quinta-feira, março 25, 2010

comportamento restaurado

"O comportamento restaurado é o comportamento vivo tratado como um realizador trata um pedaço de filme. Estes pedaços de comportamento podem ser rearranjados ou reconstruídos; são independentes dos sistemas causais (sociais, psicológicos e tecnológicos) que os trouxeram à existência. Têm uma vida própria.
A “verdade” ou “fonte” original do comportamento pode ter-se perdido, ser ignorada ou contrariada – mesmo quando essa verdade ou fonte está aparentemente a ser honrada e observada. Como o pedaço de comportamento foi feito, descoberto ou desenvolvido pode ser desconhecido ou escondido; elaborado; distorcido pelo mito ou tradição.

Usados no processo de ensaios para fazer um novo processo, a performance, estes bocados de comportamento não são eles próprios processo, mas antes coisas, itens, materiais. Podem ser de longa duração, como em alguns dramas e rituais ou de curta duração como certos gestos, danças e mantras.

(O comportamento restaurado) É usado em todos os tipos de performance desde o xamanismo e exorcismo até ao trance, desde a dança ritual à dança estética e teatro, desde ritos de iniciação aos dramas sociais, da psicanálise ao psicodrama. De facto, o comportamento restaurado é a principal característica da performance.

Os praticantes de todas estas artes, ritos, e curas assumem que certos comportamentos – sequências organizadas de eventos, guiões de acções, textos conhecidos, partituras de movimentos – existem separados dos performers que “fazem” estes comportamentos.
Porque o comportamento está separado daqueles que estão a agir, é possível que o comportamento seja armazenado, transmitido, manipulado, transformado. Os performers entram em contacto com, recuperam, recordam, ou mesmo inventam estes pedaços de comportamento e depois vão “comportar-se de novo” (re-behave) de acordo com esses pedaços, seja sendo absorvidos por eles (fazendo o papel, entrando em trance) ou existindo lado a lado com eles (o Verfremdungseffekt de Brecht – efeito de “distanciamento”)
(…)
O comportamento restaurado está “lá fora”, distante de “mim”. É separado e por isso pode “trabalhar-se sobre ele”, ser modificado, mesmo que já tenha “acontecido antes”. (…) O comportamento restaurado é simbólico e reflexivo: não vazio, mas comportamento gravado que reproduz múltiplas significações. Estes termos difíceis expressam um único princípio: o “self” pode agir no/como outro. (…) A performance significa: nunca pela primeira vez. Significa: pela segunda ou pela “n” vez. A performance é um comportamento duas vezes agido (twice-behaved behavior).
(…)
A função dos ensaios no teatro estético é estreitar as escolhas ou pelo menos tornar claras as regras da improvisação. Os ensaios funcionam para construir uma partitura que é um “ritual por contrato”: o comportamento fixado, que todos os que participam acordam fazer.
A partitura pode mudar porque não é um “ evento natural” mas um modelo de escolhas humanas individuais ou colectivas. A partitura existe, como Victor Turner dizia, naquilo que Stanislavsky chamava o “como se”. Existindo como segunda natureza, o comportamento restaurado é sempre sujeito a revisões.
(…)


(adaptado de)
Richard Schechner
A Dictionary of Theatre Anthropology, the secret art of the performer

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