Nadia Comaneci, 1976
Em 1976 eu ainda era muito pequena para ter visto os jogos olímpicos e me lembrar, mas lembro-me de a ver, provavelmente nos jogos de 1980; queria ser como ela, conseguir fazer aquilo tudo (ou quase tudo, vá lá...) com o meu corpo.
(Nessa ocasião também queria ser bailarina. Como não havia nada, mas mesmo nada, no sítio onde vivia que se parecesse com ginástica ou ballet, limitei-me a mexer-me sozinha, como me apetecia).
Mais tarde soube como os treinos eram absolutamente duros e tiranos e que muitas destas atletas ficam marcadas para o resto da vida.
Mas isto tudo a propósito de perfeição. Para mim, a perfeição era a Nadia Comaneci e a minha impossibilidade de a alcançar.
Muito cedo inculquei em mim própria que a perfeição não estava ao meu alcance. Que podia tentar aproximar-me, fazer "o meu melhor", mas que dificilmente poderia obter um "10 perfeito".
Para me proteger das frustrações comecei, ainda em criança, a não elevar demasiado as expectativas e até a reduzi-las ao ponto de, em muitas situações, nem sequer tentar iniciar uma actividade. Meti na cabeça que todo o caminho até ao "10" estava além das minhas capacidades, então não me esforçava.
Claro que, quando uma pessoa é boa ou pelo menos eficiente a uma coisa e gosta de a fazer, tudo muda. Havia actividades, disciplinas, em que era "fácil" ser boa e, sem grande esforço, já estava a caminhar um pouco para lá do "meu melhor". Com o tempo percebi que quando gosto muito de fazer/ aprender uma coisa, instintivamente, coloco a mim própria os desafios e elevo a fasquia, não tanto para ser perfeita mas porque só assim é que o caminho se torna divertido, interessante, estimulante.
Esta última parte só assimilei completamente quando comecei a fazer teatro. Percebi que não interessa tanto querer o 10, ser a Nadia Comaneci, o que interessa é o caminho que se faz para chegar lá; e que é possível estar, nem que por pequenos instantes, nem que seja apenas uma vez na vida, muito perto da perfeição.
No entanto, nas outras áreas "não artísticas" em que me movo e trabalho (o que equivale, infelizmente, neste momento, a 90% do meu tempo...) continuo a ter dificuldade em colocar-me desafios, a encontrar o gozo e estímulo no caminho... Creio que desisti de tentar mais do que "o meu melhor", simplesmente porque deixou de ser estimulante ir mais longe...
Por outro lado, há uma área em que os desafios são constantes, quer eu os invente ou não: a mente. O pensamento foi sempre, ao mesmo tempo, o que me perde e o que me salva. Superei, vejo agora, obstáculos duríssimos, quase só através do pensamento, da razão, da auto-análise. E da escrita que foi, durante anos, a minha única e melhor terapia.
Com a prática de meditação zen (não é a mesma coisa: pensar não é meditar) fui ultrapassando outros limites, como, por exemplo, o estado de "não-mente"; de "desapego"; de "mindfulness"; de "isto" ou de "aqui e agora".
Pode parecer exagero mas encaro a meditação como uma espécie de desporto radical. Não se procura a perfeição, nem competir, e a própria ideia de ultrapassar limites deixa de ter qualquer sentido.
Na meditação trata-se apenas de respirar e de ser. De ser com os outros, sem julgar, aqui e agora, sem passado, sem futuro.
O que não é nada fácil.
O que não é nada fácil.
Por isso, quer a meditação, quer o pensamento (e consequentemente as emoções e sentimentos associados) podem produzir em mim efeitos tão intensos e radicais como um salto mortal à retaguarda.
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