terça-feira, setembro 15, 2009

Mar Musa



(...)
"É a mais extraordinária das igrejas, no cimo de uma montanha, no deserto.

E quando saímos para o terraço, é o mais extraordinário dos céus, sem lua, sem nuvens, só milhões de estrelas muito brilhantes, como se estivessem mesmo aqui.

Hummus, azeitonas, pão, pepinos, chá, é o jantar. A loiça levanta-se, mas só se lava na manhã seguinte, é a regra. Paolo chega, enfim, com uma das monjas, Huda, e outros acompanhantes.

Há quem durma no terraço mais alto, com todas aquelas estrelas por cima, virando o colchão para onde o sol vai nascer.

Paolo do deserto

Às seis da manhã as montanhas parecem ouro. Quem dormiu cá fora, arruma colchões e lençóis. Vindo do anexo dos homens, o sírio namorado de uma holandesa já está pendurado no parapeito, à espera que ela acorde.

A missa das sete e meia atrasa. Mas quando começa os monges estão todos vestidos de branco, com Paolo a presidir. É uma longa missa, de novo com cânticos, leituras a várias vozes, incenso e velas, e partes conversadas.

- O Ramadão é um bom tempo para rezar pela e com a comunidade islâmica - diz Paolo.

A luz da manhã bate no chão, fazendo brilhar os frescos.

São quase dez quando saímos da igreja.

Paolo vai fritar ovos para o pequeno-almoço, para umas 20 pessoas.

E, quebrado o jejum, passamos o resto da manhã a conversar.

Italiano vindo das lutas de esquerda, filho de cristãos empenhados, tinha 30 anos quando entrou para os jesuítas. Estudou árabe e siríaco e esteve no Líbano durante a invasão israelita, a ajudar os libaneses. No fim dos anos 80 veio aqui. Tinha ouvido falar deste mosteiro.

- Estava tudo partido. Tive de forçar a porta. E depois quando entrei na igreja fiquei atónito. Era já de noite e não havia tecto. Vi aqueles frescos e um incrível tecto de estrelas.

Ficou para dormir. Comeu plantas, fez fogo, ferveu água.

- Sou um homem da montanha, um escuteiro. Fiquei dez dias. Vieram caçadores muçulmanos e ofereceram-me a comida deles. Percebi a relação dos muçulmanos com o mosteiro.

E percebeu que este era o lugar para os três votos: vida espiritual, trabalho manual e hospitalidade.

- A hospitalidade é realmente o nosso programa político. Só através dela pode ser conseguido um humanismo desenvolvido. Sem hospitalidade, a tentação do suicídio torna-se muito forte para mim, a vida torna-se insuportável. Porque estamos aqui? Pela hospitalidade. A prática do diálogo começa na curiosidade. Acreditar que o outro tem algo para oferecer.

E antes do almoço vai juntar lençóis usados, daqueles que vieram dormir por uma noite. "


Alexandra Lucas Coelho

in Público - Mar Musa Um fim-de-semana com os novos padres do deserto



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