segunda-feira, julho 27, 2009

as aulas de inglês no departamento de física

Um dia um colega de faculdade atirou “querem ter aulas de inglês no departamento de física?” eu e a Paula em coro “no departamento de física?”, “de graça”, disse ele. Fomos. Depois da última aula da manhã lá íamos nós a correr para o departamento de física, subíamos três lances de escadas e avançávamos por um longo corredor onde porta sim, porta não, havia um símbolo do nuclear. As aulas alternavam entre a conversação, exercícios de gramática e a repetição de frases tipo “milk, butter and cheese are delivered here from the dairy farms”, o que chegava a ser hilariante! Quase todos os alunos tinham muitas dificuldades com o idioma que precisavam saber para ler os manuais. Lembro-me de uma mulher mais velha, não sei se era aluna ou professora de uma engenharia qualquer, nós éramos os únicos "extra-terrestres" de direito, que numa aula de conversação revelou ter ido à China sem falar uma única palavra de inglês. Para mim e para a Paula, o nosso outro colega entretanto desistiu, aquilo era mais divertido que didáctico.
Numa dessas aulas em que se conversava fomos parar à literatura. Só eu, a Paula e um outro rapaz, um pouco mais velho do que nós, por quem tive uma “identificação à primeira vista”, e que, por isso, se tornou na principal razão para me manter alguns meses a correr para o departamento de física, é que líamos romances, os outros só manuais técnicos. A atenção acabou, naturalmente, por se centrar em nós, não só porque líamos livros, mas também porque sabíamos inglês suficiente para aguentar uma conversa. Eu tinha acabado de ler “O amor nos tempos da Cólera” do García Marquez, e tinha lido Jorge Amado, Milan Kundera, Lobo Antunes, e outros que agora não me lembro, o que, creio, agradou ao professor perante uma sala onde poucos tinham o gosto pela leitura. No fim da aula o professor, um homem baixo, de barbas, que devia andar nos 50 e tal anos, disse que me ia dar uma coisa. O tal rapaz revelou-nos “é um livro”, sorriu, “ele é escritor”. “Ai, é?”, eu e a Paula surpreendidas. Lá fui com o professor até uma outra sala, num outro andar, e com alguns longos corredores pelo meio, sempre com símbolos do nuclear em algumas portas, onde de uma caixa cheia ele tirou um livro, escreveu uma dedicatória simples, e deu-mo.
Ainda frequentei as aulas durante algum tempo, mesmo depois da Paula ter desistido, não tanto para melhorar o inglês, mas na esperança de falar com o tal rapaz. Quem sabe, talvez surgisse a oportunidade de almoçarmos juntos na cantina, ou combinarmos um café, embora eu, na ocasião, fosse tão tímida que jamais tomaria a iniciativa de propor qualquer uma destas coisas a alguém de quem gostasse. Entretanto, também ele deixou de aparecer. Eu comecei a rarear as idas ao inglês, nunca fui de desistir das coisas à primeira, até que resolvi passar a ir almoçar mais cedo com a Paula, não sem continuar, durante algum tempo, a espreitar para o departamento de física sempre que por lá passava.

2 comentários:

moço disse...

Não sei porquê, mas lembrei-me destes versos do Sérgio Godinho:

«Não me beijes por engano
não me causes maior dano
do que aquele que causaste
no dia em que aproximaste
os teus lábios do meu peito
e num momento perfeito
de paz e de assombração
tocaste o meu coração»

natalie disse...

tão bonito!
:)