Como dizer isto sem correr o risco de também eu…?
Enfim, só para desabafar:
cansa-me a altivez e superioridade moral com que algumas pessoas falam “só porque” passaram ou não por determinadas experiências. Como se isso lhes desse autoridade para falar “de alto” aos outros que não viveram nem sentiram as mesmas coisas que eles. Às vezes até falam com uma falsa empatia ou condescendência; sempre com “muito conhecimento de causa”: e quase sempre sem sequer se aperceberem do quanto estão a julgar os outros. (contra mim falo)
Lembra-me aquela história que vivi:
quando o centro da cidade estava diariamente invadido por “vendedores/angariadores” de uma determinada instituição de toxicodependentes, e eu todos os dias passava obrigatoriamente por eles, um dia desviei, como milhares de pessoas, o percurso para não ter de ser abordada pela centésima-milionésima vez. Uma das “angariadoras” vendo que eu me afastava deliberadamente do seu “posto”, virou-se para mim e “atirou-me” do alto da sua “superioridade moral de toxicodependente coitadinha de mim que já passei por muito e agora estou a ressacar e se não me dão nada vou ter de roubar”, esta maravilha das maravilhas das pragas: “havias era de apanhar a sida”.
Normalmente teria seguido o meu caminho e lançado manguitos invisíveis para a “angariadora” (esta dos manguitos invisíveis vi uma vez numa reportagem sobre o Vasco Santana. Acho que era o Vasco Santana…). Mas resolvi voltar atrás e da minha “superioridade moral de quem sabe e conhece as misérias do mundo porque trabalho com elas”, encetei (gosto desta palavra, parece sempre que vou abrir uma caixa de bolachas sortido) uma conversa com a moça: disse-lhe que o que me tinha desejado era horrível, e que não devia julgar porque não sabe nada da vida dos outros, que há mais pessoas na vida com problemas além dela, que todos nós transportamos connosco as nossas tragédias e lá porque andamos mais bem vestidos, ou de cara alegre ou não andamos a “angariar” dinheiro para “sair da droga” isso não dá aos outros direito de nos julgar, e blá-blá-blá, blá-blá-blá, etecetera-e-tal. Veio uma “angariadora-chefe” salvar a outra dos meus argumentos, e salvar-me a mim dos meus argumentos…
Pronto, no fundo o que eu queria dizer, assim a jeito de aviso, para quem resolver andar p’raí a atirar-me com “não sabes porque não passaste por isto assim- assim” ou “quando passares por isto é que vais ver”, é que, pá!, não se admirem se eu lhes começar a falar de repente no Vasco Santana, tipo, contar uma cena do “Pai Tirano”ou começar a cantar o “Fado do Vasquinho da anatomia”: é que estou a fazer como ele, a abrir a gaveta dos manguitos invisíveis e a deixá-los sair.
(podem fazer-me o mesmo se for eu a franco-atiradora de juízos morais.)
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porque, no fundo:
as minhas experiências são apenas as minhas experiências;
aquilo pelo que os outros passam é apenas aquilo pelo que os outros passam;
nem mais.
nem menos.
nem eu terei nunca acesso ao que os outros experimentam, por mais empatia que tenha, ou mesmo que até venha a passar por coisas idênticas;
nem os outros saberão se as experiências pelas quais passaram, terão ou teriam os mesmos efeitos em mim ou nas outras pessoas.
nem as minhas pessoalíssimas experiências, por melhor que eu as comunique, partilhe, ou até as viva em conjunto com outros, deixarão de ser as minhas pessoalíssimas experiências.
terça-feira, abril 08, 2008
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3 comentários:
nem mais.
Muito bom. Lembra-me certa conversa pelas ruas de Tomar, antes ou depois de passarmos á porta da "Casa das ratas", antes ou depois de nos sentarmos num quarto de uma residencial chamada Sinagoga...
beijinho
;-)
pois!
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