"Deitava-se de costas e de luz acesa permanecia largos minutos, com as duas mãos em cima da barriga, como se esperasse por milagre uma morte repentina que a acordasse. Olhava o tecto, o candeeiro mal preso, e o papel de parede velho e escuro que diminuía o quarto. Todas as noites via o mesmo antes de fechar os olhos. Tinha sempre o mesmo sonho desde que ele morrera.
Sonhava que andavam os dois no primeiro carro dele, verde escuro e de assentos cremes, em silêncio e a sorrir, enquanto passavam por uma estrada adornada de salgueiros de ambos os lados. Em linha recta seguiam sem trocar uma palavra e restava-lhes tão somente o conforto de se amarem sem pressa. Entardecia e ao longe avistam uma casa amarela, com um portão enferrujado e vegetação densa."
ler tudo aqui: R.L., Asinhas de Frango
quinta-feira, março 31, 2011
domingo, março 27, 2011
sexta-feira, março 25, 2011
quinta-feira, março 24, 2011
sem que soubesses
Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.
Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.
Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.
Fernando Assis Pacheco
(mais um roubado no facebook.)
quarta-feira, março 23, 2011
recados: chega de imaginar
Chega de imaginar. O caminho é seguir em frente e ser o que é preciso a cada instante. Se há frutos na hora da colheita, alguém os semeou; se nada há que plantar agora, é preciso tornar a terra fértil. Semeia-te e colhe-te para semeares e colheres nos outros também. Chega de imaginar: a realidade é aqui e agora. Tens estes olhos, estas mãos e esta mente: transforma-te em acção e voa.
(Junho, 2004)
segunda-feira, março 21, 2011
quarta-feira, março 16, 2011
a hora
"Até que veio o momento em que o quis, o desejou com a força acumulada dos sonhos, da carne, dos medos esquecidos, da vitória sobre si própria.
Dessa vez, porém - contrariedade, distracção? - ele não se deu conta que a hora tinha chegado, e disse que sim, que compreendia."
J. Rentes de Carvalho
Tempo contado
Dessa vez, porém - contrariedade, distracção? - ele não se deu conta que a hora tinha chegado, e disse que sim, que compreendia."
J. Rentes de Carvalho
Tempo contado
e há poetas que são artistas
XXXVI
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.
Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.
Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
terça-feira, março 15, 2011
algo
"Compreende agora - perguntou-me certo dia o mestre, depois de um tiro particularmente feliz - o que quer dizer: algo atira, algo acerta?"
"Receio bem já não entender rigorosamente mais nada - respondi -, até o mais simples se torna confuso. Sou eu quem estira o arco, ou é o arco que me leva à tensão máxima? Sou eu quem acerta no alvo, ou é o alvo que me acerta a mim? Esse algo é espiritual aos olhos do corpo, ou corporal, aos olhos do espírito, ambas as coisas, ou nenhuma? Todas estas coisas, arco, seta, alvo e Eu enredam-se de tal maneira que já não os consigo separar. Até o desejo de o fazer desapareceu, pois assim que agarro o arco e disparo, tudo fica tão claro, tão inequívoco, tão ridiculamente simples..."
O mestre interrompeu-me e disse: "Neste preciso momento a corda do arco acaba de o atravessar."
Eugen Herrigel
Zen e a arte do tiro com arco
"Receio bem já não entender rigorosamente mais nada - respondi -, até o mais simples se torna confuso. Sou eu quem estira o arco, ou é o arco que me leva à tensão máxima? Sou eu quem acerta no alvo, ou é o alvo que me acerta a mim? Esse algo é espiritual aos olhos do corpo, ou corporal, aos olhos do espírito, ambas as coisas, ou nenhuma? Todas estas coisas, arco, seta, alvo e Eu enredam-se de tal maneira que já não os consigo separar. Até o desejo de o fazer desapareceu, pois assim que agarro o arco e disparo, tudo fica tão claro, tão inequívoco, tão ridiculamente simples..."
O mestre interrompeu-me e disse: "Neste preciso momento a corda do arco acaba de o atravessar."
Eugen Herrigel
Zen e a arte do tiro com arco
domingo, março 13, 2011
quinta-feira, março 10, 2011
domingo, março 06, 2011
quinta-feira, março 03, 2011
premonição
premonição
um braço ao lado do meu
uma cor de céu azul
um lenço em cima da cama
um par de sapatos
a luz na janela
um barco
uma montanha
uma palavra
dada
recebida
o mar a entrar pela janela
a madeira a flutuar
palmeiras
longe
premonição
uma voz que chama
um conforto na viagem
um sinal aberto
um sinal à chegada
uma mão a acenar
o azul, o azul, o azul
madeira
lençóis brancos
chão de terra
loiça partida
uma casa vazia
cheiro a erva
um rio ou um mar
as nuvens e a chuva
uma cor: vermelho
outra cor: verde
uma mesa de madeira
beliches
um fogão
o sol nas paredes brancas
as pedras, as pedras, as pedras
construir
esperar
dois vasos à janela
um baloiço
os risos, os risos, os risos
(2006)
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