Em casa da minha avó paterna
chamava-se terceiro à espécie
de arrecadação de dois andares
que ficava ao fundo de um corredor.
Era para onde fugíamos sempre
que encontrávamos a porta
aberta – e a aventura valia bem
a reprimenda. O terceiro
era arriscado e umbroso, as telhas
coavam o ar da tarde onde dançava
uma poeira lenta e muito antiga.
Grandes aranhas negras e nervosas
pareciam vigiar o que restara
da infância do meu pai
e seus irmãos: cromos das Raças
Humanas, revistas com desenhos
humorísticos onde homens e mulheres
usavam sempre chapéu. Um mundo
desaparecido, morto havia décadas –
como se a casa, na sua difícil progressão
para o futuro, se tivesse esquecido
do terceiro no passado. Bem vistas
as coisas, porém, a verdade era outra:
o terceiro adiantara-se, tinha chegado
mais cedo ao destino que aguardava
tudo o resto. A avó, a casa inteira –
e a parte de mim que lhes pertencia.
Esta relação de ausências é contrária
ao emprego das palavras. E é por isso
que eu não sei acabar este poema.
Rui Pires Cabral
Longe da Aldeia
(Averno, 2005)
(obrigada!)
sexta-feira, maio 22, 2009
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