domingo, dezembro 29, 2013

salto

John Florea





(mais um ano. que seja bom.)

quinta-feira, dezembro 19, 2013

à procura do verão


"At noon on the half-sandy slopes covered with heliotropes like a foam left by the furious waves of the last few days as they withdrew, I watched the sea barely swelling at that hour with an exhausted motion, and I satisfied the two thirsts one cannot long neglect without drying up--I mean loving and admiring. For there is merely bad luck in not being loved; there is misfortune in not loving. All of us, today, are dying of this misfortune. For violence and hatred dry up the heart itself; the long fight for justice exhausts the love that nevertheless gave birth to it. In the clamor in which we live, love is impossible and justice does not suffice. This is why Europe hates daylight and is only able to set injustice up against injustice. But in order to keep justice from shriveling up like a beautiful orange fruit containing nothing but a bitter, dry pulp, I discovered once more at Tipasa that one must keep intact in oneself a freshness, a cool wellspring of joy, love the day that escapes injustice, and return to combat having won that light. Here I recaptured the former beauty, a young sky, and I measured my luck, realizing at last that in the worst years of our madness the memory of that sky had never left me. This was what in the end had kept me from despairing. I had always known that the ruins of Tipasa were younger than our new constructions or our bomb damage. There the world began over again every day in an ever new light. O light! This is the cry of all the characters of ancient drama brought face to face with their fate. This last resort was ours, too, and I knew it now. In the middle of winter I at last discovered that there was in me an invincible summer."


Albert Camus, Return to Tipasa


(completo aqui. infelizmente não encontrei o original em francês)

http://zenpencils.com/comic/141-albert-camus-the-middle-of-winter/

terça-feira, dezembro 17, 2013

resignar


Sonia Szóstak

sábado, dezembro 14, 2013

segunda-feira, dezembro 09, 2013

promessa



Lieke van Lexmond
Playboy Netherlands 2007




porque o erotismo é muito mais o que é sugerido, do que o revelado,
ou uma promessa de uma história.

domingo, dezembro 08, 2013

quarta-feira, dezembro 04, 2013

tudo tralha


Albert Einstein




estou cada vez mais convencida que muitos problemas seriam evitados se as pessoas não se levassem tão a sério.

damos-nos demasiada importância.
ficamos chateados ou feridos inutilmente.

ultimamente tenho observado algumas situações dessas.
de uma rigidez de pensamento inútil, sem sentido.
só me dá vontade de rir.
(também me calha a mim, não me excluo.)

é tudo tralha, é tudo ego.
é tudo posse.


claro que não estou a dizer para não levarmos o nosso trabalho a sério, as relações inter-pessoais e familiares a sério, etc.
apenas que há situações pouco importantes que são tratadas como um crime de lesa-majestade.
normalmente são situações em que nos sentimos "donos" ou "possuidores" de qualquer coisa (por exemplo, da verdade), e ao vermos essa posse "atacada", ressentimos-nos.

mas é tudo tralha. é tudo ego. 
apego. 

no fim, somos todos pó.










terça-feira, novembro 26, 2013

vida


a vida sempre procura a vida





esta pequena planta, que devia estar no exterior a receber luz do sol directa, tem sido uma sobrevivente.

inicialmente colocada num outro espaço, a pequena haste foi crescendo em comprimento, procurando a luz do sol. 
as folhas nasciam, murchavam, dava umas florzinhas quase sem cor, a haste crescia um pouco mais, e as novas folhas nasciam apenas próximo da ponta, ou seja, onde apanhavam mais energia.

até que, sem razão aparente, deixou de crescer e começaram a surgir novas folhas, mais verdes e saudáveis, na parte que tinha ficado para trás, e a ponta acabou por secar.

mudei-a de lugar para um sítio onde apanhava mais sol, e as folhas continuaram a crescer, formando também novas hastes a partir da primeira.
ficou pesada, com uma frágil e longa haste a carregar as novas e cheia de folhas grandes.
como este sítio era mais difícil de aceder, um dia ao querer regá-la, o vaso caiu e as hastes partiram-se todas.

achei que podia não recuperar, que tinha sido um sinal e que não devia te-la mudado de lugar.
ainda assim, pequei nos ramos partidos e coloquei-os na terra, reguei e adubei e fiquei à espera.
sobreviveu. as hastes mais novas começaram o seu caminho à procura da luz, as folhas reviraram para receber melhor o sol, e apesar de estar um pouco torta de tanto procurar a energia, está verde, saudável, com folhas novamente grandes e flores vermelhas, finalmente.

devia estar no exterior e apanhar sol de todos os lados, sem ter que se esforçar para procurar a luz que vem a horas certas visitar a janela.

mas sobrevive.


como eu.


também eu nestes dois anos (mais ou menos o tempo que tem a planta) me tenho distorcido à procura da luz, do sol, da energia, do que me faça gostar de viver. também eu me parti toda quando fui obrigada a mudar de lugar e o pensamento se tornou demasiado pesado.
também me replantei, no mesmo vaso mas com nova terra, me adubei com o que veio de fora e o que vivia dentro. também eu ainda estou em recuperação, reconstrução, procurando com esforço o sol, deixando morrer as folhas mais atrás para que as da frente sobrevivam. também eu tenho, apesar de tudo, algum espaço em mim para que as flores nasçam vermelhas.

tudo vive, tudo é movimento, mudança, circulo contínuo de renovação.


a vida sempre procura a vida.







domingo, novembro 24, 2013

sábado, novembro 23, 2013

luz


yayoi kusama
infinity mirrored room - the souls of millions of light years away, 2013

terça-feira, novembro 19, 2013

quiet






mergulhando no nevoeiro
uma falsa calma, opaca

para deixar que o fora
revire o dentro

e me leve à calma autêntica

para que o nevoeiro me revele

e seja nítida a mim
e aos outros






sexta-feira, novembro 15, 2013

opiniões




quando não dava opiniões era mais feliz.


mas não se deve voltar aos lugares onde fomos felizes, não é?


e como também já me disseram, a tolerância com que não discuto (discutia) certas coisas, também pode ser vista como arrogância.


conversar, precisa-se.
e nunca foi tão difícil para mim conversar, ouvir, dar atenção.
(talvez por isso também não a receba, como antes - mas o antes... pois é, o antes não interessa nada...)


talvez só o silêncio seja possível.



