quinta-feira, abril 13, 2006

movimento

"No começo era o movimento porque o começo era o homem de pé, na Terra. Erguera-se sobre os dois pés oscilando, visando o equilíbrio. O corpo não era mais que um campo de forças atravessado por mil correntes, tensões, movimentos. Buscava um ponto de apoio. Uma espécie de parapeito contra esse tumulto que abalava os seus ossos e a sua carne.

Então a linguagem nascia num relâmpago, os sons combinavam-se, as palavras encadeavam-se, os sentidos incendiavam-se, a marcha desencadeava os seus passos na alegria, e hesitava na angústia de cair. A vida transbordava.

O bailarino retoma o seu corpo nesse momento preciso em que perde o seu equilíbrio e se arrisca a cair no vazio. Luta, jogando tudo por tudo: está em jogo a sua vida, a sua liberdade de bailarino, a sua luz. Faz apelo ao movimento, que proporcionará claridade e estabilidade à sua extrema agitação interior. Por meio de movimento domará o movimento: com um gesto libertará a velocidade que arrebatará o seu corpo traçando uma forma de espaço. Uma forma de espaço-corpo efémero, por cima do abismo."

José Gil, Movimento Total, o corpo e a dança
Relógio d'Água

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