domingo, março 04, 2012

de castelos e navios

Corto Maltese, Hugo Pratt




Uma amiga disse-me um dia que tinha ouvido uma frase que resumia as diferenças entre homens e mulheres desta maneira: "enquanto as mulheres sonham com castelos, os homens sonham com navios." 
Ou seja, o velho/novo estereótipo das "mulheres em casa e os homens na rua", só que dito de uma forma mais poética. 

O grande equívoco é sempre reduzir a complexidade do comportamento do ser humano a estas etiquetas.
Podia dizer-se que, hoje em dia, depois da "emancipação da mulher", as mulheres tanto sonham com castelos como com navios.
No entanto, acredito que desde sempre que há mulheres a sonhar com navios e homens a sonhar com castelos. As normas sociais, a política, a religião, a necessidade de conquistar território e poder, a relação entre território, poder político e linhagem (uma descendência pura exige uma mulher domesticada) castraram as verdadeiras vontades e sonhos dos homens e mulheres.
O que a "emancipação da mulher" pode ter feito é ter vindo a libertar as mulheres (e consequentemente os homens) de muitas destas etiquetas, criando condições para que ambos vivam o que sonham e querem e não o que a sociedade impõe, sejam esses sonhos com castelos, navios, ou os dois.

Homens e mulheres sonham e querem coisas diferentes em momentos diferentes das suas vidas. Cada um de nós tem, como os gatos,  7 vidas ou até mais, dependendo do que nos permitimos viver e experimentar. 

Quando era adolescente nunca o meu desejo foi "o castelo": pelo contrário, imaginava-me a correr o mundo, a viajar e conhecer pessoas diferentes, ser uma cidadã do mundo, com a mochila às costas, sempre a partir e a chegar de algum lugar, a acumular histórias e experiências de vida, com amigos em todo o lado e, porque não, um namorado em cada porto.
Nada disso aconteceu, não sou suficientemente "desenrascada" para partir sozinha por aí fora, mas o ímpeto existe ainda num lugar da minha alma e de certa forma dei asas a essa vontade com outros voos, com a imaginação, criatividade, com o sonho.
Por outro lado, apesar de ter um ponto fixo por razões de trabalho, nunca procurei muito pelo castelo, não tenho casa própria, os espaços arrendados onde habito vejo-os sempre como temporários, e só recentemente comecei a dar à minha actual casa um pouco mais de atenção, a torná-la mais "minha".

Partindo do "castelo" e do "navio" como metáforas para partir ou ficar, concluo que, se por um lado parece que fico, por outro lado estou sempre a partir, a experimentar coisas novas, a colocar-me desafios.
Se calhar, castelos e navios não têm de ser antagonistas, nem a escolha de um implica a perda definitiva do outro. Há momentos em que partimos, e deixamos para trás coisas, pessoas, situações, partes de nós que se descolam como a pele de uma cobra, porque é de partir que necessitamos, para crescer, nos transformarmos. Outros momentos exigem recolhimento, casa e lareira, tranquilidade e espera.

Claro que, o que a frase quer dizer, no fundo, é que, homens e mulheres sonham coisas opostas, e por isso dificilmente se entenderão.
O grande desafio, neste caso, é encontrar esse entendimento, as pontes entre os castelos e os navios.
Entendimento que, de facto, pode ser difícil de realizar porque exige um intenso, completo e mútuo mergulho no universo do outro. Um mergulho que exige coragem. Um verdadeiro salto de fé.
Com sorte, muita sorte, há quem sonhe as mesmas coisas ao mesmo tempo, quem arrisque o mergulho na escuridão e luz do outro, e transforme a sua vida num "castelo-navio" sempre em movimento, em permanente transformação.

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