sábado, julho 25, 2015

quinta feira



VEM À QUINTA-FEIRA

É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.

Filipa Leal

terça-feira, julho 21, 2015

terça-feira, julho 14, 2015

ligações


Ilustrações  de George Barbier



"(...) Entretanto, o Cavaleiro chega à minha porta, com o mesmo ardor de sempre. O porteiro não o deixa entrar e diz-lhe que estou doente: primeiro incidente. Ao mesmo tempo, entrega-lhe uma missiva minha - não escrita pela minha mão, segundo o meu hábito. Abre-a e lê o seguinte - escrito pela mão de Victoire: "Às nove em ponto, no bulevar, diante dos cafés." Dirige-se para lá; quando chega, um pequeno lacaio, que não conhece ou supõe não conhecer, pois continua a ser Victoire, anuncia-lhe que deve reenviar a carruagem e segui-lo. Todo aquele caminho romanesco vai-lhe aquecendo a cabeça, e a cabeça quente nunca foi prejudicial, nestes casos. Por fim, ei-lo chegado, e a surpresa, assim como o amor, provocam nele um verdadeiro encantamento. (...)

Como dispúnhamos de seis horas para passarmos juntos e porque eu também decidira que todo esse tempo fosse para ele delicioso, moderei os seus transportes e a amável coqueteria substituiu a ternura. Penso nunca ter feito tantos esforços para agradar nem nunca ter ficado tão satisfeita comigo mesma. Depois do jantar, ora acriançada e razoável, ora folgazona e sensível, por vezes mesmo libertina, diverti-me a tratá-lo como um sultão no seu harém, onde eu ia desempenhando, sucessivamente, os papeis das várias favoritas. Efectivamente, as suas repetidas homenagens, embora sempre recebidas pela mesma mulher, foram-no sempre por uma amante diferente.

 Por fim, ao nascer do dia, chegou o momento da separação; e, apesar do que dizia e fazia para me provar o contrário, ele tinha tanta necessidade disso como pouca vontade de me deixar. (...) "


 As Ligações, Perigosas, Carta 10, Da Marquesa de Merteuil para o Visconde de Valmont, Pierre Chordelos de Laclos.