Hoje, de repente, sem razão especial, lembrei-me dele.
De o ver junto à janela da divisão da casa a que se chamava escritório, a olhar para fora, silencioso. Olhava talvez para a montanha, talvez para as árvores (a nogueira, a ameixeira, a austrália nova, a figueira, mais atrás).
Do seu andar lento, das suas mãos fortes, do sorriso quando nos via, do seu beijo na testa, do abraço que dava ao meu pai sempre que se reencontravam ou se despediam.
De nos dizer coisas, às vezes estranhas, às vezes sabias, às vezes malandras, raramente banais.
Um dia citou-me um poema do Miguel Torga sobre a terra. Não me lembro do poema. Gostava muito de me lembrar, de o ter guardado comigo. Mas não me lembro.
O meu avô lia muito. Leu até deixar de conseguir ler.
Lembro-me quando ele ainda usava chapéu. De quando ainda dava passeios pela vinha. E de uma vez, numa caminhada familiar, talvez num domingo de Páscoa, o meu irmão começar a chorar, porque aquela podia ser a última caminhada em conjunto.
O meu avô era um homem alto. O mais alto.
Como os plátanos altos da aldeia que ele ajudou a plantar.
4 comentários:
Lembro-me dos olhos dele (não sei se fui eu que os criei na memória). Brilhantes, quase transparentes, como se tivessem passado por uma quantidade de cores e nenhuma tivesse ficado.
Here we are
Stuck by this river,
You and I
Underneath a sky that's ever falling down, down, down
Ever falling down.
Through the day
As if on an ocean
Waiting here,
Always failing to remember why we came, came, came:
I wonder why we came.
You talk to me
as if from a distance
And I reply
With impressions chosen from another time, time, time,
From another time.
Brian Eno
Gosto tanto dessa música. :)
afinal havia uma razão: o meu avô fazia anos no dia 4 de maio. sem me lembrar, lembrei-me. é curioso como estas coisas ficam guardadas no corpo.
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