sexta-feira, março 10, 2006

"uma máquina de escrever cartas de amor"

Rua do Sena

Rua do Sena dez e meia
da noite
homem titubeia…um homem jovem
com chapéu
capa de chuva
uma mulher sacode-o…
ela sacode-o
e fala com ele
e ele sacode a cabeça
com o chapéu a cair
e o chapéu da mulher já está quase a cair para trás
estão muito pálidos os dois
o homem na certa tem vontade de partir
de desaparecer… de morrer…
mas a mulher tem uma vontade furiosa de viver
e a sua voz
a sua voz que murmura
não se chega a ouvi-la
é um lamento…
uma ordem…
um grito…
de tal modo ávida é a voz…
e triste…
e viva…
um recém-nascido doente que tirita de frio num túmulo
de um cemitério de Inverno…
o grito de uma pessoa com os dedos presos na porta…
uma canção
uma frase
sempre a mesma
uma frase
repetida…
sem parar
sem resposta…
o homem olha-a nos olhos que se desviam
faz gestos com os braços
como um afogado
e a frase volta
na rua do Sena na esquina com uma outra rua
a mulher continua
sem se cansar…
continua com a pergunta inquieta
ferida impossível de curar
Pedro diz-me a verdade
Diz-me a verdade Pedro
quero saber de tudo
diz-me a verdade…
o chapéu da mulher cai
Pedro quero saber de tudo
diz-me a verdade…
pergunta estúpida e grandiosa
Pedro não sabe o que responder
está perdido
aquele que é chamado de Pedro…
traz um sorriso que talvez quisesse gentil
e repete
Vamos, acalma-te estás louca
mal sabe ele que acertou no alvo
mas ele não vê
não pode ver como
a sua boca de homem está torta pelo sorriso…
sente-se abafado
o mundo deita-se em cima dele
e abafa-o
é prisioneiro
encurralado pelas suas promessas…
querem acertar as contas com ele…
frente a frente…
uma máquina de calcular
uma máquina de escrever cartas de amor
uma máquina de sofrer
toma conta dele…
agarra-se a ele…
Pedro diz-me a verdade Pedro.

Jacques Prévert

1 comentário:

Folha de Chá disse...

Uma máquina de sonhar. :) Obrigada pleo link. :)