segunda-feira, janeiro 12, 2015

palimpsesto



quando eu nasci a minha avó (paterna) tinha 42 anos, a idade que eu tenho agora.

era uma avó jovem, com os três filhos já adultos, dois deles já casados na ocasião.

depois de eu nascer ela foi e fez tantas coisas, que quando a vejo agora, frágil, enrugada, reconheço o palimpsesto que foi sempre a sua vida, com mudanças e desafios a todo o momento.

lembro-me quando tirou a carta de condução, e como enfrentava o preconceito; lembro-me de a ver sempre activa, sempre a pensar, a antecipar e a resolver problemas.

lembro-me de ir apanhar figos e nozes e maçãs e ameixas e cerejas e azeitonas com ela; de ir apanhar musgo para o presépio, bugalhos e azevinho.

lembro-me das viagens de comboio, de passar na ponte D. Maria Pia, no Porto, e de olharmos lá para baixo e sentirmos tudo a tremer.

lembro-me das noites de sueca, whisky e tabaco; da garrafa de aguardente; da fruteira com maçãs, do galheteiro e dos dentes de alho, dos peixinhos de escabeche, do coelho guisado, da marmelada e do leite creme.

e lembro-me de a ouvir falar de antes, do tempo em que eu ainda não a conhecia, das suas ambições, vontades, sonhos. do que fez, do que não conseguiu fazer, do que nunca sonhou conseguir e fez.

e ao lembrar-me percebo a quantidade de vidas que cabe na vida de uma pessoa, que nada nunca é estático, que nos compete aprender e crescer com as mudanças, mesmo que nem sempre sejam as desejadas.


tenho hoje a idade que a minha avó tinha quando eu nasci.

tantas vidas, desafios, mudanças ainda me esperam.



2 comentários:

Anónimo disse...

somos jovens:)

natalie disse...

:)