terça-feira, junho 30, 2009
segunda-feira, junho 29, 2009
afinador de silêncios
"A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que podemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios."
Mia Couto, Jesusalém
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios."
Mia Couto, Jesusalém
sábado, junho 27, 2009
sexta-feira, junho 26, 2009
quarta-feira, junho 24, 2009
terça-feira, junho 23, 2009
segunda-feira, junho 22, 2009
pequenas coisas ou o sabor da cereja (6)
O que são essas "pequenas coisas", que nos dizem que é preciso valorizar, ou que aconselhamos os outros a valorizar?
As "pequenas coisas", como eu as vejo, são principalmente um alicerce, um sítio onde volto quando estou perdida.
Acredito que todos temos um sítio destes dentro de nós, um espaço em permanente construção/ desconstrução, onde nos (re)fazemos, onde somos nós. E nesta transformação constante, muitas vezes há crises, tremores de terra, explosões, que nos obrigam a ajustes… temos, frequentemente, de nos adaptar, de jogar com as cartas que nos calham… como dizem os sábios orientais, precisamos ser flexíveis, como a cana de bambu que se dobra com o vento e evita assim ser quebrada pela sua força.
Um desses sítios onde volto é um fim de tarde. Foi há quase 10 anos. Sentia-me muito triste e desamparada e naquele lugar, com um resto de sol de Setembro, pela primeira vez desde criança senti uma enorme curiosidade pelo dia seguinte, o minuto seguinte, o segundo seguinte. Senti-me como se tivesse, naquele instante, inaugurado uma vida nova, como se desse um salto em direcção ao que está a começar, virasse uma página, deixando para trás o que acabou, o que passou e não existe mais.
As minhas “pequenas coisas” são um reencontro com o que é simples e puro; são o “olhai os lírios do campo” cristão, o “wu-wei” taoista, o "sabor da cereja".
São a chave que dá sentido aos sonhos, ajudam-me a persistir neles, a torná-los concretos, realizáveis e até a substitui-los, quando é preciso. Não são, nunca, a consequência da derrota; antes, a descoberta do que está para vir, de tudo o que há ainda para fazer, conhecer, amar.
As "pequenas coisas", como eu as vejo, são principalmente um alicerce, um sítio onde volto quando estou perdida.
Acredito que todos temos um sítio destes dentro de nós, um espaço em permanente construção/ desconstrução, onde nos (re)fazemos, onde somos nós. E nesta transformação constante, muitas vezes há crises, tremores de terra, explosões, que nos obrigam a ajustes… temos, frequentemente, de nos adaptar, de jogar com as cartas que nos calham… como dizem os sábios orientais, precisamos ser flexíveis, como a cana de bambu que se dobra com o vento e evita assim ser quebrada pela sua força.
Um desses sítios onde volto é um fim de tarde. Foi há quase 10 anos. Sentia-me muito triste e desamparada e naquele lugar, com um resto de sol de Setembro, pela primeira vez desde criança senti uma enorme curiosidade pelo dia seguinte, o minuto seguinte, o segundo seguinte. Senti-me como se tivesse, naquele instante, inaugurado uma vida nova, como se desse um salto em direcção ao que está a começar, virasse uma página, deixando para trás o que acabou, o que passou e não existe mais.
As minhas “pequenas coisas” são um reencontro com o que é simples e puro; são o “olhai os lírios do campo” cristão, o “wu-wei” taoista, o "sabor da cereja".
