às vezes é bom simplesmente receber.
sem juízos, sem sentir que devemos alguma coisa a quem oferece (e se oferece)
receber um ensinamento, um toque, um pedido, um agradecimento
ou apenas receber um pensamento ou uma memória
que aparece, como um objecto estranho, no meio do nada.
ontem recebi uma aula de yoga, quando o costume é que a dê.
(e aqui aplica-se mesmo os verbos dar e receber, porque quem dá não é pago, é uma partilha, uma dádiva.)
recebi cada palavra, movimento, respiração, som, olhar, cada convite a estar no presente, cada espaço, cada pessoa no grupo.
e uma memória estranha, no meio do nada, enquanto me curvava, cabeça a tocar o chão, na "postura da criança".
lembrei-me de um buraco no chão.
um buraco no soalho num canto da cozinha da casa da minha avó. esse buraco, que desconheço se foi feito de propósito, servia, entre outras coisas, para passar extensões com lâmpadas, para o armazém e lagar na parte de baixo. também servia para comunicar aos que estavam lá em baixo, por exemplo, que a sopa estava na mesa, ou que tinham de vir ao telefone, ou outra coisa qualquer.
não me lembrei só do buraco em si. lembrei-me da textura e irregularidades da madeira nas minhas mãos, do cheiro da madeira e do cheiro que vinha lá de baixo, do que víamos e ouvíamos, quando, cá em cima, espreitávamos lá para baixo: normalmente uma luz fraca a iluminar os homens e o lagar cheio de vinho, as vozes, ora distantes, ora mais fortes, os risos, as discussões.
acho que esse buraco já não existe.
mas apareceu aqui, na minha memória, numa fracção de segundo, enquanto a minha cabeça tocava no chão, e me enroscava sobre mim, sobre o mundo, tão perto do chão como uma pequena semente, tão unida como um embrião, quando todo o corpo comunicava e pensava, sem separação.
um buraco no chão para me lembrar que tudo comunica e pensa, sem separação.
terça-feira, abril 23, 2013
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