quinta-feira, outubro 01, 2009

outra vida





Despediu-se e chorou.

“Filho, não olhes para mim, que estou a chorar.”

Os olhos grandes do menino procuram os da mãe, confirmam as lágrimas.

“Não olhes para mim.
A mãe tem dói-dói na cara, não é nada, filho.”

Limpou as lágrimas e despediu-se.
Deram-lhe um livro, uma ponte, uma companhia.
Com as mãos ainda húmidas acariciou o livro, sentiu-lhe o peso.
Era preciso compor tudo o que estava estragado.

“Não olhes para mim.
Não fiques aí a olhar, filho.”

A paisagem quieta na janela do comboio. O livro nas mãos, páginas paradas à espera, os olhos que voam, o livro, a janela, a criança.
Lá, onde chegar, terá tempo. Outra vida.


(2004)

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