sábado, abril 29, 2006

impermanência

como tudo pode mudar de um momento para o outro
sem que nada se possa fazer,
o melhor,
dizem os sábios,
é aceitar a verdade da impermanência.

saber que tudo vai, tudo vem
e que a nenhuma certeza vale a pena
ficar preso.

por exemplo, hoje.
o que ia haver, foi cancelado...
como optei por ficar, perdi o que havia noutro lugar.

mas

havia ainda outra opção.

telefonemas, acidentes, mensagens
e finalmente,
qualquer coisa concreta para me levar à opção que restava.

no entretanto, um encontro
a que faltei,
(não se pode ter tudo)
com pena,
porque a energia que o dia veio a prometer
desvaneceu-se
(não se pode ter tudo)
e sabe-se lá quando voltará...

no entretanto, algum receio,
misturado com a inevitável aceitação,
que também amanhã
tudo mude
de um momento para o outro.

mas dizem os sábios
há que aceitar
e aprender
com a verdade da impermanência.

(e há que ter a coragem para seguir a máxima
"quando não sei o que fazer, não faço nada"
uma regra da "técnica da máscara"
que se parece com a "não-acção" zen!)

sexta-feira, abril 28, 2006

ver e reparar

se podes olhar,

se podes ver,
repara.

José Saramago, "O Ensaio sobre a Cegueira"


Vejam e reparem aqui:

http://www.terranatur.com/html/sintra.html

quinta-feira, abril 27, 2006

love (II)

"Love is a state in which a man sees things most decidedly as they are not".


Friedrich Nietzsche

www.drury.edu/ess/postmodernism/Nietzsche

quarta-feira, abril 26, 2006

foi bonita a festa, pá

Dedicada especialmente a todos os "Zés", e em particular ao Marco António e à Joana, que se apaixonaram pela nossa Revolução e trouxeram do Brasil o cheirinho a alecrim que nos faltava.


Tanto Mar II


Foi bonita a festa, pá
fiquei contente
'inda guardo renitente, um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
mas, certamente
esqueceram uma semente nalgum canto de jardim

Sei que há leguas a nos separar
tanto mar, tanto mar
Sei também como é preciso, pá
navegar, navegar

Canta a Primavera, pá
cá estou carente
manda novamente algum cheirinho de alecrim


Chico Buarque, 1976


(A primeira versao de "tanto mar"foi censurada no Brasil, por ser uma saudação à Revolução de Abril de 1974 em Portugal. Esta segunda versão foi gravada no início de 1976 e refere-se ao Novembro de 1975 em Portugal e ao fim do período mais revolucionário que por cá se vivia)
Fonte: http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/buarque-tantoMar2.html

segunda-feira, abril 24, 2006

love

"Love looks not with the eyes but with the mind."

Shakespeare, A Midsummer Night's Dream

quinta-feira, abril 20, 2006

quarta-feira, abril 19, 2006

Se isto é um homem


Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas,
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerei se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não.
Considerai se isto é uma mulher,
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu:
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração
Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entrave,
Que os vossos filhos vos virem a cara.


Primo Levi, Se isto é um homem

quase em simultâneo

no palco do tagv teresa guilherme e amigas
recebiam os aplausos (acredito que de pé e com o habitual ramo de flores)

desmaquilharam-se, alegres por mais um êxito, e
presumo,
um carro da produção terá levado as "artistas"
para o hotel onde repousaram após o êxtase do palco.


imagino que em algum canto menos óbvio do tagv
ricardo seiça e os amigos (projecto buh!)
preparavam-se para a performance "GAL: farpas para um país sem lobbies"

não receberam um ramo de flores
nem foram aplaudidos de pé

mas as palavras de eça e ramalho
e as farpas contemporâneas introduzidas
em comentários mordazes
não deixaram ninguém indiferente

não sei se a quase simultaneidade das duas performances
foi planeada

mas a frase
"quem tem ética passa fome"
que "uma apresentadora de tv com influência no meio artístico"
terá proferido,
e que foi citada nas "farpas"

ficou a soar nas paredes do tagv
como um recado
uma acusação
ou uma profecia.

segunda-feira, abril 17, 2006

seiva




"Ensina-me o nome das árvores,
a reconhecer as flores pelo cheiro,
a distinguir a salva, o alecrim e o rosmaninho.

Ensina-me o movimento do desabrochar das flores,
a entender a vida invisível das pedras, o seu respirar.


Dá-me a cheirar a vida,
sê a minha seiva."


