais nódoas quais caraças ajuda-me que o fecho do soutien encravou e nem para trás nem para a frente ajuda-me senão chamo o serralheiro
e claro que não tinha encravado, Edgar, é uma questão de jeito, é uma questão de calma, e tu a olhares para cima e a desapertares o cinto, tu atrapalhado nos atacadores
- Aguenta Deolinda que daqui a um segundo estou aí
eu aguentei, tu estavas aqui a magoares-me a perna com o cotovelo, eu
- Levanta o braço amor que me aleijaste
da janela via-se o Laranjeiro quase todo que o meu apartamento é em cima, o Laranjeiro, a Cova da Piedade, Almada, mais seis meses e tenho as duas assoalhadas pagas, eu a pensar que podíamos, se tu quisesses, morar os dois, arranjar um cão e ser felizes, e nisto tu quieto, tu embaraçadíssimo a olhares para baixo
- Devo andar cansado Deolinda deve ter sido do serão no escritório
tu sem ímpeto nenhum, tu sem vontade, eu a ajudar-te e tu, envergonhado, tu de calças pelos tornozelos num fiozinho de voz
- Deve ter sido do serão no escritório não me mexas paramos meia hora e fico fino
parámos meia hora, assistimos àquele programa onde as pessoas vão pedir desculpa à família e depois abraçam-se e choram e a assistência aplaude a chorar também, e mesmo a senhora que faz o programa, tão simpática, tão boazinha, se comove como se comove o Laranjeiro em peso, eu a beijar-te
- Já descansaste Edgar?
tu zangado comigo, tu que não ficaste fino nem meia
- Cala-te
numa voz tão diferente da tua, amor, nem fofinha, nem mazona, nem bichaneca
- Cala-te
e eu a fazer-te uma festa, cheia de paixão, preocupada com o teu cansaço
- Edgar
e tu sempre de calças pelos tornozelos a desviares-te para o outro canto do sofá
- Deslarga-me
eu que te adoro, a pôr-te a mão na coxa, e tu como se a minha mão queimasse
- Deslarga-me poça deslarga-me
vestiste-te num instantinho, puseste o casaco, avisaste da porta
- Se contas a alguém o que me sucedeu rebento-te
eu a compor-me estarrecida, eu a tropeçar atrás de ti
- Não me deixes sozinha não te vás embora Edgar
tu a desceres a rua para a camioneta, tu curvado como se carregasses o mundo inteiro nos ombros, eu da marquise
- Edgar
e nem sequer te voltaste, nem sequer adeus, nem sequer um sorriso, nem sequer um telefonema, queria dizer-te Não te apoquentes, queria dizer-te Não tem importância, gosto de ti à mesma, hoje tentamos outra vez, eu não conto a ninguém Edgar, juro que não conto a ninguém, não vão troçar-te no emprego, não vão troçar-te no café, podíamos morar os dois no Laranjeiro ainda que ficasses cansado para sempre, eu não me importo, comprávamos um cãozinho, íamos aos domingos ao Ginjal, isto no Laranjeiro é calmo, vê-se a Cova da Piedade, vê-se Almada, tenho a cabeça tonta de cigarros, já perguntei às avarias se há problemas com o meu número e não há, fiz ensopado de enguias, comprei sorvete no supermercado e o soutien que trago hoje tem rendas pretas e abre-se à frente Edgar, vai ser canja para ti tirar-mo."



António Lobo Antunes
Crónicas

segunda-feira, dezembro 05, 2011

quinta-feira, dezembro 01, 2011

imaginação


“Mau começo do dia, o pensamento que me vem de que, comparando-a ao que oferece a imaginação, mesmo a mais aventurosa e espectacular das existências não passa de uma vidinha.





"A imaginação é vazia de substância porque resulta de uma forma de conhecimento puramente verbal".

Vikalpah, a imaginação, é o terceiro Vritti citado por Patanjali. Trata-se de ideias sem relação com um objecto real, da nossa capacidade de construirmos situações irreais.
É um pouco o caso do teatro. Se o fazemos sem ter consciência, é uma forma de evasão que nos afasta das realidades da vida. Nada é mais perigoso. Então este Vritti é doloroso. Se o fizermos tendo consciência disso, essa imaginação poder-se-á converter numa ajuda construtiva à criatividade de um artista, por exemplo. Então, a agitação será "não dolorosa".

Georges Stobbaerts, Reflexão sobre Yoga
(comentários aos yoga-sutra de Patanjali)

Nota: vritti - agitação



(...)
Para que a imaginação não se torne evasão será necessário, creio, deixar o ego longe disto tudo. 

Como? 