(compreender implica alargar, ver de vários prismas, e depois vê-se tanto e de tantos ângulos, que a compreensão fica torta. incoerente e idiossincrática me confesso. entre voltar e reconstruir, perco-me. aceito os estilhaços e despojos com que me refaço, mas onde buscar novos materiais para este edifício?)








terça-feira, novembro 05, 2013

paisagem





(tens razão, o que preciso mesmo é de paisagem, não necessariamente esta, mas paisagem. e do resto também :) mas principalmente de paisagem)

sexta-feira, novembro 01, 2013

sexta-feira, outubro 25, 2013

want


Tracey Emin

sábado, outubro 19, 2013

vai! vai! vai! vai!

Vinicius faria hoje 100 anos.

quinta-feira, outubro 17, 2013

...e não se pode cloná-lo?



sobre a respiração:

"Vivemos numa sociedade que visa o lucro, acima de tudo e ensinar a respirar não traz grande lucro. O modo como se respira pode controlar muito o nosso corpo. Os bailarinos sabem disso, os ginastas sabem disso, às vezes os médicos e os psiquiatras é que parecem não saber. Mas isto da respiração não está devidamente desenvolvido, não é o mainstream. Toda a gente sabe da importância de saber respirar, menos a ciência médica oficial. Às vezes quando nos dizem respire fundo, só estão a agravar o problema. Viu o último filme do Woddy Allen? Ela, a personagem principal, diz que entrou em crise de pânico, mas depois quando respira fundo para aliviar, fica ainda pior. Até os realizadores de cinema sabem disto, mas os psiquiatras não!"



Sobre a Depressão:

É porque é a mais grave?
Não. É porque é a mais frequente e a que rende mais. Para que os laboratórios vendam mais antidepressivos. A depressão patológica, tem um enquadramento sintomático e quando acontece tem mesmo de ser tratada. Uma coisa semelhante à depressão, um modelo, se quisermos, é a perda. Quando perdemos alguém ficamos tristes. Perdemos essa relação e, muitas vezes, perdemos a relação com as outras pessoas. Refugiamo-nos, ficamos em casa, sozinhos, apáticos e a certa altura perdemos a própria sincronização com o sol, dormimos de dia, estamos acordados de noite, é a chamada alteração dos ritmos circadianos. E mesmo o adormecer muito cedo e ter um acordar precoce, também são sintomas a ter em conta. O mesmo acontece com a perda de estatuto, de referências, de emprego. A vida é mudança e as pessoas não lidam bem com ela, apesar de todos sabermos que é assim, que a vida muda. Não podemos esquecer que também é verdade que quem perde alguém, quem fica dessincronizado com tudo também se pode voltar a apaixonar, que é quando ganha alguma coisa ou faz por a ganhar.
Mas temos de ter cuidado neste diagnóstico, porque agora toda a gente diz que está deprimida. E isso só favorece os laboratórios.





Sobre razão e emoção:

"Escreveu: “Outro sinal dos novos tempo é ter-se dado uma maior importância aos sentimentos do que ao raciocínio”.Tudo isto tem de ser equilibrado. O sentimento também tem a ver com uma coisa que nós não conhecemos que é a moral biológica. Isto tem a ver com a reprodução, com a sobrevivência da espécie, do individuo. A moral biológica tem a ver com os sentimentos. Por exemplo, uma célula para viver, não vive sozinha, está no meio de um tecido. Há uma espécie de compromisso com o corpo, para que ela se mantenha ali. Se ela se reproduz sem restrições, origina um cancro. A sua vontade até seria reproduzir-se, mas existem as constrições do corpo, que não deixam. O prazer da célula era reproduzir-se. Para dizer que há aqui um jogo entre o prazer e o dever. Nós, de certo modo, também funcionamos assim. Temos de arranjar um equilíbrio permanente. Entre o dever e o que nos apetece fazer, porque nós também não sobrevivemos fora da sociedade."



sobre homens e mulheres:


Escreveu: “Mulheres e homens é como se fossem de espécies diferentes, desde a biologia aos instintos. Mas é impossível não fazer por se compreender mutuamente.” Tem uma receita simples?Isto é politicamente incorreto. Mas depois de todos estes anos a pensar no assunto e depois de ter acreditado, um dia, que eramos todos iguais e, depois ainda, de ter assistido à emancipação da mulher, nos anos 60, tenho, agora a plena noção de que somos muito diferentes, cada vez se nota mais que somos completamente diferentes. É muito difícil uma mulher compreender um homem e vice-versa. Nos casais é terrível. Seduzem-se. As mulheres entre si compreendem-se muito bem; ou homens também. Mas é preciso evitar a situação de que as mulheres acham que compreendem tão bem os homens que, depois, os acham todos iguais. E o mesmo raciocínio é válido para os homens. De modo que não há receitas simples. Não há nada simples na vida humana. Mas se houvesse uma regra, seria a discriminação positiva. Na maior parte das vezes, a favor dos homens, agora. Por exemplo, nos empregos públicos. Existem muitas instituições e repartições públicas onde existe uma desproporção enorme entre homens e mulheres. A preocupação com a paridade entre homens e mulheres é fundamental. Ambos têm competências e sensibilidades diferentes, que se equilibram e complementam muito bem. Isto para dizer, de uma forma simples, que um homem não vê nada de jeito sem uma mulher e uma mulher não vê nada de jeito sem um homem.



sobre sincronização:

Tem mais projetos editoriais?
Sim. Estou a desenvolver algumas ideias. E uma delas tem a ver com o que já disse. A relação, o bailado que existe entre as pessoas. Uma relação é uma sincronização com a outra pessoa. Acordar ao mesmo tempo, dormir ao mesmo tempo, chegar a casa ao mesmo tempo, fazer as refeições ao mesmo tempo. A mesa é um aspeto importante. Os horários das refeições conjuntas. Mas ando à volta disto. Das pessoas sincronizadas, inclusivamente, nos pensamentos, quase que sincronizam ondas mentais. A dança entre um homem e uma mulher é um bom exemplo da relação, da sincronização dos ritmos que nós temos, com os outros e até com os astros. E acho, lá está, que a depressão é uma perda dessa sincronização. Repare: nos mamíferos o mais importante é a sincronização com a família; os peixes não precisam. É muito importante o sentimento de pertença; o amor, no final das contas! Por isso é que quando as pessoas se apaixonam, voltam a procurar a sincronização, voltam a sentir-se capazes de tudo e seduzem. Às vezes acontecem coisas estranhíssimas de sincronização entre duas pessoas. Coisas que ainda não estão completamente estudadas.