2002

voo

é na montanha que me reconheço pássaro.

sexta-feira, abril 14, 2006

beckett


faria hoje cem anos.

passei boa parte da tarde à procura de "Godot"
(onde terei guardado?)
como não encontrei, fui lá para fora passear, "à espera"
(de me lembrar onde terei guardado?)


está uma lua cheia enorme na janela da sala
(há umas horas atrás era ainda maior e amarela)

nada para fazer...


segue um excerto
(onde terei guardado?)
em inglês, do 1º acto

de


Waiting for Godot


A country road. A tree.

Evening.

Estragon, sitting on a low mound, is trying to take off his boot. He pulls at it with both hands, panting.

He gives up, exhausted, rests, tries again.
As before.
Enter Vladimir.

ESTRAGON:
(giving up again). Nothing to be done.

VLADIMIR:
(advancing with short, stiff strides, legs wide apart). I'm beginning to come round to that opinion. All my life I've tried to put it from me, saying Vladimir, be reasonable, you haven't yet tried everything. And I resumed the struggle. (He broods, musing on the struggle. Turning to Estragon.) So there you are again.

ESTRAGON:
Am I?

VLADIMIR:
I'm glad to see you back. I thought you were gone forever.

ESTRAGON:
Me too.

VLADIMIR:
Together again at last! We'll have to celebrate this. But how? (He reflects.) Get up till I embrace you.

ESTRAGON:
(irritably). Not now, not now.

VLADIMIR:
(hurt, coldly). May one inquire where His Highness spent the night?

ESTRAGON:
In a ditch.

VLADIMIR:
(admiringly). A ditch! Where?

ESTRAGON:
(without gesture). Over there.

VLADIMIR:
And they didn't beat you?

ESTRAGON:
Beat me? Certainly they beat me.

VLADIMIR:
The same lot as usual?

ESTRAGON:
The same? I don't know.

VLADIMIR:
When I think of it . . . all these years . . . but for me . . . where would you be . . . (Decisively.) You'd be nothing more than a little heap of bones at the present minute, no doubt about it.

ESTRAGON:
And what of it?

VLADIMIR:
(gloomily). It's too much for one man. (Pause. Cheerfully.) On the other hand what's the good of losing heart now, that's what I say. We should have thought of it a million years ago, in the nineties.

ESTRAGON:
Ah stop blathering and help me off with this bloody thing.

VLADIMIR:
Hand in hand from the top of the Eiffel Tower, among the first. We were respectable in those days. Now it's too late. They wouldn't even let us up. (Estragon tears at his boot.) What are you doing?

ESTRAGON:
Taking off my boot. Did that never happen to you?

VLADIMIR:
Boots must be taken off every day, I'm tired telling you that. Why don't you listen to me?

ESTRAGON:
(feebly). Help me!

VLADIMIR:
It hurts?

ESTRAGON:
(angrily). Hurts! He wants to know if it hurts!

VLADIMIR:
(angrily). No one ever suffers but you. I don't count. I'd like to hear what you'd say if you had what I have.

ESTRAGON:
It hurts?

VLADIMIR:
(angrily). Hurts! He wants to know if it hurts!

ESTRAGON:
(pointing). You might button it all the same.

VLADIMIR:
(stooping). True. (He buttons his fly.) Never neglect the little things of life.

ESTRAGON:
What do you expect, you always wait till the last moment.


http://samuel-beckett.net/

quinta-feira, abril 13, 2006

movimento

"No começo era o movimento porque o começo era o homem de pé, na Terra. Erguera-se sobre os dois pés oscilando, visando o equilíbrio. O corpo não era mais que um campo de forças atravessado por mil correntes, tensões, movimentos. Buscava um ponto de apoio. Uma espécie de parapeito contra esse tumulto que abalava os seus ossos e a sua carne.

Então a linguagem nascia num relâmpago, os sons combinavam-se, as palavras encadeavam-se, os sentidos incendiavam-se, a marcha desencadeava os seus passos na alegria, e hesitava na angústia de cair. A vida transbordava.

O bailarino retoma o seu corpo nesse momento preciso em que perde o seu equilíbrio e se arrisca a cair no vazio. Luta, jogando tudo por tudo: está em jogo a sua vida, a sua liberdade de bailarino, a sua luz. Faz apelo ao movimento, que proporcionará claridade e estabilidade à sua extrema agitação interior. Por meio de movimento domará o movimento: com um gesto libertará a velocidade que arrebatará o seu corpo traçando uma forma de espaço. Uma forma de espaço-corpo efémero, por cima do abismo."

José Gil, Movimento Total, o corpo e a dança
Relógio d'Água

quarta-feira, abril 12, 2006

tiro com arco




uma nova actividade

que espero repetir em breve!


segunda-feira, abril 10, 2006

regresso


depois disto...