O processo avança lentamente, mas avança.



postal

Julian Mandel 

sexta-feira, novembro 25, 2011

ingenuidade






(há muito tempo que não ouvia isto. lembra-me um tempo de amores ingénuos - os primeiros, que são sempre grandes, platónicos e ingénuos - de esperanças na palma da mão, a vontade de semear futuro, o acreditar que a ideia é forma; e ao mesmo tempo, a alma a voar num corpo preso, o nó na garganta por não saber gritar, um fugir para dentro de mim por não me encontrar fora... muito se perdeu e muito se ganhou pelo caminho... intimamente ainda há um olhar puro pronto a ser resgatado, a ingenuidade das emoções intensas, agora mais à flor da pele, e uma crença quase mágica no futuro e na possibilidade do amor. pelo caminho intuí um equilíbrio entre o grito, o voo para dentro e o olhar para fora, a curiosidade pelo futuro, pelo instante em que me construo e renovo. pelo caminho morreu aquela parte de mim que se afundava no lodo, que desejava o fim; e de tanto me expor ao sol e à chuva, cresceram hastes, folhas, pétalas, uma pequena e frágil erva daninha que se agita ao vento, mas que respira vida.)

quinta-feira, novembro 24, 2011

um dever desconhecido

A minha maneira de amar-te é simples:

aperto-te a mim
como se tivesse um pouco de justiça no coração
e ta pudesse dar com o corpo

Quando te revolvo os cabelos
algo de lindo nasce das minhas mãos

E não sei quase mais nada. Aspiro apenas
a estar contigo em paz e a estar em paz
com um dever desconhecido
que às vezes me pesa também no coração.


António Gamoneda
(encontrado aqui)

memória

"(...) a memória, consiste em não deixar fugir um objecto de que se teve experiência. Ela regista e acumula todas as experiências passadas. Essa memória é muitas vezes cristalizada: tudo o que vivemos, tudo o que está à nossa volta provoca o ressurgir da memória, do passado. Então, somos invadidos anarquicamente pelos pensamentos formulados pela memória. Ela impede-nos de ver a realidade e torna-nos seus escravos, assim como escravos do passado. As tensões que daí resultam engendram o nosso ego. A memória é a energia vital do ego. Ela é um vritti doloroso.
Não somos memória, somos consciência!
Quando estamos conscientes, existimos no presente, no presente eterno, na alegria, sem futuro nem passado, novos de instante a instante. Somos, então, livres da memória. Ela já não tem o poder de nos dominar, de nos arrastar automaticamente para os seus mecanismos. Somos capazes de a consultar, de a examinar e de rectificar as suas respostas, para que elas sejam totalmente objectivas e reflictam a realidade da experiência vivida. Nestas condições o vritti não é doloroso.
Como estabilizar esta consciência?"


Georges Stobbaerts
Reflexão sobre Yoga.

sábado, novembro 19, 2011

quinta-feira, novembro 17, 2011

hidden

J-P. Witkin








"To me people were only masks. My interests would not be to reveal what the individual subject chose to hide, but instead to make the qualities of the hidden more meaningful.
J-P. Witkin





quarta-feira, novembro 16, 2011

nada acrescentes

nada acrescentes

ao vivido

não inventes

descontrai

desconstrói

o pensamento

espera

para ver

nada acrescentes

ao momento

mata o parasita

engole-o

e deixa-o sair

em nada te fixes

no bom e no mau

independe

nutre a liberdade

confia

espelha-te


vigia o coração


fala o necessário

cala o excesso

mas não guardes o medo

vai como o vento

sê a onda

respira

regressa a ti

nada te acrescentes

mas nada te impeças

acontece-te

vive-te

segunda-feira, novembro 14, 2011

o fotografo



Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim num beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada mais na existência do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda o azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Vi uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim cheguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava de braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.



Manoel de Barros
"Ensaios fotográficos"


terça-feira, novembro 08, 2011

descontrair

Harriet Anderesson
Summer with Monika, Ingmar Bergman





(descontrair, relaxar, deixar ir, deixar estar, não pensar, não julgar, não agir; só respirar, respirar, respirar. e em cada respiração, ser inteira; e em cada respiração receber, oferecer. descontrair, relaxar, ser. o sol toca-nos, a chuva toca-nos, o frio toca-nos. descontrair, relaxar, agir sem condicionamento. ser. )

segunda-feira, novembro 07, 2011

sou

(corro para ver o pôr do sol como quem corre para os braços de um amante. mas o tempo não me espera e quando chego, só uns restos de cor nas nuvens, reflexos breves no rio, castanho da chuva, que passa por baixo da ponte onde espreito a vida passar. a lua, do outro lado, brilha, crescente como uma promessa. uma fila de patos cruza o rio, contra a corrente, mantendo uma diagonal. as gaivotas descansam pousadas na água, ao longe. uma cegonha voa, nervosa, parece perdida, e eu estranho a sua presença no centro da cidade. acenderem as luzes nas esplanada. as árvores do parque estão finalmente com cores de outono. um homem passeia um pastor alemão. uma rapariga corre. cumprimento alguém que conheço. um pescador guarda o material. o parque está sujo com centenas de latas, garrafas de plástico, e outras porcarias que os estudantes deixaram depois da festa. olho o rio. está frio e o vento entra nos meus olhos libertando lágrimas, que, entretanto, aceito como minhas e necessárias. agradeço o dia, os dias. o meu coração abre-se e nele cabe tudo, todos. tudo o que vejo me sensibiliza. controlo-me para não me desfazer em lágrimas. cruzo os braços para não sentir frio. despeço-me do rio e do resto de sol que já se foi, deixo que a lua me acompanhe no caminho para a noite. estou viva. entrego-me ao momento. sou.)