José Luís Pio Abreu   - entrevista completa aqui

quarta-feira, outubro 16, 2013

... nos olhos de um gato



Poema do Desamor 


Desmama-te desanca-te desbunda-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato

Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato

Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato

Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato

Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato


Alexande O'Neill

sábado, outubro 12, 2013

terça-feira, outubro 08, 2013

domingo, setembro 29, 2013

quebrar o ciclo







a única maneira de quebrar este ciclo é contrariar o "não fazer nada", mesmo que custe muito muito muito fazer alguma coisa...

não posso dizer que esteja totalmente prostrada, mas preciso arriscar fazer coisas diferentes e é isso que está a custar.
esta semana tive uma ajuda: MM, que já não via há 5 anos, convidou-me para tomar café, o que foi um incentivo para depois ir ao cinema. conversar com alguém que não gira à volta do meu círculo de amigos habitual também me fez bem. 
a conversa e o sítio onde estivemos transportou-me para momentos felizes, intensos, passados com pessoas que agora quase não vejo.

não estou nostálgica, nem quero, ainda que pudesse, voltar a esse tempo.

mas percebi uma coisa que me ajudou a crescer num momento em que também me encontrava mal, a sofrer de uma solidão terrível, falta de perspectivas, medo e ansiedade quanto ao futuro : tive a sorte de ter a companhia de pessoas serenas, que me olharam tendo em conta o meu potencial futuro e não a paralisia do presente. pessoas que agiam também em relação a elas próprias como se os seus desejos ou metas já estivessem a acontecer no presente. o facto de acreditarem na realização do  seu potencial e agirem na direcção dos seus desejos, mas sem angústia, com alegria e amor, fez-me acreditar que também eu podia sonhar o que parecia impossível.
até que, num inesperado salto quântico, todos nós nos aproximamos do que queríamos.

acho que é isso que preciso neste momento: traçar alguns sonhos/ objectivos por mais impossíveis que sejam, e agir como se já estivessem aqui, no presente, fazendo-os acontecer. 
mas também sair do ciclo acção-reacção dos comportamentos.

há tempos li uma frase num site sobre yoga que era qualquer coisa assim: "não julgue os outros pelos seus comportamentos, mas sim pela sua essência, o seu ser."
parece estranho e contrário ao que tenho vindo a aprender a partir do teatro e do meu trabalho: que as pessoas são o que fazem, que são as acções (e não as palavras, por exemplo) que mostram o que a pessoa realmente é.

o que eu interpreto da frase é que as nossas acções/ comportamentos são muitas vezes condicionados por inúmeras circunstâncias e factores internos e externos, muito lixo emocional e intelectual acumulado, que nos colocam num ciclo de acções/ reacções (o tal de karma), ocultando e impedindo o acesso ao nosso ser.
mas quando olhamos, para nós ou para os outros, tentando ver para além desse lixo, acreditando em todo o potencial da pessoa, estamos a dar-nos e a dar aos outros a oportunidade para quebrar o ciclo.

talvez não seja algo que se possa fazer com toda a gente - não creio que consiga, por exemplo, ter este olhar para com alguns comportamentos mais gravosos - mas sei por experiência própria que em algumas situações resulta.



sábado, setembro 28, 2013

protecção?






Karl Blossfeldt




segunda-feira, setembro 23, 2013

... eis a questão.



começo hoje um "quase diário" da minha finalmente depressão.
depois de anos de melancolia e tristeza e burnout e resiliência, parece que finalmente consegui um diagnóstico a sério.
espectacular. tantas vezes vai o cântaro à fonte....

depressão, luto, seja o que for, desta vez é diferente.
sinto-o na cabeça e no corpo.
ao contrário das outras vezes, em que, apesar da dor, sentia sempre que era um processo construtivo, evolutivo, como uma cobra a mudar de pele, ou, para a imagem ser mais bonita, uma larva a crescer borboleta, desta vez sinto só dor, só apatia, só cansaço, só "um não sei quê" na mente que continuamente me confunde.

tenho prática de resistência e por isso nem sempre pareço estar mal, e, na verdade, consigo encontrar momentos de tranquilidade, quase um regresso a uma lucidez e vontade de avançar para um qualquer lado que não seja este, o tal crescimento e auto-conhecimento que sempre desenvolvi.

mas depois, não vou para esse lado. está tão perto e tão longe. está aqui ao lado, à distância de um milímetro, mas não consigo dar o passo.
não, não é por masoquismo, vontade de me manter no sofrimento para ter ganhos secundários. é mesmo falta de força, dificuldade em dar o pequeno salto que me separa da vida para além da tristeza. 

mas claro, a dificuldade em tomar decisões, já crónica, aumenta. e por isso também o passo não se dá.

chorei o verão todo. 
há exactamente uma semana receitaram-me anti-depressivos.
deprimi ainda mais porque não queria tomá-los. deprimi ainda mais porque queria não estar assim.

não tomei.
fui a um psicólogo que diagnosticou luto e deu-me trabalhos de casa.

reagi e pareço estar melhor.
choro menos mas continuo cansada e o pensamento parece parado.

e por isso a dúvida instala-se: tomar ou não tomar? eis a questão...

por enquanto não tomar. mas ao mínimo sinal de lágrimas a vontade começa a crescer.

não quero mais estar triste.
estou cansada.









quarta-feira, setembro 18, 2013

impasse










"quando ir conduz ao impasse, volte para trás."

I Ching








é isso.
às vezes precisamos dar alguns passos para trás para conseguir avançar.
agora é só ter coragem.
raio de vida...






sexta-feira, setembro 13, 2013

rodriguez




Quem ainda não viu o filme, que corra a ver. Uma das melhores coisas que vi este ano.

quarta-feira, setembro 11, 2013

difícil


The hard lesson 
William-Adolphe Bouguereau

segunda-feira, setembro 09, 2013

e livrai-nos de todo o mal...







