sábado, março 29, 2014

nunca, também



Amor

Cala-te, a luz arde entre os lábios, 
e o amor não contempla, sempre 
o amor procura, tacteia no escuro, 
essa perna é tua?, esse braço?, 
subo por ti de ramo em ramo, 
respiro rente á tua boca, 
abre-se a alma à lingua, morreria 
agora se mo pedisses, dorme, 
nunca o amor foi facil, nunca, 
também a terra morre. 




Eugénio de Andrade

quarta-feira, março 19, 2014

nude


Lee Miller, 1930 por Man Ray

domingo, março 16, 2014

wi fi


Hedy Lamarr 

por  Laszlo Willinger

quarta-feira, março 12, 2014

segunda-feira, março 10, 2014

O actor



O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.





Herberto Helder

quarta-feira, março 05, 2014

...



Mario De Biasi

terça-feira, março 04, 2014

and if you want another kind of love I'll wear a mask for you







 (e quem nunca desejou ter uma voz doce ao ouvido a dizer "if you want a lover I'll do anything you ask me to...", que atire a primeira pedra)

domingo, março 02, 2014

blog

pergunto-me muitas vezes porque continuo a vir aqui por coisas.

já várias vezes tentei fechar a loja, mas voltei sempre e, embora com menos assiduidade, continuo a colocar aqui as minhas coisinhas: uma espécie de colagem, em jeito de diário de adolescente, com músicas, excertos de textos, filmes, reflexões, coisas que escrevinho, e ultimamente demasiados desabafos.

de vez em quando, muito por culpa de ir atrás do que os poucos visitantes andam à procura por aqui, acabo por ir revisitar algumas páginas antigas do blog.
aconteceu agora, fui dar uma volta a 2011, e encontrei lá outra pessoa. gostei de mim em 2011, estava activa e cheia de projectos, vontades, energia.
parece que houve uma parte de mim que ficou em 2011 e preciso resgatá-la urgentemente.
tenho de recuperar a plasticidade mental, a abertura e criatividade.
não sei como se faz, mas estou a ir para esse caminho.

mas, desabafos à parte, outra coisa que noto é que desde então os comentários às publicações, que já eram poucos, reduziram acentuadamente.
inicialmente, e como me tornei assídua no facebook, achei que era normal essa transferência.
mas actualmente, já não creio que seja só isso.
não só eu coloco aqui coisas provavelmente menos interessantes, como  também há menos interesse em dialogar, interagir.
mesmo no facebook de há uns bons meses para cá vejo cada vez menos partilhas interessantes.

podia ser bom este cansaço e desinteresse pela partilha virtual, se a "vida real" estivesse a ser rica de acontecimentos e partilhas.
mas não é o que vejo.
vejo-nos mais vazios
tristes
e por isso com menos coisas para dizer, partilhar.


por enquanto vou continuar por aqui, a juntar coisas, como num caixote que se tem debaixo da cama, onde guardamos recortes de jornais, bilhetes de espectáculos, fotografias de viagens e outros pequenos tesouros.

porque neste momento é para isso que serve o blog: armazenar material.