sábado, novembro 05, 2011

quinta-feira, novembro 03, 2011

imagens

as pessoas oferecem-nos
se estivermos atentos
imagens tão belas, delicadas, profundas, trágicas, tristes, divertidas, intensas...
e eu, quando as apanho, fico com elas, a bailar na minha cabeça
a pensar na melhor maneira de cuidar delas
na melhor maneira de as devolver

devolve-las à vida
dar-lhes existência
pari-las
e mostrá-las
porque todas estas imagens
são a matéria que nos faz
humanos

por isso, recebo-as com generosidade
coloco-as, delicadamente, num local seguro
e fértil
como uma folha de papel
ou simplesmente
no meu coração
e alimento-as diariamente

para que um dia cresçam
e se exprimam
através do meu corpo
usando-me como suporte
matéria, canal

e, assim, completando-se o ciclo
nos reconheçamos de novo
irmãos, humanos, vivos.

perfeição

Nadia Comaneci, 1976



Em 1976 eu ainda era muito pequena para ter visto os jogos olímpicos e me lembrar, mas lembro-me de a ver, provavelmente nos jogos de 1980; queria ser como ela, conseguir fazer aquilo tudo (ou quase tudo, vá lá...) com o meu corpo. 
(Nessa ocasião também queria ser bailarina. Como não havia nada, mas mesmo nada, no sítio onde vivia que se parecesse com ginástica ou ballet, limitei-me a mexer-me sozinha, como me apetecia).
Mais tarde soube como os treinos eram absolutamente duros e tiranos e que muitas destas atletas ficam marcadas para o resto da vida.

Mas isto tudo a propósito de perfeição. Para mim, a perfeição era a Nadia Comaneci e a minha impossibilidade de a alcançar.
Muito cedo inculquei em mim própria que a perfeição não estava ao meu alcance. Que podia tentar aproximar-me, fazer "o meu melhor", mas que dificilmente poderia obter um "10 perfeito". 
Para me proteger das frustrações comecei, ainda em criança, a não elevar demasiado as expectativas e até a reduzi-las ao ponto de, em muitas situações, nem sequer tentar iniciar uma actividade. Meti na cabeça que todo o caminho até ao "10" estava além das minhas capacidades, então não me esforçava.

Claro que, quando uma pessoa é boa ou pelo menos eficiente a uma coisa e gosta de a fazer, tudo muda. Havia actividades, disciplinas, em que era "fácil" ser boa e, sem grande esforço, já estava a caminhar um pouco para lá do "meu melhor". Com o tempo percebi que quando gosto muito de fazer/ aprender uma coisa, instintivamente, coloco a mim própria os desafios e elevo a fasquia, não tanto para ser perfeita mas porque só assim é que o caminho se torna divertido, interessante, estimulante.
Esta última parte só assimilei completamente quando comecei a fazer teatro. Percebi que não interessa tanto querer o 10, ser a Nadia Comaneci, o que interessa é o caminho que se faz para chegar lá; e que é possível estar, nem que por pequenos instantes, nem que seja apenas uma vez na vida,  muito perto da perfeição.

No entanto, nas outras áreas "não artísticas" em que me movo e trabalho (o que equivale, infelizmente, neste momento, a 90% do meu tempo...) continuo a ter dificuldade em colocar-me desafios, a encontrar o gozo e estímulo no caminho... Creio que desisti de tentar mais do que "o meu melhor", simplesmente porque deixou de ser estimulante ir mais longe...

Por outro lado, há uma área em que os desafios são constantes, quer eu os invente ou não: a mente. O pensamento foi sempre, ao mesmo tempo, o que me perde e o que me salva. Superei, vejo agora, obstáculos duríssimos, quase só através do pensamento, da razão, da auto-análise. E da escrita que foi, durante anos, a minha única e melhor terapia.
Com a prática de meditação zen (não é a mesma coisa: pensar não é meditar) fui ultrapassando outros limites, como, por exemplo, o estado de "não-mente"; de "desapego"; de "mindfulness"; de "isto" ou de "aqui e agora". 
Pode parecer exagero mas encaro a meditação como uma espécie de desporto radical. Não se procura a perfeição, nem competir, e a própria ideia de ultrapassar limites deixa de ter qualquer sentido. 
Na meditação trata-se apenas de respirar e de ser. De ser com os outros, sem julgar, aqui e agora, sem passado, sem futuro.
O que não é nada fácil.
Por isso, quer a meditação, quer o pensamento (e consequentemente as emoções e sentimentos associados) podem produzir em mim efeitos tão intensos e radicais como um salto mortal à retaguarda.