é difícil regressar à rotina...

quinta-feira, abril 06, 2006

rumo ao sul



bom fim de semana

a casa

De quem era a casa que visitei?
Saí de lá tonta, sem me lembrar de mais nada, como se um sonho me tivesse invadido o quintal e transformasse em flores a terra velha dos meus vasos.
Seres imaginários entraram comigo no espaço amplo da casa vazia.
Imaginários? Eles estavam lá, cicerones entre as tábuas novas do soalho e os panos leves das cortinas. Eles caminhavam na erva que ainda crescia junto às escadas traseiras e brincavam com a ferrugem da fechadura velha.
Do outro lado do rio a floresta crescia aos meus olhos, e retive apenas vagas lembranças de um baile em volta da fogueira. A água do rio corria levando atrás de si pedras, ramos e bichos.
Um cheiro forte a Inverno.
De quem era a casa que visitei?
Uma mesa de madeira, uma cama feita, cobertas e cobertores nos armários, pratos nas prateleiras, copos no escorredor.
Uma mancha, uma sombra, uma ilusão...
Onde estava o resto da minha vida, na casa que visitei?

Ibéria


dias 6, 7 e 8 de abril, no museu dos transportes, às 21:30
o teatrão inicia a sua programação de Abril com o espectáculo

"Ibéria - A Louca História de uma Península"
pela Peripécia Teatro.





Informações e Reservas
O Teatrão
239 714 013/ 914 617 383
geral@teatrao.com

quarta-feira, abril 05, 2006

Youkali (2)

C’est presqu’au bout du monde,
Ma barque vagabonde,
Errant au gré de l’onde,
M’y conduisit un jour.

L’île est toute petite,
Mais la fée qui l’habite
Gentiment nous invite
À en faire le tour.

Youkali,
C’est le pays de nos désirs,
Youkali,
C’est le bonheur,
C’est le plaisir,

Youkali,
C’est la terre où l’on
Quitte tous les soucis,
C’est dans notre nuit,
Comme une éclaircie,
L’étoile qu’on suit,
C’est Youkali!

Youkali,
C’est le respect
De tous les Voeux échangés,
Youkali,
C’est le pays
Des beaux amours partagés,

C’est l’espérance
Qui est au coeur de tous les humains,
La délivrance
Que nous attendons tous pour demain,


Youkali,
C’est le pays de nos désirs,
Youkali,
C’est le bonheur
C’est le plaisir,
Mais c’est un rêve, une folie,
Il n’y a pas de Youkali!

Et la vie nous entrâine,
La sente, quotidienne,
Mais la pauvre âme humaine,
Cherchant partout l’oubli,

A pour quitter la terre,
Su trouver le mystère
Où no rêves se terrent
En quelque Youkali...

Youkali,
C’est le pays de nos désirs,
Youkali,
C’est le bonheur,
C’est le plaisir,

Youkali,
C’est la terre où l’on
Quitte tous les soucis,
C’est dans notre nuit,
Comme une éclaircie,
L’étoile qu’on suit,
C’est Youkali!

Mais c’est un rêve, une folie,
Il n’y a pas de Youkali!


Youkali: Tango Habanera

(R. Fernay/ Weill)

terça-feira, abril 04, 2006

youkali

ontem o meu horoscopo dizia: aprende uma nova língua, vê onde ela te leva.

hoje encontrei este livro, "Elucidário de Youkali", uma nova linguagem proposta por João Pedro Mésseder:


Abril

Assalto
ao Palácio do Inverno
para de vez
implantar
a Primavera.

Milagre

Unidade de peso,
utilizada na pesagem
dos sonhos da terra.

Folha (I)

Que um leve sopro a toque

Dar-te-á
como a palavra
a secreta voz do vento.

Folha (II)

Dádiva

Da língua
da árvore
ou do vento?


João Pedro Mésseder
Elucidário de Youkali, seguido de Ordem Alfabética, Campo da Palavra, Caminho

a escura raiz do grito

“Com uma faca
com uma faquinha
por um dia assinalado, entre as duas
e as três horas,
se mataram estes dois homens do amor.
Com uma faca,
com uma faquinha
que mal nos cabe na mão,
mas que penetra tão fina
pelas carnes assombradas,
e vai parar lá no sítio
onde emaranhada treme
a escura raiz do grito.
E isto é uma faca,
uma faquinha,
que mal nos cabe na mão
- que é um peixe sem escamas
nem rio –
para em dia assinalado,
entre as duas e as três horas,
com esta faca,
ficarem dois homens hirtos
e de lábios amarelos.
E mal nos cabe na mão;
penetra, porém, tão fria
pelas carnes assombradas!
- E pára naquele sítio
onde emaranhada treme
a escura raiz do grito.”



