segunda-feira, janeiro 05, 2009
cyrano
CYRANO
Isso é breve e não tem graça alguma.
Poder-se-ia dizer... mas tanta coisa, em suma!
Variando o tom de voz... assim: dai-me atenção:
AGRESSIVO: "Senhor, tamanho narigão
Fosse meu, que, sem dó, lhe apararia o topo!"
CORTEZ: "Esse nariz mergulha-vos no copo:
Usai dum canjirão para beber melhor."
DESCRITIVO: "É rochedo! É cabo! Inda é maior:
É promontório! É mais: é o novo Continente!"
CURIOSO: " De que serve essa vasilha ingente?
Servirão de tinteiro os âmbitos nasais?"
GRACIOSO: "Tanto afeto às aves dedicais,
que destarte busqueis, benévolo e fagueiro,
aos dedicados pés ceder-lhes um poleiro?"
TRUCULENTO: "Senhor, se vós vos distraís
A fumar, e lançais vapores no nariz,
O vizinho não crê que a chaminé vos arde?"
PREVIDENTE: "Cuidado! O crânio que se guarde:
Esse peso é capaz de dar-lhe um trambolhão!"
TERNO: "Plantai-lhe em cima um toldo, um pavilhão:
do contrário, talvez a luz do sol empane-o"
PEDANTE: "Só o monstro, o monstro Aristofânio,
- Hipocampelefantocamelo - afinal,
Teve tão volumoso o apêndice nasal."
CAVALHEIRO: "Isso é gancho ao derradeiro gosto?
Pendurai-lhe um chapéu, que ficará bem posto!"
EMPOLADO:"Que vento, exceto algum pampeiro,
Poderá, ó nariz, te constipar inteiro?"
TRÁGICO: "É o Mar Vermelho o teu sanguíneo jato!"
PASMADO: "É um chamariz pra vendedor de extrato".
LÍRICO: "É a vossa concha, ó filho de Anfitrite?"
INGÉNUO: "É um monumnento! A entrada se permite?"
RESPEITOSO: "Deixai saudar-vos a eminência:
Vale um bem de raiz tamanha saliência."
LAPUZ: "Virgem Maria! Isso é nariz de sobra:
Estou que há-de ser couve, ou que há-de ser abóbora."
BELICOSO: "Apontar! Passa a cavalaria!"
PRÁTICO: " Se o meteis em rifa ou lotaria,
Vai ser a sorte grande, a bruta, certamente."
Enfim, parodiando a Píramo plangente:
"Eis o nariz fatal, que aos traços do senhor
A harmonia desfez! E cora de pudor!"
Meu caro, eis o que vós dirieis, a contento,
se pudésseis dispor de letras e talento.
Mas, de talento, vós tristíssimo enxovedo,
Nunca tivéstes a sombra, ou simples arremedo.
E de letras somente as da palavra TOLO!
Mas tivésseis, embora, um pouco de miolo.
Para poderdes vir, perante este auditório,
um gracejo dizer, tornando-me irrisório, -
Que não teríeis dito um quarto de metade
Do começo dum só; - pois, a falar verdade,
A mim mesmo eu permito uma pilhéria boa:
Mas não permitirei dizer-me outra pessoa."
Edmond Rostand, "Cyrano de Bergerac"
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