São a chave que dá sentido aos sonhos, ajudam-me a persistir neles, a torná-los concretos, realizáveis e até a substitui-los, quando é preciso. Não são, nunca, a consequência da derrota; antes, a descoberta do que está para vir, de tudo o que há ainda para fazer, conhecer, amar.
sábado, junho 20, 2009
Casamento em Bangkok
disse-me
aprendi o essencial tailandês
para não me perder na rua
saber o que vou comer nos restaurantes
dizer-lhe que a amo
mas não o suficiente para
lhe explicar o porquê
por isso
aponto com o olhar as árvores do pomar
são o nosso pequeno resguardo
de beleza
seguimos o perfume
ela sabe
Miguel-Manso
Contra a Manhã Burra,
(Mariposa Azul, 2009)
aprendi o essencial tailandês
para não me perder na rua
saber o que vou comer nos restaurantes
dizer-lhe que a amo
mas não o suficiente para
lhe explicar o porquê
por isso
aponto com o olhar as árvores do pomar
são o nosso pequeno resguardo
de beleza
seguimos o perfume
ela sabe
Miguel-Manso
Contra a Manhã Burra,
(Mariposa Azul, 2009)
quarta-feira, junho 17, 2009
terça-feira, junho 16, 2009
A viagem
O Grupo de Teatro O CELEIRO
apresenta o espectáculo
A VIAGEM
uma criação de Helena Freitas, Marta Filipe e Natália João Cardoso.
A VIAGEM realiza-se nos dias 19 e 20 às 21h30 e dia 21 às 19h.
Para reservas ou informações, pode contactar-nos através de:
Grupo de Teatro O CELEIRO
w: www.oceleiro.org
e: viagem.a@gmail.com
t: 916700870
apresenta o espectáculo
A VIAGEM
uma criação de Helena Freitas, Marta Filipe e Natália João Cardoso.
Três velhas.
Três malas à espera de três velhas.
Três actrizes dentro de três velhas que pegam em três malas e vão.
Esta é a viagem delas. A viagem da sua vida e as viagens do seu imaginário. Juntas partilham o desejo de sair, de ir para outro lugar, a vitalidade que quer adiar a viagem final e as ironias do destino. Não pretendemos tratar a velhice, nem o que lhe é próprio. Tentamos, apenas, colocar questões, falando de todos nós, do desejo de mudança e de tudo o que nos prende e restringe.
A VIAGEM realiza-se nos dias 19 e 20 às 21h30 e dia 21 às 19h.
Para reservas ou informações, pode contactar-nos através de:
Grupo de Teatro O CELEIRO
w: www.oceleiro.org
e: viagem.a@gmail.com
t: 916700870
segunda-feira, junho 15, 2009
domingo, junho 14, 2009
não te encostes à parreira
Maneio
(popular)
(popular)
Não te encostes à parreira,
Que a parreira deita pó.
Encosta-te à minha beira,
Sou solteiro e vivo só.
Ai, agora é que me eu maneio,
É que me eu maneio,
É que me eu rebolo.
Nos braços do meu amor,
Ai, agora é que me eu consolo.
Eu venho ali debaixo,
De regar o laranjal,
‘inda aqui trago uma folha
No laço do avental.
(Ai, agora é que me eu maneio...)
Esta roda está parada,
Por falta de mandador,
Siga a roda p’ra diante,
Quem manda é o meu amor!
(Ai, agora é que me eu maneio...)
sábado, junho 13, 2009
um coração desassossegado
"Foi numa tarde de Maio, morosa e melacólica, que a cunhada de repente lhe apareceu no Tapado.
- Andas contra o míldio?
- Tem de ser.
Houve um silêncio curto.
- As batatas estão bonitas!
- Assim, assim.
Outra pausa.
- Merendaste?
- Merendei.
- Trazia-te aqui uma pinga...
Desconfiado, fitou-a demoradamente.
- Que estás a olhar?
- Nem sei...
- Olha, olha, a ver se descobres!... Vão sendo horas...
Com a mão crispada na alavanca do pulverizador, o Daniel continuava a observá-la.
- Será possível?! - perguntou por fim.
- E então? Era alguma coisa do outro mundo?
Desabrido, atirou-lhe o nojo à cara:
- Não estás farta, mulher?
- Não.
- Pois bates a má porta. Já não te posso valer.
