"Não há mais palavras bonitas ou poéticas que digam o que sinto neste momento.
Chega.
Por mais que tente mascarar a realidade fria com beleza, não há estética que me tire esta dor.
Chegamos ao fim, ao mais fundo e frio fim.
Palavra alguma descreve o que me fizeste, o abandono que senti quando mais precisava de ti; nada justifica os teus jogos, os teus movimentos, a forma hábil que encontraste para me destruíres.
Ouvi coisas, vi coisas, senti coisas que nunca devia ter sentido, sim, por tua culpa.
Quis desculpar, quis pensar que sofrerias como eu, e que talvez para ti fosse pior…
Como fui capaz? Devia ter terminado tudo naquele momento em que o ódio tomou conta de nós, em que o respeito que nos devemos se volatilizou e transformou em cólera.
É difícil enfrentar a realidade, não é? A vida é suja, áspera, rude; a vida não é o pequeno paraíso em que te imaginas; ninguém mais do que eu sabe como a vida nos revolve as entranhas e nos transforma em bichos.
E os bichos enfrentam o fim com naturalidade: se for preciso matar para sobreviver, não pensam duas vezes. Os bichos não têm moral.
Agora tudo parece mais claro, mas no auge da dor, tudo se confunde; no cume do sofrimento, queremos a toda a força voltar à felicidade perdida; por isso escondemos o que nos pode atrasar o regresso ao momento antes da crise, quando tudo estava bem. E quando nos apercebemos passaram dias, meses, anos sem que nada tenha mudado. Congelamos a dor, mas não a ultrapassamos."
AVISO: este texto não é auto-biográfico; escrevi-o em 2004, provavelmente inspirada pelas várias tragédias familiares que sou obrigada a conhecer.
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