terça-feira, novembro 01, 2011

segunda-feira, outubro 31, 2011

escuro


Turner





(por mais que isto esteja entranhado no meu corpo, por mais que já as espere, ciclicamente, esta solidão e tristeza que entram por todas as portas, tantas vezes sem sentido, sem razão aparente, ainda custa habituar-me; sei que o melhor é deixá-las entrar, convidá-las a tomar um chá e esperar que saiam, amavelmente e me deixem em paz por algum tempo. mas enquanto não se vão embora, o tempo estará escuro na minha alma.)

sexta-feira, outubro 28, 2011

deixar ir



Esta noite tive um sonho estranho. Como todos os sonhos são, se calhar.
Eu era pequena, apesar do corpo não ser o de uma criança. E havia uma espécie de jogo de escondidas, ou de caça ao tesouro. Uma pessoa que parecia ser a minha mãe, dizia-nos (havia outras crianças, mas não me lembro bem) que tínhamos de encontrar um bebé. Eu estive um pouco perdida e parada no jogo, até que vi uma porta e quando a abri encontrei umas escadas de madeira. Sentei-me nas escadas e fechei a porta. Comecei a subir e encontrei o que parecia ser um bebé. Era uma mistura de bebé com boneco de criança e era tão pequeno que cabia na minha mão. Olhei para aquela criatura estranha e frágil na minha mão aberta. Tentei, com a outra mão, tocar-lhe, ver se estava vivo, se mexia, se estava quente. A criatura mexeu-se e eu, com cuidado, protegia-o, não sei bem de quê.
Como não sabia o que fazer, fui ter com aquela que se parecia com a minha mãe. Mostrei-lhe o bebé/boneco, disse-lhe "encontrei o bebé". Ela olhou com estranheza, mexeu-lhe levemente e disse "este não é o bebé que eu pedi". Olhou e mexeu-lhe um pouco mais e continuou "ele está mal, tem de ir para o hospital."
Nesse momento, o bebé/ boneco já se parecia mais com um bebé verdadeiro e eu já não era uma criança (e nem tenho a certeza se "eu" era mesmo eu). "Eu" agarrava no bebé e dizia "mas se ele for para o hospital nunca mais o vejo". E aquela que se parecia com a minha mãe, e que agora se parecia mais com uma médica, dizia "mas o bebé não é teu, tens de o deixar ir." E "eu" pensava "mas eu quero cuidar dele", enquanto via o bebé ser levado. Ao mesmo tempo eu conseguia ver-me a mim e ver o outro "eu" que via o bebé ser levado. E eu, no sonho ou já meia acordada pensei "coitada, deve ser difícil deixar ir o bebé."
Foi então que acordei.




(queria colocar aqui a fotografia de um barquinho de papel que vemos afastar-se, frágil, a fazer o seu caminho, mas que temos de deixar ir. mas não encontrei nenhuma fotografia interessante. imaginem.)

quinta-feira, outubro 27, 2011

sem destino


Adelino Lyon de Castro

segunda-feira, outubro 24, 2011

outono


Paisagem de Outono
Van Gogh



(hoje, entre a chuva e o trânsito da cidade, de repente, um cheiro a outono, urze, rosmaninho e pinheiro; e saudades da serra. há quem não passe sem estar perto do mar, eu preciso, de tempos a tempos, de sentir uma montanha. )

domingo, outubro 23, 2011

sexta-feira, outubro 21, 2011

Ó tu



"Ó tu, a quem me dirijo muitas vezes em silêncio, para poder estar contigo,

Enquanto caminho a teu lado ou me sento perto, ou fico na mesma sala que tu,

Não imaginas o fogo eléctrico e subtil que brinca dentro de mim por tua causa."



Walt Whitman


(frase muito bonita, roubada daqui)

quarta-feira, outubro 19, 2011

tramp

and now for something completly different


corpo: calcanhares


Os do homem

Ele caminhava à minha frente no pequeno corredor da casa. Trazia umas sandálias de borracha, calças e camisa largas. As pernas magras, o andar leve, como o de um bailarino. Olhei instintivamente para o calcanhar que se mostrava livre, com a tira da sandália a rodeá-lo. Depois para o pescoço, vermelho. Os cabelos já brancos. A pele quase transparente. As mãos longas, lentas e esvoaçantes, a fazerem lembrar as asas de um pássaro. Mas os calcanhares. Pousavam no chão como se não lhe pertencessem. Consegui, só por vê-los, imaginar todo o pé, a curvatura suave, os dedos seguros e leves a tocar no chão, a vontade de voar, a vertigem de cair.