(sim, livrai-me do mal.
de todo o mal. o meu mal interior, o meu veneno, a minha angústia.
e do mal dos outros, da maldade que observo e escuto. 

não quero mais isto, não quero mais isto.
não quero mais este frente a frente quotidiano com o que há de pior na humanidade.
a empatia está a colocar-me num lugar perigoso.

por isso peço, livrai-me de todo o mal.

deste karma pegajoso que se cola à minha pele e me contamina a alma.

não sei como escapar e só por isso continuo.

apenas a beleza me dá um pouco de paz -
como o brilho azul intenso do céu neste fim de verão.)

sábado, agosto 24, 2013

domingo, agosto 04, 2013

três números acima


Helmut Newton




a única vez que experimentei uns sapatos de salto alto com os quais senti algum conforto e que poderia andar com eles sem cair, eram três números acima.

por vezes parece que tudo na minha vida se equipara ao que eu chamo de "síndrome cinderela" - a extrema dificuldade que tenho em encontrar sapatos que me sirvam (altos ou baixos é indiferente) - ou seja, está tudo três números acima, e eu não encaixo.

problema anatómico, estrutural, de personalidade, distorção, má percepção da realidade ou simplesmente falta de sorte? 

o meu avô gozava connosco, quando não gostávamos duma roupa ou outra coisa do género, dizia "tens de ir a Londres", acusando a nossa "esquisitice".

esquisita ou não, é um trabalho árduo a constante adequação que tenho de fazer para me encaixar num puzzle onde as peças raramente coincidem com as minhas.

vão-me dizer que é assim com todos nós. que há momentos na vida em que todos nos sentimos perdidos e sem perceber qual o nosso "lugar à mesa", porque as regras mudaram e temos de nos adaptar.
será. 
mas que cansa, cansa.





quarta-feira, julho 31, 2013

terça-feira, julho 30, 2013

resolve fugir


noah kalina






Júlia está sentada na cama. A janela aberta faz entrar a luz nocturna da cidade, o vento ondula a cortina velha do quarto de João. Ele adormeceu, como sempre, depois do sexo. Júlia procura as cuecas, as calças e a t-shirt no chão do quarto. Veste-se devagar para não o acordar. Onde estão os brincos? Procura-os na mesa-de-cabeceira, debaixo da cama, na cómoda… Os brincos da Mamã, não posso perder… e finalmente, no chão da casa de banho, ao levantar as calças de João, um brilho de pérolas, Como raio foram parar ali?
Júlia põe os brincos, ajeita o cabelo frente ao espelho, lava a cara.
Nesta fase Júlia tem 21 anos, o cabelo curto, espetado, assimétrico, levemente punk, pintado de preto - Júlia é loira. Tem um piercing na língua e uma tatuagem de marinheiro no ombro esquerdo  - um coração vintage com a inscrição “amor de mãe” - que João detesta.  É vulgar, diz ele. Não mais vulgar que um golfinho ou uma borboleta, contestou Júlia, orgulhosa por ter a coragem de tatuar a coisa mais feia que encontrou. Fez de propósito, claro. Aliás, Júlia tem feito tudo para se tornar feia, para contrariar a ideia de princesinha loira. As roupas são o dobro do seu tamanho, calças de militar, t-shirts velhas.
João dorme e ela sai sem que ele se aperceba. Júlia nunca dorme com os homens com quem fode, mas João é o único que sabe disso e não se importa.
Lá fora, acende um cigarro. Quem a visse pensaria ser um homem. Entra no Jeep e segue para casa. Merda, são 4 da manhã, o que é que o Papá está a fazer acordado? - Ao ver luz na janela do salão. Hesita entre voltar para o quarto de João ou entrar em casa e ter “aquela conversa” com o pai. Abre a janela do Jeep e fuma mais um cigarro. Resolve fugir.
São 7 da manhã. Júlia percorreu a cidade, entrou numa discoteca, bebeu cerveja, dançou, voltou a sair, andou outra vez às voltas pela cidade, parou numa estação de serviço para comprar tabaco e antes de voltar para o Jeep, foi à caixa automática. Tinha dinheiro suficiente para fazer uma loucura. Naquela conta o pai não podia mexer, como fez das outras vezes. Atestou e partiu.


quarta-feira, julho 17, 2013

"escarafunchar a ferida"


Adriana Varejão




... porque insistimos sempre em escarafunchar a ferida? 

de repente, mas nunca sem razão, qualquer coisa "arde" dentro da pele e precisamos destapar a crosta que cicatriza a dor, a insegurança, o medo; olhar de frente o sangue, e como num abismo deixamos-nos cair no rasgão aberto na pele.

mas de nada serve escarafunchar a ferida. parecendo aliviar uma necessidade qualquer, só adia a cicatrização que já tínhamos iniciado.







quinta-feira, julho 11, 2013

quarta-feira, junho 26, 2013

wild at heart






ando para rever este filme há séculos.
quando o vi, no ex-cinema do Girasolum, com um grupo de colegas da faculdade, logo no meu primeiro ano em Coimbra, e quando ninguém gostou excepto eu, devia ter logo percebido que tinha um "gosto desviante" do da maioria mainstream.

tramado ter passado todos os anos da faculdade a gostar de muitas coisas diferentes do meu grupo de pares, ter de ir quase sempre ao cinema e ao teatro sozinha, porque ninguém arriscava o que não era "garantido".

com o tempo, lá fui arranjando companhia para algumas coisas, e fui também conhecendo algumas pessoas que iam às mesmas coisas que eu.

e o gosto foi-se aprimorando quando, anos mais tarde, conheci pessoas que não só gostavam dos mesmos filmes que eu, como sabiam muito sobre cinema e ainda me levaram a conhecer filmes que de outra forma nunca veria.
foi a minha fase cinéfila, cliente habitual do ex-Estúdio 2 do Avenida.
vi quase tudo o que aparecia nessas sessões especiais, cheguei a ver dois filmes por dia.

infelizmente, como tenho uma memória de peixe, lembro-me mal de muitos dos filmes que vi. o que piorou quando, há cerca de três anos, numa furia súbita de "deixar o passado no passado", destruí todos os bilhetes antigos de cinema que na altura guardava, alguns com pequenas "críticas".

mesmo do "wild at heart" tenho mais memórias sensoriais do que a precisão da narrativa. o que, na verdade, acontece-me com quase tudo o que vejo, e muito em particular com os filmes do David Lynch.

senti, quando o vi, que alguma coisa tinha mudado na minha forma de apreciar cinema. o filme levou-me para um outro patamar, abriu-me a outra estética, fez-me perceber o cinema para além da história, tocou em sítios que nem hoje sei bem definir.

