(ou, não há dias perfeitos)
Os exames tinham acabado, era Julho, o tempo estava bom, e cheias daquela energia e felicidade sem ter porquê da juventude, fomos à praia. Caminhámos, dissemos piadas, estendemos as toalhas, tivemos conversas sérias, tomámos banho, rimos como tolas, falámos de rapazes, gozámos o sol, celebrámos o momento. A certa altura, talvez ao fim do dia, começámos a atribuir "notas" àquela tarde despreocupada, de liberdade e juventude. Demos-lhe 19,5 valores. Para o 20, para um dia perfeito, faltavam-nos, naquele momento, os tais rapazes, faltava-nos o amor.
Não há dias perfeitos. Falta-nos sempre, pelo menos, meio valor. A plenitude pode ser alcançada em pequeninas doses, mas logo se vai embora, deixando-nos com vontade de percorrer o mundo para a voltar a alcançar.
Vi uma vez, num filme, um casamento judeu em que, no fim da cerimónia, embrulhavam um copo de vidro num pano e os noivos tinham de o partir com os pés. Alguém dizia que partir o copo naquele momento de felicidade servia para lembrar aos noivos que nem tudo vai ser bom, e que a tristeza, angústia, os problemas também fazem parte da vida.
A vida é cíclica. Complexa e simples ao mesmo tempo. O que chamamos "bom" ou "mau", "bonito" ou "feio", "feliz" ou "infeliz" mistura-se, não existe separado. Há sempre mais do que uma realidade, ou visão das coisas, e, no entanto, tudo se junta numa unidade, onde tudo está "certo".
É difícil aceitar que seja assim, talvez por isso temos necessidade de julgar, separar conceitos, para sabermos de que lado queremos estar.
Se escolhermos estar ao lado de tudo o que faz a vida avançar, ganhamos força, estamos acompanhados, resistimos melhor à tristeza, desalento. Frequentemente sentimo-nos fluir, "na crista da onda". Mas se esquecemos que os "copos se partem" e que a luz implica sempre uma sombra, vamos ser surpreendidos pelas angústias e podemos ter mais dificuldade em reagir.
No entanto, se calhar, nada desta "conversa newage" valerá para explicar os grandes desastres, a guerra, a fome, a doença...
Contaram-me uma vez que um mestre qualquer do oriente disse um dia, aos que o procuravam para aprender a meditar, que não deviam concentrar-se apenas nas coisas "bonitas", como a chama de uma vela, uma flor, um símbolo, uma cor, mas também nas "feias" e "nojentas", como os intestinos ou a própria merda, porque tudo faz parte da vida e que também isso devemos amar, em nós e nos outros.
Somos feitos de tudo isto, de luz e sombra, de beleza e fealdade, de amor e ódio, de perfume e merda, pele e vísceras.
Somos imperfeitos, incompletos e, por isso, também criadores de sonhos.
E é nesses sonhos que procuramos o lugar onde, mesmo que por breves instantes, nos sentimos inteiros, amados, livres.
Agosto, 2011
sexta-feira, setembro 23, 2011
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4 comentários:
"É difícil aceitar que seja assim, talvez por isso temos necessidade de julgar, separar conceitos, para sabermos de que lado queremos estar."
Sujeitamos-nos demais à razão, e acabamos por perder a liberdade. Um qq Arthur famoso é que dizia uma coisa parecida...:-)
bj
Onde é que se desliga (a razão)? ;)
(qual foi o Arthur famoso?)
beijos
é verdade. não sei. mas há pessoas com um consumo (de razão) mais elevado...
Schopenhauer
(lembro-me de ler um pouco sobre arte. a maioria das coisas que recordo são dele e do Kant. mas foi mesmo só sobre arte e estética... de resto não conheço nada...:))
(não vás pensar que ando a ler Schopenhauer)
Olha eu não me lembro nada, nem de um nem do outro, nem sequer sobre arte e estética :)
essas pessoas com consumos elevados de razão, como eu, são umas tristes, mas que se há-de fazer? :)
bj
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