Contou-me, mais tarde, que em criança, se perdia nas estrelas e se imaginava lá longe, onde elas se encontram, como se, ao fechar os olhos, pudesse perder a gravidade e mergulhar naquele útero imenso, voltar à origem.


Os da mulher

A rapariga cozinhava, misturava ingredientes, cortava vegetais, o sal a sair-lhe solto dos dedos, as especiarias na palma da mão, o molho provado na colher de pau, o fumo dos tachos a envolve-la. Tinha uma saia étnica, comprida, t-shirt de alças, uma tatuagem num dos lados do pescoço, o cabelo preto apanhado de forma negligente com uma mola. Uma música oriental ondulava na cozinha. Olhei instintivamente para os pés dela. Estava descalça e num dos tornozelos uma pulseira com guizos. Os pés seguros no chão, os dedos abertos, como garras. Mas os calcanhares. Presentes, fortes, um pouco calejados, levantavam-se milimétricamente do chão a cada movimento, como se quisessem enraizar na terra e fazer de todo o corpo dela uma árvore.

Mais tarde, no campo, ela deitada no chão, o sol a queimar-lhe a cara, ela a misturar-se com a terra, a oferecer-se como semente, amante, a mergulhar naquele útero imenso, para voltar à origem.


sábado, outubro 15, 2011

and i found home








"She came to take me home and I found home.
It happened once.
Once and therefore forever.
(...)

The amazement about the two of us,
amazement about man and woman
has turned me into a human being.

I know now what no angel knows."


Asas do Desejo, Wim Wenders

nocturno

terça-feira, outubro 11, 2011

guardo




(como num cofre que se não pode fechar de cheio)


guardo
no corpo, no corpo
os instantes subtis

o veludo do café
os olhos dos gatos
o vermelho das rosas
o som do mar
o interior de um figo
o movimento da gente que passa
a praia deserta
o silêncio das minhas mãos

abertas
para ti.

(Agosto, 2011)

quarta-feira, outubro 05, 2011

andorinhas




(disseram-me hoje que algumas amizades são como as andorinhas, indo e vindo, cruzando mares e montanhas, unindo e separando, sempre no tempo certo.)

segunda-feira, outubro 03, 2011

o salto


Sonhei que acordava num sábado de Inverno. Tu não estavas na cama e por um segundo pensei que te tinha perdido. Mas segui o teu cheiro e encontrei-te no sofá, enrolada num cobertor a olhar para a televisão. Chamaste-me “anda ver” e eu deitei-me ao teu lado. Estava frio, encostei-me a ti e no ecrã vi passar toda a nossa vida. Rimos juntos, abracei-te com força e tu choraste.

Mas não foi isso que aconteceu. Quando acordei não estavas ao meu lado na cama, nem enrolada no sofá e no ecrã não passava a nossa vida. Como em todas as manhãs, corri para as janelas, confirmei que estavam fechadas.

Saí para a rua ainda em pijama, o kispo vestido à pressa e as botas por apertar. Meti-me no carro, e chovia e eu não via nada à minha frente, mas tinha de te encontrar, como te encontrava sempre. Corri toda a cidade, todos os sítios onde costumavas estar em manhãs assim.

Mas tu eras um nome numa pedra. E ao meu lado só havia mulheres velhas vestidas de preto, flores, cheiro a cera queimada, ladainhas e ocasionalmente um choro ao longe.

Devo ter ficado muito tempo a olhar para a pedra com o teu nome, a tentar chorar, a tentar perceber o que te tinha acontecido porque já era quase noite quando uma das mulheres de preto me veio chamar “vão fechar”.

Tu não podias ser aquela pedra com o teu nome.

Não compreendo. Não choro porque não compreendo. As janelas estavam fechadas. Na noite anterior fizemos amor e parecias feliz. Não me deixaram ver-te. Como podes ser um nome numa pedra, se nunca me deixaram ver-te?

Prometi-te que te salvava, que te salvaria sempre das manhãs de Inverno.

As janelas estavam sempre fechadas.

“Foi só o tempo de ir lá dentro”, disse a vizinha, e correste para a janela aberta.

Tenho o teu cheiro nas minhas mãos, sinto-te no meu corpo, ouço os teus passos e a tua voz doce e triste. A voz que um dia me disse “procura outra mulher quando eu morrer”. Eu abracei-te, a fugir dos teus olhos fundos e disse “não vais morrer”.

Agora sei que todas as mulheres morreram para mim naquela manhã.
Não choro. Procuro-te numa pedra. E as janelas continuam fechadas.



sábado, outubro 01, 2011

para tudo há um tempo

1 Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa
que se deseja debaixo do céu:

2 tempo para nascer e tempo para morrer,
tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,

3 tempo para matar e tempo para curar,
tempo para destruir e tempo para edificar,

4  tempo para chorar e tempo para rir,
tempo para se lamentar e tempo para dançar,

5 tempo para atirar pedras e tempo para as juntar,
tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço,

6  tempo para procurar e tempo para perder,
tempo para guardar e tempo para atirar fora,

7 tempo para rasgar e tempo para coser,
tempo para calar e tempo para falar,

8  tempo para amar e tempo para odiar,
tempo para guerra e tempo para paz.

