"Mas o que é a intuição? São todas essas evidências, é esse encontro entre as pré-figurações da minha mente, sejam elas inatas (instintivas) ou aprendidas, e as configurações do mundo. É essa dança entre os meus impulsos nervosos e os estados do mundo. É a dança da alma. É o encontro entre os estados do meu corpo e os estados do mundo. E os estados do meu corpo não se relacionam apenas com o movimento. Se eu estiver bem treinado na dança da alma, logo que me encontre com a noite, o corpo fica cansado, o pensamento esvai-se e adormeço. Danço com a rotação da Terra até acordar quando de novo ela se virar para o Sol. E danço com a transladação da Terra quando a primavera me alegra e o outono me amolece. Não fossem as luzes da civilização, estes computadores que não me deixam descansar e as palavras que me inquietam, eu poderia melhor dançar em harmonia com a natureza.
Mas tenho mais com quem me encontrar, tenho mais com quem dançar. Encontro-me com outras pessoas, com as que me são queridas e com as que desejo. Encontro-me e desencontro-me, sofrendo alegrias e tristezas, dominando às vezes, sendo outras vezes submetido. E também procuro pares entre as pessoas que me eram desconhecidas. Às vezes, a empatia é imediata, e as nossas mentes acertam a dança. Outras vezes bem se tenta, mas as pisadelas são demais e o afastamento inevitável. Nem sempre se acerta a dança, mas sempre se pode tentar e aprender. Aliás, nada melhor para aprender do que começar com o desacerto. Todos procuramos a harmonia, mas, quando vamos à procura dela, o que mais encontramos é a dissonância. Quando a encontram, ou rapidamente se afastam dela, ou imediatamente se põem a trabalhar para reencontrar a harmonia. Quando a reencontramos provisoriamente, pensamos que descobrimos a verdade, mas logo novas dissonâncias nos devolvem a inquietação. A essa inquietante procura, chamamos curiosidade."
J. L. Pio Abreu, "O bailado da alma", D. Quixote, 2014
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