Duas lágrimas começaram a cair pela cara dela abaixo.
-Não é o que tu cuidas que me falta. Estou velha, também. O tempo dessas alegrias já passou.
- Então não te entendo...
- É o meu coração que não se cala. É ele que sempre gostou de ti e te queria..."
Miguel Torga, Contos da Montanha
- Andas contra o míldio?
- Tem de ser.
Houve um silêncio curto.
- As batatas estão bonitas!
- Assim, assim.
Outra pausa.
- Merendaste?
- Merendei.
- Trazia-te aqui uma pinga...
Desconfiado, fitou-a demoradamente.
- Que estás a olhar?
- Nem sei...
- Olha, olha, a ver se descobres!... Vão sendo horas...
Com a mão crispada na alavanca do pulverizador, o Daniel continuava a observá-la.
- Será possível?! - perguntou por fim.
- E então? Era alguma coisa do outro mundo?
Desabrido, atirou-lhe o nojo à cara:
- Não estás farta, mulher?
- Não.
- Pois bates a má porta. Já não te posso valer.
Duas lágrimas começaram a cair pela cara dela abaixo.
-Não é o que tu cuidas que me falta. Estou velha, também. O tempo dessas alegrias já passou.
- Então não te entendo...
- É o meu coração que não se cala. É ele que sempre gostou de ti e te queria..."
Miguel Torga, Contos da Montanha
quinta-feira, junho 11, 2009
sábado, junho 06, 2009
Sun been down for days
A pretty flower in a vase
A slipper by the fireplace
A cello lying in it's case
Soon she's down the stairs
Her morning elegance she wears
The sound of water makes her dream
Awoken by a cloud of steam
She pours a daydream in a cup
A spoon of sugar sweetens up
And She fights for her life
As she puts on her coat
And she fights for her life on the train
She looks at the rain
As it pours
And she fights for her life
As she goes in a store
With a thought she has caught
By a thread
She pays for the bread
And She goes...
Nobody knows
Sun been down for days
A winter melody she plays
The thunder makes her contemplate
She hears a noise behind the gate
Perhaps a letter with a dove
Perhaps a stranger she could love
And She fights for her life
As she puts on her coat
And she fights for her life on the train
She looks at the rain
As it pours
And she fights for her life
As she goes in a store
With a thought she has caught
By a thread
She pays for the bread
And She goes...
Nobody knows
And She fights for her life
As she puts on her coat
And she fights for her life on the train
She looks at the rain
As it pours
And she fights for her life
Where people are pleasently strange
And counting the change
And She goes...
Nobody knows
quinta-feira, junho 04, 2009
terça-feira, junho 02, 2009
mais
"Sim, pensa Clarissa, já é tempo de o dia acabar. Damos festas, abandonamos as nossas famílias para viver no Canadá, batalhamos para escrever livros que não mudam o mundo apesar das nossas dádivas e dos nossos imensos esforços, das nossas absurdas esperanças. Vivemos as nossas vidas, fazemos seja o que for que fazemos e depois dormimos: é tão simples e tão normal como isso. Alguns atiram-se de janelas, ou afogam-se, ou tomam comprimidos; um número maior morre por acidente, e a maioria, a imensa maioria é lentamente devorada por alguma doença ou, com muita sorte, pelo próprio tempo. Há apenas uma consolação: uma hora aqui ou ali em que as nossas vidas parecem, contra todas as probabilidades e expectativas, abrir-se de repente e dar-nos tudo quanto jamais imaginámos, embora todos, excepto as crianças (e talvez até elas), saibamos que a estas horas se seguirão inevitavelmente outras, muito mais negras e mais difíceis. Mesmo assim, adoramos a cidade, a manhã, mesmo assim desejamos, acima de tudo, mais.
Só Deus sabe porque amamos tanto isso."
Michael Cunningham, "As Horas"
Só Deus sabe porque amamos tanto isso."
Michael Cunningham, "As Horas"
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