(...)

Eclesiastes, 3

sexta-feira, setembro 30, 2011

quinta-feira, setembro 29, 2011

domingo, setembro 25, 2011

sexta-feira, setembro 23, 2011

vertigem

João - É uma pessoa muito estranha, sabe.

Júlia - Talvez seja, mas você também é. E, vendo bem, tudo é estranho: a vida, os seres humanos, tudo. Tudo é um lixo que cai sobre a superfície da água, até mergulhar, mais fundo, mais fundo. Há um sonho que eu tenho muitas vezes. Eu estou em cima de uma coluna e não sei como descer. Quando olho para baixo sinto tonturas; tenho de descer, mas tenho medo de saltar. Não posso ali estar, sinto que vou cair, mas não caio. Não há uma pausa. Não haverá paz para mim até eu descer e chegar ao chão. Mas ao tocar o chão, eu quero mesmo é ficar debaixo do chão... Alguma vez sentiu isto?



Menina Júlia, Strindberg

19,5

(ou, não há dias perfeitos)

Os exames tinham acabado, era Julho, o tempo estava bom, e cheias daquela energia e felicidade sem ter porquê da juventude, fomos à praia. Caminhámos, dissemos piadas, estendemos as toalhas, tivemos conversas sérias, tomámos banho, rimos como tolas, falámos de rapazes, gozámos o sol, celebrámos o momento. A certa altura, talvez ao fim do dia, começámos a atribuir "notas" àquela tarde despreocupada, de liberdade e juventude. Demos-lhe 19,5 valores. Para o 20, para um dia perfeito, faltavam-nos, naquele momento, os tais rapazes, faltava-nos o amor.

Não há dias perfeitos. Falta-nos sempre, pelo menos, meio valor. A plenitude pode ser alcançada em pequeninas doses, mas logo se vai embora, deixando-nos com vontade de percorrer o mundo para a voltar a alcançar.

Vi uma vez, num filme, um casamento judeu em que, no fim da cerimónia, embrulhavam um copo de vidro num pano e os noivos tinham de o partir com os pés. Alguém dizia que partir o copo naquele momento de felicidade servia para lembrar aos noivos que nem tudo vai ser bom, e que a tristeza, angústia, os problemas também fazem parte da vida.

A vida é cíclica. Complexa e simples ao mesmo tempo. O que chamamos "bom" ou "mau", "bonito" ou "feio", "feliz" ou "infeliz" mistura-se, não existe separado. Há sempre mais do que uma realidade, ou visão das coisas, e, no entanto, tudo se junta numa unidade, onde tudo está "certo".
É difícil aceitar que seja assim, talvez por isso temos necessidade de julgar, separar conceitos, para sabermos de que lado queremos estar.

Se escolhermos estar ao lado de tudo o que faz a vida avançar, ganhamos força, estamos acompanhados, resistimos melhor à tristeza, desalento. Frequentemente sentimo-nos fluir, "na crista da onda". Mas se esquecemos que os "copos se partem" e que a luz implica sempre uma sombra, vamos ser surpreendidos pelas angústias e podemos ter mais dificuldade em reagir.

No entanto, se calhar, nada desta "conversa newage" valerá para explicar os grandes desastres, a guerra, a fome, a doença...

Contaram-me uma vez que um mestre qualquer do oriente disse um dia, aos que o procuravam para aprender a meditar, que não deviam concentrar-se apenas nas coisas "bonitas", como a chama de uma vela, uma flor, um símbolo, uma cor, mas também nas "feias" e "nojentas", como os intestinos ou a própria merda, porque tudo faz parte da vida e que também isso devemos amar, em nós e nos outros.


Somos feitos de tudo isto, de luz e sombra, de beleza e fealdade, de amor e ódio, de perfume e merda, pele e vísceras.
Somos imperfeitos, incompletos e, por isso, também criadores de sonhos.
E é nesses sonhos que procuramos o lugar onde, mesmo que por breves instantes, nos sentimos inteiros, amados, livres.



Agosto, 2011

quarta-feira, setembro 21, 2011

leonard






(devia ter 15 ou 16 anos quando o vi e ouvi pela primeira vez, num concerto/documentário na rtp. foi amor à primeira vista/audição. nunca me perdoei não ter ido a um dos vários concertos que deu em portugal. faz 77 anos hoje e continua a encantar-me.)

quarta-feira, setembro 14, 2011

beleza


Foto: Leni Riefenstahl

quinta-feira, setembro 08, 2011

Quase nada

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.