se "a insustentável leveza do ser" do Milan Kundera, e "o diario" de Anais Nin" foram os livros que marcaram a minha saída da adolescência, o "wild at heart" foi o filme que me transportou um bocadinho mais para uma maturidade estética que considero ainda em construção.



segunda-feira, junho 17, 2013

Justine



"Seria um grande triunfo para a filosofia se conseguisse iluminar a obscuridade das vias de que a Providência se serve para alcançar os fins que se propõe em relação ao Homem e traçar a partir daí um plano de conduta que desse a conhecer a esse infeliz indivíduo bípede - joguete perpétuo dos caprichos do ser que, segundo dizem, o dirige tão despóticamente - a maneira de interpretar os desígnios dessa Providência para com ele, o caminho a seguir para evitar os caprichos singulares dessa fatalidade a que se dão vinte nomes diferentes sem se ter ainda conseguido defini-la. 

Porque se, partindo das nossas convenções sociais e nunca nos afastando da veneração que desde a infância nos inculcam para com elas na educação, acontece infelizmente que devido à perversidade alheia só se nos deparam espinhos, enquanto os maus só colhem rosas, que admira que pessoas privadas de um fundo de virtude tão grande que lhes permita colocarem-se acima das reflexões resultantes de tão tristes circunstâncias pensem que mais vale abandonarem-se à torrente do que resistir-lhe e digam que a virtude, por muito bela que seja, quando infelizmente é demasiado fraca para lutar contra o vício se transforma no pior partido que se pode tomar e que num século inteiramente corrompido o mais seguro é proceder como os outros? Um pouco mais instruídos, se quisermos, e abusando das luzes adquiridas, não dirão como o anjo Jesrad, de Zadig, que não há mal de onde não provenha bem? E não acrescentarão de seu próprio alvedrio que, visto haver na constituição imperfeita de nosso mau mundo uma soma de mal igual à de bem, é essencial para a manutenção do equilíbrio haver tantos bons como maus, e que, visto isto, é indiferente no plano geral que este ou aquele seja bom ou mau? E que se a infelicidade persegue a virtude e a prosperidade acompanha quase sempre o vício, sendo uma coisa ou outra indiferente do ponto de vista da Natureza, vale infinitamente mais tomar partido pelos maus que prospera que pelos virtuosos que perecem? É, pois, essencial evitar estes perigosos sofismas da filosofia e demonstrar que os exemplos da virtude infortunada apresentados a uma alma corrompida, mas na qual restam ainda alguns bons princípios, podem reconduzir essa alma ao bem tão seguramente como se a senda da virtude lhes oferecesse os louros mais brilhantes e as recompensas mais lisonjeiras. É cruel sem dúvida ter de descrever a torrente de infortúnios que se abate sobre a mulher tenra e sensível acatadora da virtude e por outro lado a fortuna mais brilhante daquela que toda a vida desprezou essa virtude. É cruel, mas se do esboço de ambos os quadros resultar um bem poderemos censurar-nos de os oferecermos ao público? Poderemos sentir remorsos por havermos estabelecido um facto de que resultará para o sábio que lê com proveito a lição tão útil da submissão ás ordens da Providência parte do desenvolvimento dos seus mais secretos enigmas e a advertência fatal de que muitas vezes é para nos reconduzir aos nossos deveres que o Céu fere ao nosso lado os seres que melhor parecem ter cumprido os seus? Tais são os sentimentos que nos levam a pegar na pena, e é tendo em conta a sua boa fé que pedimos aos nossos leitores um pouco de atenção mesclada de interesse pelos infortúnios da triste e desventurada Justine." 


Marquês de Sade, Justine
Publicações Europa América

sábado, junho 15, 2013

quinta-feira, junho 13, 2013

vou daquilo que fui pr'aquilo que serei




Foi há tantos anos, foi há dois mil anos
Que vi no amor o meu Cristo
Que me mostraste um amor imprevisto
Que me falaste na pele e no corpo a sorrir

Meus olhos fechados, mudos, espantados
Te ouviram como se apagasses
A luz do dia ou a luta de classes
Meus olhos verdes ceguinhos de todo para te servir

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Filhos e cadilhos, panelas e fundilhos
Meteste as minhas mãos à obra
E encontraste momentos de sobra
Para evitar que o meu corpo pensasse na vida

Meus olhos fechados, mudos e cansados
Não viam se verso, se prosa
O meu suor era o teu mar de rosas
Meus olhos verdes, janelas de vida fechados por ti

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Pegas-me na mão e falas do patrão
Que te paga um salário de fome
O teu patrão que te rouba o que come
Falas contigo sozinho para desabafar

Meus olhos parados, mudos e cansados
Não podem ouvir o que dizes
E fico à espera que me socializes
Meus olhos verdes
Boneca privada do teu bem estar

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Vou daquilo que fui pr'aquilo que serei

Sou tua criada boa e dedicada
Na praça, na casa e na cama
Tu só me vês quando vestes pijama
Mas não me ouves se digo que quero existir

Meus olhos cansados ficam acordados
De noite chorando esta sorte
De ser escrava prá vida e prá morte
Meus olhos verdes
Vermelhos de raiva para te servir

A tua vontade, justiça igualdade
Não chega aqui dentro de casa
Eu só te sirvo para a maré vaza
Mas eu já sinto a minha maré cheia a subir

Meus olhos cansados abrem-se espantados
Prá vida de que me falavas
Pra combater contra os donos de escravas
Meus olhos verdes
Que te vão falar e que tu vais ouvir

Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei
Mariazinha fui, em Marta me tornei
Sei aquilo que fui e que jamais serei 


terça-feira, junho 11, 2013

pandora




http://en.wikipedia.org/wiki/Pandora
http://pandoraandeve.blogspot.pt/



por mais milénios que passem, continuamos agarrados a estas velhas histórias.
e com elas continuamos a associar o "mal" ou o "pecado" à mulher.

quando, em criança, tomei contacto com a mitologia grega e mesmo com as primeiras histórias da bíblia, não associei esta "culpa" original à mulher ou ao homem, mas sim ao ser humano.
foi com a catequese católica que me foi passada a ideia da mulher "culpada" por todos os males, com as dores, o sangue menstrual, o parto e toda a violência e sofrimento como uma espécie de "castigo" eterno.