Federico Garcia Lorca, Bodas de Sangue
Tradução de Cecília Meirelles

sábado, abril 01, 2006

A Gaivota

Está em cena, no Teatro da Cornucópia até 7 de Maio, a primeira encenação que o Luís Miguel Cintra faz de um texto de Tchekov.


Nina

Porque é que você diz que beija a terra que eu pisei? É preciso que me matem. (Apoia-se na mesa.) Estou tão cansada! Se eu pudesse descansar… descansar! (Levanta a cabeça.) Eu sou uma gaivota… Não, não é isso. Eu sou uma actriz. Claro! (Ouve os risos de Arkadina e de Trigorine, escuta e depois corre para a porta a fim de olhar pelo buraco da fechadura.) Ele também veio. (Voltando para junto de Treplev.) Claro… Não tem importância… Pois… Ele não acreditava no teatro, estava sempre a rir dos meus sonhos, e pouco a pouco também eu deixei de acreditar nele, e perdi a coragem… E além disso eu vivia as preocupações de amor, o ciúme, a constante inquietação por causa da criança… E não sabia onde colocar os braços, não sabia estar em palco, não sabia trabalhar com a voz. Você não pode imaginar o que é uma pessoa sentir que representa atrozmente. Eu sou uma gaivota. Não, não é isso… Um dia você matou uma gaivota, lembra-se? Um homem que por ali passava, viu-a e tirou-lhe a vida, por mero acaso, por puro ócio. Belo tema para uma novela… Não, não é isso… (Esfrega a testa) O que é que estava a dizer?... Estava a falar do palco. Agora já me desenrasco muito melhor… Já sou uma verdadeira actriz, represento com gozo, com êxtase, no palco fico como que ébria, e tenho a impressão de ser bela. E agora, durante esta minha estada aqui, dou longas caminhadas a pensar, a pensar, e sinto que cada dia que passa há uma força cada vez maior em mim… doravante sei, compreendo, Costia, que o essencial na nossa profissão no palco ou na pena, o essencial não é a glória, nem o brilho, nem tudo o que eu sonhei, mas sim saber suportar… Saber carregar a cruz e ter fé. Tenho fé e sofro menos, e quando penso na minha vocação, não tenho medo da vida.

Treplev
(tristemente)

Você encontrou a sua vida, sabe para onde vai, enquanto eu flutuo ainda num caos de sonhos e imagens, sem saber porque escrevo e para quem. Não tenho fé e não sei em que consiste a minha vocação.

Nina
(de ouvido à escuta)

Chiu… vou-me embora. Adeus. Quando eu for uma grande actriz, venha ver-me representar. Promete? E agora… (aperta-lhe e mão) Está a fazer-se tarde. Já não me aguento em pé… estou extenuada, tenho fome

Treplev

Fique, eu trago-lhe a ceia…

Nina

Não, não… Não precisa de me acompanhar, eu hei-de encontrar o caminho… Os meus cavalos estão ali perto… Então ela trouxe-o? Paciência. Quando vir o Trigorine, não lhe diga nada. Amo-o. Ainda o amo mais do que dantes… Belo tema para uma novela… Amo-o, amo-o apaixonadamente, amo-o até ao desespero. Como éramos felizes noutros tempos, Cóstia! Lembra-se? Como a vida era clara, quente, alegre, pura, como os sentimentos se pareciam com flores ternas e graciosas… lembra-se? (Recita) “homens, leões, águias e perdizes, veados cornudos, gansos, aranhas, peixes mudos, habitantes da água, estrelas do mar, e tudo aquilo que os nossos olhos não podem avistar, em suma, todas as vidas, todas as vidas, todas as vidas, findo o seu triste ciclo, se extinguiram. Há já milhares de séculos que a terra não acalenta um único ser vivo, e esta pobre lua em vão acende a sua lanterna. As cegonhas já não gritam nos prados ao despertar e já não se ouve o besouro de Maio nas tílias…”
(Deixa-se cair nos braços de Treplev, e depois sai a correr pela porta envidraçada.)

Treplev
(após uma pausa)

Convinha que ninguém a encontrasse no jardim e fosse dizer à mamã…

(Durante dois minutos, em silêncio, rasga todos os seus manuscritos e atira-os para debaixo da mesa; depois abre a porta da direita e sai.)

(...)


A. Tchekov
Tradução de Regina Guimarães