Eugénio de Andrade

segunda-feira, setembro 05, 2011

não viriam principes

"(...) Voltei a ir à varanda. É verdade, doutor, voltei. E lá estava eu, se é que consegue imaginar tal coisa; foi terça-feira, lembra-se como estava um dia magnífico? Pois foi o dia em que voltei a perder o juízo. Tinha uns sapatos novos, lindíssimos, que comprei num impulso, vítima de um capricho, e que ainda não usara, porque por estes dias não há na minha vida qualquer pretexto que justifique usar uns sapatos daqueles. Vermelhos, doutor, uns sapatos vermelhos. Pois calcei-os e segui para a varanda; esperava príncipes mas apenas passavam autocarros, repletos de velhinhos e de estudantes, deitando fumo; autocarros, que de certa forma são a antítese dos príncipes: previsíveis e regulares, monótonos. Foram passando e eu fui esperando. Como imagina, não esperava nada de especial, a partir de certa altura esperamos apenas por hábito, da mesma forma que respiramos ou sorrimos, apenas por hábito, sabemos que não vai chegar nada, sabemos que atingimos o plafond, e apesar disso insistimos em esperar. Fui esperando, portanto. E sabe o que aconteceu, doutor? Afinal, sempre tenho qualquer coisa nova para lhe contar, porque o que aconteceu foi algo inesperado. Gostava de lhe dizer que o que aconteceu foi cair-me um dos sapatos novos do pé e acertar na cabeça de um moço que na altura fosse a passar, e calhar o moço olhar e surpreender o meu olhar, e ficarmos para ali a olhar, o sapato no chão e um alto a crescer-lhe na cabeça, o tempo a passar, os autocarros também, e de repente, pimba, percebíamos apenas através do olhar que nos amávamos e que iríamos ser felizes para sempre, ou ainda por mais tempo. Gostava de lhe contar uma historieta destas, sabe porquê, doutor, porque gostava mesmo que me acontecesse uma historieta destas. Mas, infelizmente, o sapato não me caiu do pé, azar. O que realmente aconteceu foi menos extraordinário. Sabe o que foi, doutor? Eu conto, como lhe contei tudo o resto. De repente, percebi que não viria príncipe nenhum. Quer dizer, não percebi, que isso já eu tinha percebido há muito tempo. Não, o que aconteceu foi que aceitei que não vinha príncipe nenhum, que apenas continuariam a passar autocarros e nada mais; por muito bonitos que fossem os sapatos, doutor. Não viriam príncipes. E essa consciencialização súbita foi libertadora. Porque o que eu pensei foi isto: não virão príncipes e ainda bem porque eu não preciso de ser salva. (...)"


ler tudo aqui:
http://agavetadopaulo.blogspot.com/2011/08/72-princesas.html

segunda-feira, agosto 29, 2011

close


"Hold me close to your heart"
Patricia Piccinini



Now that you have a free hand

Istambul


"Now that you have a free hand, kiss the coral lips of your darling:
First press your face on hers, then kiss her alluring eyes.

Your heart is now crowned with glory because you are right at her feet.
Take her lips in your mouth: be a man, kiss her, heart and soul.

No sugar is as sweet as she, only wine is delicious like her.
She is the one who serves the drinks: rub your face on her feet, kiss her skirt

While her hands are busy playing games, wrap your arms around her;
Fondle her fragrant mole, kiss her sweet-scented eyebrows.

Lover, she is God's gift to you, cherish her value:
Keep caressing her neck and off and on kiss her smiling lips."



Suleyman, the Magnificent
(1520 - 1566)

terça-feira, agosto 16, 2011

sentimental

open the love window






Oh, dia, levanta! Os átomos dançam
As almas, loucas de êxtase, dançam
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança
Ao ouvido te direi aonde a leva a sua dança.






There is some kiss we want with
our whole lives, the touch of

spirit on the body. Seawater
begs the pearl to break its shell.

And the lily, how passionately
it needs some wild darling! At

night, I open the window and ask
the moon to come and press its

face against mine. Breath into
me. Close the language-door and

Open the love window. The moon
Won't use the door, only the window.






sábado, agosto 13, 2011

quinta-feira, agosto 11, 2011

quarta-feira, agosto 10, 2011

improvisação


Recebo a luz enquanto caminho
de olhos fechados
encontro-me no espaço
e sou só o tempo em que me dou
ao movimento
em que me sinto e insiro.

Confio no ritmo universal da vida
que guia o meu corpo ao encontro
com outro corpo em que
me espelho, cúmplice.

"Saio de mim para me encontrar"
perco-me no tempo
invento-me no espaço
procuro o sopro,
o respirar.

No espaço em branco reescrevo-me
na memória do corpo encontro
o segredo do movimento imóvel
e sou poema vivo.