por essa razão aos 13 anos "zanguei-me" com a igreja católica.
e continuo a "zangar-me" com todas as religiões, crenças e ideologias em que a mulher é demonizada, subalternizada, castrada, reduzida às funções de mãe e cuidadora, anulada sexualmente, usada ora como objecto sexual ora como empregada doméstica, limitada no seu crescimento para uma vivência plena e integral como ser humano.

só mais tarde, e com a ajuda de outras mitologias, percebi que a serpente simbolizava o conhecimento, que trincar a maçã ou abrir a caixa, fruto da curiosidade, são apenas o início
do caminho para o saber (o abandono da ignorância), são parte do "conhece-te a ti mesmo" do oráculo de Delfos.

as histórias, a mitologia, as religiões só me servem na medida em que me ajudam a crescer como ser humano e a conhecer-me a mim mesma - e por essa via conhecer "os deuses e o universo".

sempre que uma crença limita, discrimina e hierarquiza um ser humano em detrimento de outro entramos no campo do "poder", na exploração de um sobre o outro.

o grande poder das histórias da mitologia advém do facto de serem metafóricas e, por isso, admitirem múltiplas leituras à luz do "espírito do tempo".
compete-nos, por isso, saber lê-las e a responsabilidade de as transformar, sem esquecer que "uma metáfora, é uma metáfora, é uma metáfora."




segunda-feira, junho 03, 2013

quarta-feira, maio 29, 2013

devagar

A arte da lentidão

"Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. Os nossos estilos de vida parecem irremediavelmente contaminados por uma pressão que não dominamos; não há tempo a perder; queremos alcançar as metas o mais rapidamente que formos capazes; os processos desgastam-nos, as perguntas atrasam-nos, os sentimentos são um puro desperdício: dizem-nos que temos de valorizar resultados, apenas resultados.

À conta disso, os ritmos de atividade tornam-se impiedosamente inaturais. Cada projeto que nos propõem é sempre mais absorvente e tem a ambição de sobrepor-se a tudo. Os horários avançam impondo um recuo da esfera privada. E mesmo estando aí é necessário permanecer contactável e disponível a qualquer momento. Passamos a viver num open space sem paredes nem margens, sem dias diferentes dos outros, sem rituais reconfiguradores, num contínuo obsidiante, controlado ao minuto. Damos por nós ofegantes, fazendo por fazer, atropelados por agendas e jornadas sucessivas em que nos fazem sentir que já amanhecemos atrasados.

Deveríamos, contudo, refletir sobre o que perdemos, sobre o que vai ficando para trás, submerso ou em surdina, sobre o que deixamos de saber quando permitimos que a aceleração nos condicione deste modo. Com razão, num magnífico texto intitulado “A lentidão”, Milan Kundera escreve: «Quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.» E explica, em seguida, que o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória, enquanto o grau de velocidade é diretamente proporcional à do esquecimento. Quer dizer: até a impressão de domínio das várias frentes, até esta empolgante sensação de omnipotência que a pressa nos dá é fictícia. A pressa condena-nos ao esquecimento.

Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Precisamente porque a pressão de decidir é enorme, necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais. Precisamente porque nos temos de desdobrar e multiplicar, necessitamos de reaprender o aqui e o agora da presença, de reaprender o inteiro, o intacto, o concentrado, o atento e o uno.

Lembro-me de uma história engraçada que ouvi contar à pintora Lourdes de Castro. Quando em certos dias o telefone tocava repetidamente, e os prazos apertavam e tudo, de repente, pedia uma velocidade maior do que aquela que é sensato dar, ela e o Manuel Zimbro, seu marido, começavam a andar teatralmente em câmara lenta pelo espaço da casa. E divergindo dessa forma com a aceleração, riam-se, ganhavam tempo e distanciamento crítico, buscavam outros modos, voltavam a sentir-se próximos, refaziam-se.

Mesmo se a lentidão perdeu o estatuto nas nossas sociedades modernas e ocidentais, ela continua a ser um antídoto contra a rasura normalizadora. A lentidão ensaia uma fuga ao quadriculado; ousa transcender o meramente funcional e utilitário; escolhe mais vezes conviver com a vida silenciosa; anota os pequenos tráficos de sentido, as trocas de sabor e as suas fascinantes minúcias, o manuseamento diversificado e tão íntimo que pode ter luz."

José Tolentino Mendonça
In Expresso, 25.5.2013

segunda-feira, maio 27, 2013

nursing


Gian Giacomo de Alladio, 
also known as Macrino d'Alba 
1460-65- 1528 Virgin Nursing Jesus


segunda-feira, maio 20, 2013

cerejas



Anna Morosini


sexta-feira, maio 17, 2013

broken hallelujah








 (depois de meses de depressão, talvez o sol do fim de semana passado, talvez a boa companhia temperada com a solidão e silêncio que precisava ou, quem sabe, talvez o pensamento que uma amiga me dirigiu num espaço de oração, seja o que for, alguma da alegria e paz voltaram e fizeram-me mais leve. eu sei que é apenas até à próxima recaída - que pode ser já amanhã - mas enquanto for, é.)


(p.s. claro que se continuarmos a ter estas imprevisíveis mudanças de temperatura e se continuar a chover, é possível que também o meu estado de espírito volte a março...)




quinta-feira, maio 16, 2013

salão


Henri de Toulouse Lautrec
Au Salon de la rue des moulins

domingo, maio 12, 2013

reparo


na velha muito enrugada e muito magra, o cabelo pintado e puxado para cima com laca, que leva  uma carta na mão.
para quem? para uma irmã que vive em Lisboa, para um filho em França, para uma amiga que lhe pediu ajuda?
a carta. na mão, à espera de vez nos correios.

no casal idoso sentado lado a lado no café, no movimento das mãos. primeiro ela, as mãos a tocarem a mesa, para cima e para baixo em movimento lento, como se confirmassem que são mãos e que tocam na mesa. depois ele, com os mesmos movimentos enquanto lhe responde a qualquer coisa.

na velha, muito velha, na mesa em frente e no movimento fragmentado com que leva uma colher de iogurte à boca. tem um chapéu estranho, está sozinha mas depois chegam duas mulheres. filha e neta?

