quetzalcoatle, a serpente emplumada
"Serenamente toco no chão com as palavras e não sinto já medo. Estou na terra e ela está em mim. Os meus pés deslizam suaves pelas ervas no chão e não sentem já a diferença que há entre eles e o território em baixo.
Dos pés emerge algo forte, profundo e sólido como a própria terra, e esta energia envolve-me todo o corpo, eleva-me os pensamentos, que fluidos, se misturam com tudo o que me rodeia.
E vejo as pessoas, sou como elas;
Vejo o rio, deixo-me levar na sua corrente;
Olho o céu e brilho no luzir das estrelas, mergulho na escuridão do universo;
Encontro-me com a Lua e sou só o olhar que lhe dirijo, pertenço-lhe;
Nasço com o sol e a sua luz ilumina-me o espirito, o seu calor derrete-me o corpo, sou só energia;
Oiço a chuva na natureza, sinto a sua fresca humidade, e lavo de mim todas as impurezas;
Mergulho no mar e sou de sal e água, de sol e vento, de luz e fogo, de terra e ar.
Estou aqui e tudo está em mim, sou só este instante breve que passou...
Serenamente, olho o passado e não estou nele; serenamente invento um futuro e ainda não estou nele. Estou aqui, na minha vida, no meu presente, que se altera minuto a minuto, pensamento a pensamento.
Toco o chão com palavras imaginárias, com pés reais e imagens só minhas.
Toco o chão e sinto o meu peso, sinto a gravidade que me empurra para a terra, que me puxa, que me envolve com doces palavras, que me promete uma tranquilidade ainda utópica. Presa ao chão (como réptil?), já não é o desconforto que sinto, mas apenas um chamamento maior, que me aproxima de tudo o que há de bom em mim.
Serenamente, misturo o sonho de voar com a força das raízes que me prendem à terra, e entre a ave que não sou e o réptil que não quero ser, invento um novo espaço, uma nova forma de estar, um pássaro que voa envolvido no conforto da terra..."
2-08-1999