2000


(Entre 1999 e 2001 fiz vários workshops de movimento e dança contemporânea, foram vários fins de semana de re-descoberta do corpo, meu e dos outros, do espaço, do tempo, de novas possibilidades de movimento e de pensamento. Frequentemente, quando chegava a casa, com o corpo e a mente ainda em movimento interior, escrevia coisas como a que está aqui. )

segunda-feira, agosto 08, 2011

nu


Eduardo Viana
MNAC

quinta-feira, agosto 04, 2011

no trapézio





Inábeis, sabemos o que é preciso fazer mas vamos no sentido contrário.
Sabemos que, se olharmos melhor, encontramos a tal peça do puzzle mas preferimos tentar colocar um quadrado dentro dum círculo.
Ficamos muitas vezes tristes, solitários. 
Podemos até deixar de tentar, de arriscar. Enchemo-nos de cautelas, jogamos à defesa.
Fingimos estar bem, não queremos ver, tapamos os olhos.
Temos o vislumbre do que pode ser mas não temos mais forças e coragem para nos atirarmos, sem rede, para o vazio.
Precisamos das escolhas da maturidade mas pensamos como crianças e queremos tudo.


É preciso abdicar de uma coisa para agarrar a outra, totalmente, de corpo e alma.
A hesitação é a morte do artista, é a queda do trapézio.
É preciso superar este lado trágico que somos.
É preciso a poesia e a catarse.
É preciso a auto-superação

Março de 2011



terça-feira, agosto 02, 2011

dois de agosto de mil novecentos e noventa e nove

quetzalcoatle, a serpente emplumada


"Serenamente toco no chão com as palavras e não sinto já medo. Estou na terra e ela está em mim. Os meus pés deslizam suaves pelas ervas no chão e não sentem já a diferença que há entre eles e o território em baixo.
Dos pés emerge algo forte, profundo e sólido como a própria terra, e esta energia envolve-me todo o corpo, eleva-me os pensamentos, que fluidos, se misturam com tudo o que me rodeia.

E vejo as pessoas, sou como elas;
Vejo o rio, deixo-me levar na sua corrente;
Olho o céu e brilho no luzir das estrelas, mergulho na escuridão do universo;
Encontro-me com a Lua e sou só o olhar que lhe dirijo, pertenço-lhe;
Nasço com o sol e a sua luz ilumina-me o espirito, o seu calor derrete-me o corpo, sou só energia;
Oiço a chuva na natureza, sinto a sua fresca humidade, e lavo de mim todas as impurezas;
Mergulho no mar e sou de sal e água, de sol e vento, de luz e fogo, de terra e ar.
Estou aqui e tudo está em mim, sou só este instante breve que passou...

Serenamente, olho o passado e não estou nele; serenamente invento um futuro e ainda não estou nele. Estou aqui, na minha vida, no meu presente, que se altera minuto a minuto, pensamento a pensamento.

Toco o chão com palavras imaginárias, com pés reais e imagens só minhas.
Toco o chão e sinto o meu peso, sinto a gravidade que me empurra para a terra, que me puxa, que me envolve com doces palavras, que me promete uma tranquilidade ainda utópica. Presa ao chão (como réptil?), já não é o desconforto que sinto, mas apenas um chamamento maior, que me aproxima de tudo o que há de bom em mim.

Serenamente, misturo o sonho de voar com a força das raízes que me prendem à terra, e entre a ave que não sou e o réptil que não quero ser, invento um novo espaço, uma nova forma de estar, um pássaro  que voa envolvido no conforto da terra..."

2-08-1999

domingo, julho 31, 2011

outra dimensão

frigorífico

Gosto de entrar em lojas de electrodomésticos e de móveis. Não compro nada, fico só a ver e à procura de estórias. Há sempre homens a olhar para os enormes ecrãs lcd que gostariam de comprar mas não lhes cabem na sala nem no orçamento; há sempre mulheres a passear nas salas e quartos decorados a imaginarem uma vida familiar assim, arrumada e artificial.
Na verdade, sempre que vou a essas lojas, ando à procura deles. Do casal jovem a discutir o tamanho do frigorífico. Há uma estória com eles mas ainda não encontrei o fio condutor. Conheço apenas fragmentos e sei que o frigorífico tem um papel importante no desenlace.
Já os vi antes. Na ourivesaria, a escolher o anel de noivado, ela a cobiçar um anel com um diamante verdadeiro e ele preocupado a dizer "não gostas mais daquele?", apontando para outro com uma pequena pérola. Compraram o do diamante. Ele a suar enquanto entregava o cartão de crédito.
Anos mais tarde, ela a fumar, à porta da loja de roupa barata onde trabalha. Mais gorda, muito pintada, o cabelo com madeixas, uma t-shirt estampada com dourados, caças justas e sandálias de meter o dedo. Vendeu o anel e a aliança para entrar na sociedade da loja com o novo namorado que conheceu nas danças de salão depois do divórcio.
Ele voltou para casa da mãe. "Eu disse-te que ela não prestava", diz a senhora todos os dias, ao servir a sopa. Ainda está a pagar o crédito do anel, mas não sei qual dos dois terá ficado com o frigorífico.