no rapaz de muletas no parque, sentado num banco, as mãos no queixo, a olhar o rio, a olhar o nada, a esperar por nada. um rapaz triste e sozinho, num dia de maio, a primavera a explodir. em que pensa? parece que repete um gesto de solidão mas, perturbado pelas muletas, ficou mais exposto a quem passa. quando olhei para ele, respirou profundamente, retirando por segundos as mãos do queixo, e voltou à pose. penso como é raro ver um homem nitidamente triste a expor a sua tristeza num sítio público.

no casal de reformados (professores?) elegantes, sentados um em frente ao outro, ela a fazer sudokus com a avidez de quem faz um trabalho de casa, alguém lhe disse que era bom para o alzheimer. ele a ler o jornal, de óculos, a carteira masculina pousada na mesa, um anel  no dedo, a barba curta bem aparada.

no rapaz jovem que tira a t-shirt e se deita numa das plataformas em frente ao rio, a apanhar sol, como eu, que também me deitei numa plataforma, comi uma laranja e, como ele, fico a observar o rio, com mil reflexos, e os divertidos patinhos, amarelos e cinzentos, sempre atrás da mãe, aos saltos a tentar apanhar pequenos insectos.

no homem que se aproximou da margem do rio para observar os patinhos, a mulher dele ficou atrás, de óculos de sol e braços cruzados. o homem observa a vida e ela espera, e eu penso que aquilo não vai dar certo, se os dois não se comovem com a vida num domingo cheio de sol, não pode dar certo. depois ele senta-se numas pedras mesmo na margem, olha para trás e faz um sinal para a chamar "senta-te aqui", ela vai, fica dois segundos ao lado dele e vão embora.

olho em volta no café. há toda uma filosofia a distinguir os casais que se sentam lado a lado e os que se sentam frente a frente. e lembro-me, uma vez no comboio, um homem furioso a gritar com o revisor porque os dois bilhetes, para ele e para a mulher eram frente a frente e não lado a lado, porque se os bilhetes eram para ele E A MULHER DELE tinham de ser LADO A LADO. uma conversa impossível de tão irracional, toda a gente a olhar, e a mulher, encolhida, envergonhada.

subo as escadas rolantes e vejo os casais de domingo, as caras de quem faz o frete de "ir dar uma volta", a necessidade de se entreterem com o que vêem, com compras, com o material de conversa que um centro comercial dá, "olha ali, não gostas?", para não se terem de olhar verdadeiramente depois da noite anterior, do sexo que houve ou não houve, das máscaras que puseram, do regresso ao quotidiano insosso mas necessário para que, para a semana, haja novamente a "noite anterior".

e penso que é uma pena que as pessoas (todos nós) não se aceitem como são. que os homens e as mulheres não aceitem que a pessoa que têm ao lado é um animal indomável e maluco, com pulsões estranhas e pensamentos aleatoriamente maravilhosos.
e que tantas vezes, seja lá por que motivos, se tente "amansar a fera", como na obra de Shakespeare, sempre usando o controle, a violência, o condicionamento (do outro, de nós próprios, das nossas emoções), para não deixar que essa animalidade nos afecte, nos relembre como somos, para tentar manter um poder que de facto não temos, aniquilando o que de mais profundo somos, anulando as potencialidades de crescermos e aprendermos uns com os outros.

e penso que a minha vida ultimamente tem sido pautada por uma montanha de constrangimentos, pressões, stress, dores físicas, cansaço, má disposição, mas que, nos intervalos, coisas boas acontecem.

hoje está um dia lindo, apanhei sol junto ao rio, deixei que a vida me tocasse, e sei que "eu vou dar certo", porque a vida sempre nos leva para onde e para quem precisamos, porque sei que quero crescer e aprender, e dar-me à vida.







sábado, maio 11, 2013


Bridget Riley,  Debut

quarta-feira, maio 08, 2013

A confirmação do "eu"

(...)

 2. Talvez seja verdade que não existimos enquanto não houver quem veja que nós existimos, que não falamos enquanto não houver quem ouça o que estamos a dizer, no fundo, que não estamos completamente vivos enquanto não formos amados.

 3. O que significa "o homem é um ser social"? Apenas que os seres humanos precisam uns dos outros para se definir e conhecer a si próprios, ao contrário dos moluscos ou das minhocas. Não podemos ter uma noção correcta de nós próprios se não existirem outros para nos mostrarem onde nós acabamos e eles principiam. "Um homem pode alcançar tudo na solidão, excepto um carácter", escreveu Stendhal, sugerindo que o carácter tem a sua génese nas reacções dos outros a nós próprios. Como o "eu" não é uma estrutura integrada, a sua fluidez requer os contornos fornecidos pelos outros. Preciso de um outro para me ajudar a carregar com a minha história, alguém que me conheça tão bem como eu me conheço a mim próprio, ou melhor ainda.

 4. Sem amor, perdemos a capacidade de possuir uma identidade própria; com amor, há uma confirmação permanente do eu. Não admira que o olhar de Deus seja tão importante na religião: sermos vistos significa que a existência é reconhecida, e tanto melhor se o observador for Deus ou alguém que nos ama. A nossa presença é legitimada aos olhos de outro ser que para nós é ( e para quem nós somos) o mundo. Cercados por pessoas que não se lembram bem de nós, pessoas a quem contámos as nossas histórias vezes sem fim, e no entanto, nunca sabem se somos casados, quantos filhos temos, e se o nosso nome é Brad ou Bill, Catrina ou Catherine (e nós também não nos lembramos do delas), não é reconfortante saber que podemos refugiar-nos da nossa esquizofrenia nos braços de alguém que tem a nossa identidade bem presente? (...)"



 Alain de Botton, Ensaios sobre o Amor

sábado, maio 04, 2013

quinta-feira, maio 02, 2013

terça-feira, abril 30, 2013

terça-feira, abril 23, 2013

um buraco no chão

às vezes é bom simplesmente receber.
sem juízos, sem sentir que devemos alguma coisa a quem oferece (e se oferece)

receber um ensinamento, um toque, um pedido, um agradecimento
ou apenas receber um pensamento ou uma memória
que aparece, como um objecto estranho, no meio do nada.

ontem recebi uma aula de yoga, quando o costume é que a dê.
(e aqui aplica-se mesmo os verbos dar e receber, porque quem dá não é pago, é uma partilha, uma dádiva.)

recebi cada palavra, movimento, respiração, som, olhar, cada convite a estar no presente, cada espaço, cada pessoa no grupo.

e uma memória estranha, no meio do nada, enquanto me curvava, cabeça a tocar o chão, na "postura da criança".

lembrei-me de um buraco no chão.
um buraco no soalho num canto da cozinha da casa da minha avó. esse buraco, que desconheço se foi feito de propósito, servia, entre outras coisas, para passar extensões com lâmpadas, para o armazém e lagar na parte de baixo. também servia para comunicar aos que estavam lá em baixo, por exemplo, que a sopa estava na mesa, ou que tinham de vir ao telefone, ou outra coisa qualquer.
não me lembrei só do buraco em si. lembrei-me da textura e irregularidades da madeira nas minhas mãos, do cheiro da madeira e do cheiro que vinha lá de baixo, do que víamos e ouvíamos, quando, cá em cima, espreitávamos lá para baixo: normalmente uma luz fraca a iluminar os homens e o lagar cheio de vinho, as vozes, ora distantes, ora mais fortes, os risos, as discussões.

acho que esse buraco já não existe.
mas apareceu aqui, na minha memória, numa fracção de segundo, enquanto a minha cabeça tocava no chão, e me enroscava sobre mim, sobre o mundo, tão perto do chão como uma pequena semente, tão unida como um embrião, quando todo o corpo comunicava e pensava, sem separação.

um buraco no chão para me lembrar que tudo comunica e pensa, sem separação.


domingo, abril 21, 2013

nº 25

Irving Penn 
 Nude No. 25, 1949-1950

quinta-feira, abril 18, 2013

tempos sombrios


As sombras de Gray

Carlos Fiolhais


"Não, não venho falar da senhora E.L. James (seria Grey e não Gray) nem do autor de Os homens são de Marte, as mulheres de Vénus” (um escritor de auto-ajuda que é Gray), mas sim de John Gray, escritor e professor de Pensamento Europeu da London School of Economics que tem expresso em vários livros a sua visão muito sombria da natureza humana.

Lembrei-me dele agora que, no ecrã de televisão à minha frente, desfilam imagens repetidas até à exaustão dos atentados bombistas de Boston. Foi Gray que, no seu livro Sobre Humanos e Outros Animais (Lua de Papel, 2007), enfatizou que somos animais como quaisquer outros. E que a moderna crença no humanismo não passa de uma auto-ilusão. Estou em total desacordo com ele, enfileirando naqueles que acreditam no ideal iluminista do progresso fundado nos valores da razão, da democracia, da liberdade e da tolerância, que nos trouxe qualidade de vida, mas a violência absurda de actos como o que acaba de causar em Boston três mortos e centenas de feridos, não pode deixar de nos perturbar e de nos fazer pensar se a natureza humana tem conhecido progressos desde os tempos do Gulag, ou do Holocausto, ou dos anarquistas do Séc. XIX, ou dos cadafalsos setecentistas, ou ainda das carnificinas medievais. Há onze anos aviões civis foram desviados para chocar inopinadamente contra edifícios repletos de pessoas inocentes, hoje são colocadas bombas para explodir com surpresa num evento desportivo muito popular. Porque é o animal humano tão desumano como outros animais?

John Gray cita Fernando Pessoa, ou melhor Bernardo Soares, o autor do Livro do Desassossego para nos dizer que o homem é simplesmente como é e não como nós desejávamos que ele fosse: “Se considero com atenção a vida que os homens vivem, nada encontro nela que a diferencie da vida que vivem os animais. Uns e outros são lançados inconscientemente através das coisas e do mundo; uns e outros se entretêm com intervalos; uns e outros percorrem diariamente o mesmo percurso orgânico; uns e outros não pensam para além do que pensam, nem vivem para além do que vivem. O gato espoja-se ao Sol e dorme ali. O homem espoja-se à vida, com todas as suas complexidades, e dorme ali. Nem um nem outro se liberta da lei fatal de ser como é.” Para Gray, a modernidade, com todo o seu património de valores e meios, não nos deve enganar, já que o homem é um animal essencialmente destruidor, no qual não se pode depositar grandes esperanças. Se é capaz do melhor, também o é do pior. Será, por vezes, mais tigre do que gato. Na lógica do seu pensamento, não espanta que uma pessoa de posse de alguma tecnologia caseira de explosivos a use hoje de um modo trágico e que, amanhã, um país detentor de tecnologia nuclear a venha a usar para espalhar o terror.

A tese de Gray acaba de ser abonada por um novo livro seu, ainda não traduzido entre nós, intitulado The Silence of Animals e subintitulado On progresso and other modern myths (Allen Lane, 2013). Aí diz que tanto a ciência como a religião, que pensam que o animal humano pode ultrapassar os seus constrangimentos naturais, perseguem utopias inatingíveis. Creio que Gray não tem razão. De facto, os cientistas acreditam no progresso científico e numa vida mais confortável baseado nele, mas não há como negar que tanto um como outra tenham sido em geral alcançadas. Por sua vez, as pessoas religiosas (que podem também ser cientistas) acreditam na melhoria espiritual, mas não se pode dizer que muitas não tenham conseguido. Ambos acreditam, embora de formas diferentes, na singularidade humana. Para Darwin, o amor por todas as criaturas vivas era o atributo mais nobre que distinguia o homem, o que lembra S. Francisco de Assis. Para o filósofo suíço Max Picard, católico, a necessidade de recolhimento em silêncio, como acontece por estes dias em Boston e no mundo, era uma marca da superioridade do homem relativamente a outros animais: “O silêncio dos animais é diferente do silêncio dos homens”. Gray, embora concordando que existe a referida diferença, vê-a de um outro modo: “Os homens procuram silêncio porque buscam a redenção de si próprios, os outros animais vivem em silêncio porque não precisam de redenção.” Para ele, “pode haver um sentido em que os outros animais são pobres, mas essa pobreza é um ideal que os humanos nunca alcançarão.” E, no fim, escreve, num pessimismo radical: “Não há redenção no ser humano. Mas também não é preciso nenhuma redenção.”

Vivemos tempos sombrios. É útil ler um pensador destes tempos, um céptico da humanidade, porque temos de nos confrontar com a escuridão. Mas, recusando o niilismo de Gray, é sobretudo nas épocas mais escuras que o nosso impulso para a claridade deve ser maior. Pode não haver redenção, mas é humano procurá-la."


in Público, 18-4-2013